A usurpação da vida indígena

Desenvolve-se, mais uma vez, a história de massacres e usurpações que marca as relações do Estado brasileiro com os povos indígenas. No centro da disputa atual está a figura jurídica da Terra Indígena (T.I.), envolvendo concepções bem diferentes sobre o tema.

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Direitos dos povos originários: o caso do Mato Grosso do Sul no cenário de retrocessos

A competência para demarcar terras indígenas, conforme o art. 231 da Constituição Federal, é da União Federal, que a exerce por meio da Fundação Nacional do Índio. Porém esta competência vem sofrendo interferências por parte do Poder Judiciário.

O artigo 67 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias afirma que a União deveria concluir os processos de demarcação em cinco anos contados da data da promulgação da Constituição, mas o Supremo Tribunal Federal (STF) considerou esta norma meramente programática, como indicativa ao órgão administrativo de que proceda às demarcações dentro de um “prazo razoável”.

Por sua vez, no caso da  [*] Serra Raposa do Sol (Pet 3388), o STF estabeleceu o critério do “marco temporal da ocupação”, dentre outros critérios, considerando que as terras indígenas são aquelas nas quais havia efetiva ocupação na data da promulgação da Constituição. O que o STF ignora é a consequência de sua decisão.

A Advocacia Geral da União, por meio da Portaria 303 de 2012, passou a orientar seus membros em atuação em processos judiciais envolvendo terras indígenas com suas normas sobre “salvaguardas institucionais” às terras indígenas, com menosprezo à consulta prévia em casos de expansão da malha viária ou de projetos energéticos. A AGU atua junto à Funai no que se refere à demarcação de terras indígenas, bem como à gestão ambiental e territorial e licenciamento ambiental de empreendimentos nestas.

Neste contexto, é que se insere a proposta de emenda constitucional 215 (PEC), que inclui dentre as competências exclusivas do Congresso Nacional a aprovação de demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios e a ratificação das demarcações já homologadas, estabelecendo que os critérios e procedimentos de demarcação serão regulamentados por lei. A PEC, que aguarda votação pelo plenário da Câmara dos Deputados, confirma a tese do marco temporal. Segundo estudo do Instituto Socioambiental, caso aprovada, a PEC paralisaria 228 processos de demarcação em curso.

A criação de instância política apta a paralisar os processos de demarcação já foi criada pelo novel governo Michel Temer com a Portaria n. 80 de 2017: o Grupo Técnico Especializado, com o objetivo de auxiliar o Ministro de Estado da Justiça e Cidadania, que conta com a possibilidade de desaprovar a identificação da terra indígena, retornar os autos à Funai e interpretar a seu bel prazer do que considera ou deixa de considerar pelo que vale o artigo 231 da Constituição, sobretudo, levando em conta a força persuasiva de um julgado com efeitos somente entre as partes que foi o caso Raposa Serra do Sol.

O STF vem decidindo sem se dar conta de que para o direito internacional dos direitos humanos o critério é de que se há vínculo espiritual com a terra, o direito de recuperar terras permanece, pois em muitos dos casos em que se afirma que os povos originários não estavam ocupando no dia 05 de outubro de 1988 (data da promulgação da Constituição), não lá estavam porque haviam sido expulsos ou massacrados. E quando tentam regressar são continuamente violentados.

A tragédia processual da tese do marco temporal decorrente da Pet 3388 vem gerando uma avalanche de decisões judiciais no Brasil de anulação de processo de demarcação, muitas vezes sem a possibilidade de defesa ou consulta prévia das comunidades afetadas.

A consulta prévia sobre atos estatais que possam vir a afetar povos originários ou comunidades tradicionais é um direito previsto na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho. O poder judiciário por meio dos instrumentos da suspensão de liminar e antecipação de tutela vem suspendendo decisões que garantem a consulta prévia, permitindo-se o prosseguimento de empreendimentos sem a obtenção do consentimento prévio. No caso da repercussão do caso Serra Raposa do Sol, a consequência é que muitos tribunais vêm repetindo tais critérios do marco temporal, sem oportunidade das comunidades se manifestarem com extinção sumária dos processos de demarcação.

Da mesma forma, no Mato Grosso do Sul, são variados processos de demarcação dos Guarani Kaiowá e Terena que vem sendo anulados judicialmente. A confirmação do confinamento e do risco à exposição à morte dos guarani kaiowá foi corroborada pela decisão do STF sobre a terra indígena Guyraroká (Recurso em Mandado de Segurança 29087), que repetiu a noção de “marco temporal de ocupação” como sendo 5 de outubro de 1988.

O STF simplesmente não quer saber qual a consequência de sua decisão, se isso implicará em mais miséria em beira de estradas, em confinamento em reservas superlotadas criadas na primeira década do século passado, com mais conflitos e mortes na região. Se sua decisão implica em negar o desfrute do exercício da própria cultura. Em uma palavra, se sua decisão implica etnocídio. O embate ideológico ficou claro neste caso, pois o Min. Ricardo Lewandowski entende haver um genocídio, ao passo que o Min. Gilmar Mendes frisa que as terras são produtivas por lá.

A necessidade de reconhecimento de diversas terras indígenas no Mato Grosso do Sul até o ano de 2009 constava de Termo de Ajustamento de Conduta assinado pela Funai em 2007, o qual porém foi descumprido e atualmente o Ministério Público Federal o executa judicialmente.

As multas se acumulam (em 2014, já estavam em 1,7 milhão de reais). O contexto é de total sucateamento da FUNAI, com redução de cargos (em 2017, houve a extinção de 347 cargos comissionados por meio do Decreto Federal n. 9.010 de 23 de março de 2017) e, infelizmente, não há perspectiva de que as demarcações ocorram no Mato Grosso do Sul, ainda mais em contexto adverso, quando o Poder Judiciário extingue processos de demarcação pela tese do marco temporal, restando somente a via da petição internacional para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americano

O relatório especial em missão ao Brasil para povos indígenas da Organização das Nações Unidas (a relatora visitou as terras indígenas Kurussu Ambá, Guayviry e Taquara e a reserva de Dourados) destaca a estagnação dos processos de demarcação de terras indígenas.

Especificamente, contabiliza-se, com relação às terras Guarani Kaiowá, morosidade no processo de demarcação de 5 terras indígenas e omissão em iniciar o processo demarcatório em 8 terras indígenas. Há descumprimento dos prazos estabelecidos pelo Decreto nº 1.775/96 (que dispõe sobre o procedimento de demarcação de terras).

Em Mato Grosso do Sul, apontam-se 68 terras indígenas sem providencias, 10 por identificar, 6 identificadas, 8 declaradas e somente 4 homologadas. Para além das ocorrências de omissão e morosidade na demarcação de terras indígenas, muitas das terras identificadas e declaradas vem sofrendo contestação judicial por parte de proprietários rurais, por vezes, meio de mandados de segurança sem respeitar o devido processo e o direito de consulta prévia. Destas terras indígenas em situação de omissão ou de morosidade, 24 são das etnias guarani (Guarani, Kaiowá, Nhadeva e M´Bya).

Para os critérios da Corte Interamericana, o processo de devolução de terras deve seguir o tramite de demarcação, sem delonga, pois esta considerou que onze anos e oito meses para o processo de reivindicação de terras comunais (caso Caso Comunidad YakyeAxa vs. Paraguay) e que o prazo de treze anos (caso Caso Comunidade indígena Sawhoyamaxa vs. Paraguay) ambos não são razoáveis e violam as garantias judiciais de acesso à justiça dos membros das comunidades.

Para o direito internacional, em casos de ocupação tradicional, deve haver devolução de terras, com delimitação, demarcação e entrega de título coletivo de propriedade, com revisão, desapropriação ou compra dos títulos de terras adquiridos por terceiros. Resistiremos. 

Por Konstantin Gerber em Justificando

VER MAIS EM: 

http://odescortinardaamazonia.blogspot.com.br/2017/04/direitos-dos-povos-originarios-o-caso.html   

 [*] Nota da Ecoamazônia:  Terra Indígena Raposa Serra do Sol

 

Entrevista – Dinamam Tuxá: “A conjuntura da política indigenista se afunila para um extermínio total”

Para liderança da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, a ofensiva conservadora se agravou com ascensão do governo Temer. 

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Questão indígena: FPA aplaude decisão do ministro da Justiça

A decisão do Ministério da Justiça de criar um grupo de trabalho para reavaliar os processos de demarcação de terras indígenas em andamento repercutiu positivamente no seio da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA). Portaria de nº 68, publicada no Diário Oficial da União desta quarta-feira (18/01), o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, criou um grupo técnico especializado para analisar e acompanhar tais demarcações. Desde a edição da PEC 215/00, esta medida sempre foi defendida pelas entidades do setor rural e pela bancada ruralista no Congresso Nacional.

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Relatora da ONU manifesta preocupação com situação de povos indígenas no Brasil

A relatora especial da ONU para os Direitos dos Povos Indígenas lamentou o que chamou de “ausência de progresso” na proteção dos direitos dos povos indígenas no país. As declarações constam em relatório do secretário-geral das Nações Unidas enviado à Assembleia Geral. Entre os principais desafios citados pela relatora está a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que transfere do Executivo para o Legislativo a palavra final sobre a demarcação de terras.

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Indígenas pedem o fim dos trabalhos da CPI da Funai

Lideranças indígenas e quilombolas foram com o presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias, deputado Padre João (PT-MG), pedir ao presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, para impedir a prorrogação dos trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Funai e do Incra, prevista para ser encerrada na próxima quarta-feira (17).

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Lideranças defendem nomeação de general indígena para presidente da Funai

Com o titular ainda indefinido durante a gestão Temer, lideranças indígenas de diferentes estados defendem a indicação do general Franklimberg Ribeiro de Freitas, que é índio, para o cargo de presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), o que seria um fato inédito na história do órgão. Nascido em Manaus, Franklimberg Ribeiro de Freitas pertence à etnia Mura, tem 60 anos, e é reconhecido pela atuação no combate ao tráfico nas fronteiras e crimes ambientais. Para eles, o general é o mais indicado, além da própria origem, por ter uma carreira consolidada, uma patente importante e estar envolvido em causas que beneficiam as comunidades indígenas. No entanto, há divergências sobre a possível indicação.

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Por trás de uma demarcação, a poderosa imagem dos índios isolados

O Ministério da Justiça publicou, em 20 de abril, a portaria declaratória da Terra Indígena Kawahiva do Rio Pardo, no Mato Grosso, com 411 mil hectares, junto de várias outras terras que estavam na gaveta e começam a ser declaradas e homologadas pelo governo após a votação do golpe no Congresso.  

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Advogado acusa Ministério Público de impedir índios de produzirem em suas terras

Em audiência na CPI da Funai, Ubiratan de Souza Maia, de origem indígena, defendeu a PEC 215/00, o arrendamento de terras indígenas e a mineração nestas áreas. Medidas criticadas por entidades de defesa dos índios e antropólogos.  

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Dia do Índio: questão indígena é tema de divergências na Câmara

A questão indígena é um dos temas que mais provoca divergências na Câmara dos Deputados. Um dos locais na Casa em que o embate de posições vem se manifestando este ano é a Comissão Parlamentar de Inquérito da (CPI) destinada a investigar a atuação da Fundação Nacional do Índio (Funai) na demarcação de terras indígenas. 

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Ex-presidente da Funai nega existência de laudos fraudulentos na demarcação de terras indígenas

O ex-presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Mércio Pereira Gomes, negou que existam laudos fraudulentos elaborados por antropólogos da instituição. Segundo ele, alguns documentos podem ser revistos, mas tudo foi feito de acordo com o decreto que regulamenta o procedimento de demarcação de terras indígenas (Decreto 1776/95). Ele foi ouvido, nesta terça-feira (5), na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga a atuação da Funai e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) na demarcação de terras indígenas e quilombolas.   

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CPI revela ‘ódio’ a índios e tem ‘direção conservadora’, diz presidente da Funai

O presidente da Fundação Nacional do Índio, João Pedro Gonçalves da Costa, 63, afirmou que a CPI da Funai e do Incra, instalada em novembro na Câmara dos Deputados, é “um desrespeito” aos índios e antropólogos, seus integrantes fazem discursos “que externam ódio aos povos indígenas” e o grupo “vai em direção conservadora”.       Continuar lendo CPI revela ‘ódio’ a índios e tem ‘direção conservadora’, diz presidente da Funai

Ministro cobra atuação mediadora do Congresso na questão indígena

O ministro da Defesa, Aldo Rebelo, que compareceu espontaneamente à CPI da Funai, afirmou que mídia e ONGs fazem “manipulação de causas nobres”; parlamentares manifestaram opiniões divergentes sobre depoimento

Aldo diz à CPI que é a favor da PEC que muda regras de demarcação de terras

O ministro da Defesa, Aldo Rebelo, manifestou hoje (30) posição favorável a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215, que transfere para a Câmara dos Deputados a palavra final sobre demarcação das terras indígenas, bem como a ratificação das demarcações já homologadas. Em audiência da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Fundação Nacional do Índio (Funai), da Câmara, Rebelo criticou ainda o uso das Forças Armadas para solução de conflitos, como no caso das favelas do Rio de Janeiro.   

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Câmara dos Deputados – Relator repercute desdobramentos da CPI da Funai e do Incra

Criada em novembro do ano passado, a CPI já ouviu pessoas de diversas áreas ligadas à Funai, antropólogos, representantes dos índios e do Poder Judiciário. 

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