Encontro debate o marco temporal e a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos do Povos Indígenas

O evento “Encontros Imprescindíveis: O Marco Temporal e a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas” reuniu na quarta-feira (06) a presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Joenia Wapichana, e o relator especial da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre os direitos dos povos indígenas, José Francisco Calí Tzay. O encontro ocorreu virtualmente e foi promovido pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), Ação Jovens Indígenas (AJI) e Grupo de Apoio aos Povos Kaiowá Guarani (GAPK).

José Francisco Calí Tzay – Captura de tela – Funai

A professora e pesquisadora Maria de Lourdes Beldi de Alcântara conduziu a conversa e iniciou com a seguinte pergunta dirigida aos debatedores: Qual é o impacto da tese do marco temporal nos direitos dos povos indígenas?

Francisco Calí comentou que, enquanto relator especial da ONU, recentemente emitiu um comunicado afirmando que a doutrina do marco temporal coloca em risco todos os territórios indígenas do Brasil. Nesse sentido, ele solicitou ao Supremo Tribunal Federal (STF) que, no julgamento do marco temporal (Recurso Extraordinário – RE nº 1017365), “decida em consonância com as normas internacionais existentes de direitos dos povos indígenas”. Já se dirigindo ao Senado Federal, Calí pediu a rejeição do Projeto de Lei – PL nº 2.903/2023, que visa a estabelecer o marco temporal entre outras ameaças aos direitos indígenas.

Em 2016, a então relatora especial sobre os direitos dos povos indígenas, Victoria Tauli-Corpuz, visitou o Brasil para verificar a situação dos indígenas no país. Como resultado da visita, ela emitiu um relatório recomendando que o Brasil conclua o processo de demarcação das terras indígenas entre outras recomendações, conforme lembrou Calí.

O art. 231 da Constituição Federal de 1988 foi citado por Joenia Wapichana como “a grande base dos direitos indígenas no Brasil”. Primeiro porque reconhece a organização social, costumes, línguas, crenças e tradições dos povos indígenas, elementos que caracterizam sua relação congênita com a terra. Em segundo lugar, porque reconhece o direito originário dos povos indígenas sobre suas terras, direito este fundado em sua ocupação tradicional. E em terceiro lugar, porque a Carta Cidadã atribui à União o dever de demarcar e proteger as terras indígenas, tarefa que é executada pela Funai.

Em relação à Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas, Joenia pontuou que o tratado internacional vai muito além do reconhecimento dos direitos territoriais, assegurando também os direitos culturais, ambientais, à saúde e educação, entre outros direitos fundamentais. De acordo com ela, “a demarcação das terras indígenas é o principal caminho para a garantia e efetivação de todos os outros direitos”.

Calí agregou que, no direito internacional, o qualificador tradicional para identificação de territórios indígenas é muito importante, não se restringindo ao local onde as populações originárias encontram-se no momento da demarcação. O qualificador tradicional abrange, na verdade, todos os espaços de uso dos indígenas, inclusive de natureza cosmológica e espiritual. “Os Estados devem implementar medidas concretas para salvaguardar os direitos dos povos indígenas aos territórios e aos recursos que utilizam”, comentou ele referindo-se à Declaração da ONU.

Ao abordar o PL nº 2.903/2023, Joenia observou que o projeto possui vários vícios e nem sequer deveria estar em trâmite no Congresso Nacional da forma como está colocado. Seu vício mais notório diz respeito à não observância ao direito dos povos indígenas à consulta livre, prévia e informada sobre medidas administrativas ou legislativas que afetem seus modos de vida, conforme previsto na Convenção nº 169/1989 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada pelo Estado brasileiro. Além disso, como a proposta legislativa afeta diretamente o art. 231 da Constituição Federal, sua tramitação não poderia ocorrer na forma de projeto de lei ordinária, e sim como proposta de emenda constitucional (PEC), que requer quórum qualificado para aprovação. Mais ainda, segundo Joenia, o marco temporal atinge cláusulas constitucionais pétreas e por isso não poderia sequer ser objeto de emenda constitucional.

Joenia comentou também o julgamento do marco temporal no STF, cujo placar encontra-se com quatro votos contrários à tese e dois votos a favor. “Tenho esperança de que vamos enterrar de vez o marco temporal. Mais dois votos e derrubamos no STF. Por outro lado, temos que estar atentos aos novos desdobramentos e entendimentos que podem advir desse julgamento”, pontuou.

Assessoria de Comunicação / Funai / Encontro debate o marco temporal e a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos do Povos Indígenas — Fundação Nacional dos Povos Indígenas (www.gov.br)  

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