A Terceira Margem – Parte DII

Descendo o Rio Branco

JDB n° 294, 28.01.2007

TIRSS na Mídia Nacional – Parte V

Índio quer Energia Elétrica

Um dos mais indeléveis sinais da presença branca em áreas indígenas, em Roraima, é visto desde a estrada que liga o Brasil à Venezuela. Torres de transmissão da Eletronorte dividem a paisagem com malocas na paisagem de cerrado. O Estado tem algumas características que o distanciam do resto da Região Norte. Parte do território tem uma vegetação parecida com a observada no Centro-Oeste e a energia elétrica consumida vem toda da usina hidrelétrica de Guri, na Venezuela. Para chegar à Boa Vista, a energia passa por torres de transmissão que cruzam a área indígena de São Marcos. Embaixo, as comunidades indígenas sobrevivem com a energia gerada com a queima de óleo diesel e lenha. Vivem às escuras, mesmo após o pagamento de cerca de R$ 7 milhões pelo aluguel do terreno.

Venezuela Garante a sua Soberania

O reduzido número de funcionários públicos na região de fronteira, como em Roraima, é apontado como mais um ponto frágil da soberania do país. A FUNAI no Estado tem apenas 86 servidores para dar conta de uma população indígena de 30.715 pessoas. Na sede, em Boa Vista, são feitos cerca de 50 atendimentos por dia. Na última semana, o maior problema era a falta de veículos.

O subcoordenador da FUNAI no Estado, José Raimundo Batista da Silva diz que na fronteira com a Venezuela, o caso é mais grave.

Precisaria, no mínimo, dobrar o número de funcionários. Para chegar à Santa Elena, primeira cidade da Venezuela, é necessário passar por três postos de fiscalização.

A fronteira é um colosso. “No Brasil, é essa bagunça” ‒ atesta o empresário João Rosas, que tem uma loja em Pacaraúna (Pacaraima), logo na fronteira. Para o Coronel Fregapani, o atual superintendente da ABIN em Roraima, o Estado convive com o risco de perder território.

‒ O estabelecimento e a manutenção de fronteiras têm a ver com a ocupação da área. Nenhuma fronteira é sagrada. Nem a de Tordesilhas, que foi assinada pelo Papa.

Uma Perda amazônica

[Mariana Carneiro]

O cupuaçu japonês ou o açaí europeu. São inúmeros os casos de marcas ou substâncias obtidas de plantas e animais da região que são transferidas para laboratórios dos países desenvolvidos. A biopirataria, embora não reconhecida pela legislação brasileira, é muito pouco punida por essas terras, gerando prejuízos ao Brasil e deixará o país ainda mais distante das nações mais ricas do mundo. Segundo o chefe de Meio Ambiente da Polícia Federal de Roraima, Ivan Gonçalves, o tipo mais comum de biopirataria tem aparência de legalidade. “Não é clandestino, nem feito no meio do mato” ‒ explica.

Normalmente é feito por estudiosos que tem autorização para vir ao Brasil e, muitas vezes, tem parceria com universidades brasileiras ou organizações não governamentais [ONGs].

A acadêmica Gina Cynthia Carneiro do Vale, da Faculdade do Tapajós, denuncia que existe um tratamento diferenciado para os pesquisadores estrangeiros, mais favorável do que o prestado aos brasileiros. Atesta Gina:

Uma licença para a coleta de animal, por exemplo, leva em média 20 dias para ser liberada para nós. Para estrangeiros, sai em 72 horas.

Segundo diz, as exigências para transporte de material de pesquisa são também mais difíceis para os cientistas brasileiros. Além disso, o conhecimento é levado junto com a comitiva que aportou no Estado.

Há uma desigualdade aqui. Por que não fazem parceria com os pesquisadores da região? Nossa sensação é que poderíamos ganhar experiência e produzir mais conhecimento para o Brasil.

Segundo cálculos feitos pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis [IBAMA], em 2003, o Brasil registrava prejuízo de US$ 16 milhões por dia devido à biopirataria.

Segundo o Policial Federal de Roraima e biólogo Bruno Altoé Duar, o Brasil está perdendo muito, sem nem mesmo conhecer. “Se isso é um problema na Amazônia, é ainda pior na parte Norte da região” ‒ avalia. Roraima é um Estado que está no foco da biopirataria, justamente pelo encontro do cerrado ao Norte com a Floresta Amazônica. “Os pesquisadores brasileiros ainda não chegaram, mas os estrangeiros, sim. E há algum tempo” ‒ atesta Duar.

Substâncias Naturais Usadas Pelos Índios Foram Patenteadas por Laboratórios Internacionais

Segundo o especialista, um simples sapo pode ser preciosa fonte de informação para os biopiratas. Ou mesmo o seu material genético. No ano passado, começaram a ser devolvidas à comunidade Ianomâmi o sangue coletado ainda nos anos 90 por pesquisadores da Universidade do Pará, em associação com a Universidade de Michigan, nos Estados Unidos.

O Ministério Público Federal de Roraima pediu a devolução do material, uma vez que teria sido coletado ilegalmente no país. O sangue pertence a 86 índios da reserva Ianomâmi e só retornou a Roraima a parte do material que tinha ficado no Pará. Mas não fica por aí.

Ganhou notoriedade há poucos anos a descoberta de que o laboratório Glaxo Wellcome usa o veneno da jararaca na elaboração de um medicamento.

Em 98, a Abott registrou a criação de um antibiótico feito a partir de uma toxina encontrada em um sapo da região. A alemã Merk tem em seu portfólio um medicamento que usa a policarpina, extraída das folhas do jaborandi.

Isso sem contar as substâncias conhecidas das comunidades indígenas brasileiras cuja patente já foi registrada no exterior. Dos Uapixana, que vivem em Roraima, sabe-se que o anticoncepcional natural extraído das sementes do bibiru e o estimulante cunaniol, extraído das folhas do canani, já tem donos lá fora.

Segundo o professor da FGV Direito Rio, Pedro Paranaguá, depois de patenteado no exterior, é mais difícil o Brasil recuperar o direito de usar a substância. “Pode-se argumentar que a substância já era tradicionalmente usada por comunidades indígenas.

“Mas, atualmente, a legislação de vários países já avalia que o melhoramento de substâncias da natu­reza pode, sim, ser patenteado” ‒ explica o especia­lista. O governo brasileiro atua hoje na costura de um acordo internacional que iniba a biopirataria. A ideia é repassar aos países de origem das plantas e animais que serviram de base para a criação do produto parte da receita obtida com a sua venda.

A discussão começou ao fim da ECO 92 ‒ realizada no Brasil no início dos anos 90 ‒ e ganhou fôlego recentemente com o apoio da Índia ao projeto, que está em análise na Organização das Nações Unidas [ONU]. Diz Paranaguá, que acompanha as negociações com o Itamaraty:

A discussão ganhou intensidade no ano passado, mas a resistência de países como Estados Unidos, Japão e alguns da Europa, onde estão sediados os grandes laboratórios, fazem grande resistência.

Enquanto isso, o Brasil não pode patentear essas substâncias ou usá-las em produtos que vão para os países onde já existe a patente. O caso que ganhou mais destaque sobre os prejuízos causados ao Brasil, no entanto, é o cupuaçu no Japão e Estados Unidos, onde produtos brasileiros que usam o vegetal foram proibidos por usar o que seria uma marca registrada naqueles países.

O Brasil conseguiu reverter a decisão alegando que as então consideradas marcas são, na verdade, nome de vegetais.

Polícia Federal está de olho nos Hotéis de Selva, Onde se Escondem os Biopiratas

A Polícia Federal de Roraima começou, na última semana, a fazer uma operação de patrulha no aeroporto de Boa Vista. O objetivo é vasculhar, uma vez por semana, a bagagem de quem deixa a capital. Logo no primeiro dia, foram recolhidas sementes de castanheira, uma orquídea e cascas de moluscos. Os hotéis de selva, no Sul do Estado, também estão no alvo da PF, que investiga a ação de um casal que recolheu folhas que são alimento de um tipo de macaco da região. Pondera o delegado Gonçalves. Ambos os crimes não dão mais de um ano de detenção aos criminosos.

O mais complicado é que o Brasil não criminaliza esse tipo de ação. Para levar um biopirata para a cadeia é necessário enquadrá-lo em casos como maus tratos de animais ou coleta de animais silvestres sem autorização. (JDB. N° 294)

Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 28.10.2022 – um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.

Bibliografia   

JDB, N° 294. Americanos Lideram Invasão Estrangeira – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Jornal do Brasil, n° 294, 28.01.2007.

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;  

  • Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
  • Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
  • Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
  • Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
  • Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
  • Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
  • Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
  • Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
  • Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
  • Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
  • Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
  • Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
  • Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
  • E-mail: hiramrsilva@gmail.com.   

NOTA – A equipe do EcoAmazônia esclarece que o conteúdo e as opiniões expressas nas postagens são de responsabilidade do (s) autor (es) e não refletem, necessariamente, a opinião deste ‘site”, são postados em respeito a pluralidade de ideias. 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *