O Desmatamento da Amazônia Brasileira: 1 – Resumo da série – Atualizado

O desmatamento na Amazônia brasileira destrói serviços ambientais importantes para todo o mundo e, principalmente, para o próprio Brasil. Esses serviços incluem a manutenção da biodiversidade, evitando o aquecimento global e reciclando a água que fornece chuvas para a Amazônia, para outras partes do Brasil, como São Paulo, e para países vizinhos, como a Argentina.

Queimada e vista em meio a área de floresta próximo a capital Porto Velho. Foto: Bruno Kelly/Amazônia Real.

A floresta também mantém as populações humanas e as culturas que dela dependem. As taxas de desmatamento aumentaram e diminuíram ao longo dos anos com os principais ciclos econômicos. Um pico de 27.772 km2 / ano foi atingido em 2004, seguido por uma queda importante para 4.571 km2 / ano em 2012, após o qual a taxa apresentou tendência de alta, atingindo 10.129 km2 / ano em 2019 (equivalente a um hectare a cada 31 segundos). A maior parte (70%) da queda após 2004 ocorreu até 2007, e a desaceleração nesse período é quase inteiramente explicada pela queda nos preços de commodities de exportação, como soja e carne bovina.

As medidas de repressão do governo explicam a continuação do declínio de 2008 a 2012, mas uma parte importante do efeito do programa de repressão depende de uma base frágil: uma decisão de 2008 que torna a ausência de multas pendentes um pré-requisito para crédito para agricultura e pecuária. Isso poderia ser revertido com uma canetada, e essa é uma prioridade para o poderoso bloco de votação “ruralista” no Congresso Nacional.

O desmatamento tem se acelerado fortemente desde que o presidente Jair Bolsonaro assumiu o cargo em janeiro de 2019, com um aumento de 34% na taxa anual de 2018 para 2019. Dados preliminares indicam que a taxa de 2020 é ainda maior do que a de 2019. O aumento é explicado tanto pelo enfraquecimento dos órgãos e regulamentações ambientais pelo atual governo e pelo virulento discurso anti-ambiental do presidente e de seu ministro do meio ambiente, que sinaliza aos desmatadores que os regulamentos ambientais não serão cumpridos. Grandes planos para rodovias, barragens e outras infraestruturas na Amazônia, se realizados, irão somar forças na direção do aumento do desmatamento.

O desmatamento ocorre por uma ampla variedade de razões que variam em diferentes períodos históricos, em diferentes locais e em diferentes fases do processo em qualquer local. Os ciclos econômicos, como recessões e os altos e baixos dos mercados de commodities, são uma influência. A lógica econômica tradicional, onde as pessoas desmatam para lucrar com a produção da agricultura e da pecuária, é importante, mas é apenas uma parte da história.

Motivos ocultos também impulsionam o desmatamento. A especulação imobiliária é crítica em muitas circunstâncias, onde o aumento no valor da terra (aumento, por exemplo, como um porto seguro para proteger o dinheiro da hiperinflação), pode render retornos muito maiores do que qualquer coisa produzida pela terra. Mesmo sem a hiperinflação, que ficou sobre controle a partir de 1994, projetos de rodovias podem render fortunas especulativas para aqueles que são sortudos ou astutos o suficiente para ter propriedades ao longo da rota da rodovia.

A maneira prática de garantir a posse de terras é desmatar para pastagem. Isso também é fundamental para obter e defender o título legal da terra. No passado, também foi a chave para grandes fazendas receberem incentivos fiscais generosos do governo.

A lavagem de dinheiro também torna o desmatamento atraente, permitindo que fundos do tráfico de drogas, evasão fiscal e corrupção sejam convertidos em dinheiro “legal”. O desmatamento recebe impulsos da exploração madeireira, mineração e, especialmente, da construção de estradas.

A soja e a pecuária são os principais substitutos da floresta e os mercados de exportação recentemente expandidos estão fortalecendo esses motores. O crescimento populacional e a dinâmica familiar são importantes para áreas dominadas por pequenos agricultores. A degradação extrema, em que a mortalidade de árvores devido à extração madeireira e sucessivas secas e incêndios florestais, substitui a floresta por vegetação não florestal aberta. A degradação extrema está aumentando como uma espécie de desmatamento e provavelmente aumentará muito mais no futuro.

Controlar o desmatamento requer abordar suas múltiplas causas. A repressão por meio de multas e outras medidas de comando e controle é essencial para evitar a presunção de impunidade, mas esses controles devem fazer parte de um programa mais amplo que trate das causas subjacentes. As muitas formas de subsídios governamentais para o desmatamento devem ser removidas ou redirecionadas, e os vários motivos ocultos devem ser combatidos.

Os acordos da indústria que restringem a compra de commodities de propriedades com desmatamento ilegal (ou de áreas desmatadas após uma determinada data) têm um lugar nos esforços para conter a perda de floresta, apesar de alguns problemas sérios que precisam ser corregidos. Uma “moratória da soja” está em vigor desde 2006 e um “acordo pecuário” desde 2009.

A criação e defesa de áreas protegidas é uma parte importante do controle do desmatamento, incluindo terras indígenas e vários tipos de “unidades de conservação”. Conter projetos de infraestrutura é essencial para que o desmatamento seja controlado: uma vez que as estradas são construídas, muito do que acontece está fora do controle do governo.

A noção de que a desaceleração do desmatamento em 2005-2012 significa que o processo está sob controle e que os projetos de infraestrutura podem ser construídos à vontade é extremamente perigosa. É preciso também abandonar os mitos que desviam os esforços para conter o desmatamento; isso inclui “exploração sustentável de madeira” e o uso de fundos “verdes” para programas caros de reflorestamento de terras degradadas, em vez de reter áreas de florestas naturais remanescentes.

Por fim, é preciso oferecer alternativas de apoio à população rural de pequenos agricultores. Os grandes investidores, por outro lado, podem se defender sozinhos. Este autor há muito defende o aproveitamento do valor dos serviços ambientais da floresta como uma base alternativa para sustentar tanto a população rural quanto a floresta. Apesar de algum progresso, muitos desafios permanecem. Uma coisa é certa: a maior parte do desmatamento da Amazônia brasileira não é “desenvolvimento”. Trocar a floresta por uma vasta extensão de pastagens pouco faz para garantir o bem-estar da população rural da região, não é sustentável e sacrifica os recursos mais valiosos da Amazônia.[1]

Por Philip Martin Fearnside  – AMAZÔNIA REAL

A imagem que ilustra este artigo é de autoria de Bruno Kelly / Amazônia Real e foi feita em 12 de agosto de 2020 em área desmatada próxima a Porto Velho (RO)

Nota

[1] Esta série é uma tradução atualizada de: Fearnside, P.M. 2017. Deforestation of the Brazilian Amazon. In: H. Shugart (ed.) Oxford Research Encyclopedia of Environmental Science. Oxford University Press, New York, EUA.

Philip Martin Fearnside é doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM), onde vive desde 1978. É membro da Academia Brasileira de Ciências. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007. Tem mais de 600 publicações científicas e mais de 500 textos de divulgação de sua autoria que estão disponíveis aqui.

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