Muito se fala que a Amazônia é chave na preservação da biodiversidade e na regulação do clima. Também é essencial no processamento de vapor de água para o Brasil central e sul, tem a maior diversidade do planeta, o ciclo hidrológico mais intenso, além de ser o maior repositório de carbono de qualquer região continental.
Mas, mesmo sendo estratégica, suas características e importância mundial levam a questões complexas:
1. Como desenvolver essa riqueza imensa sem destruí-la?
2. Como preservar a cultura de centenas de etnias indígenas?
3. Como explorar a biodiversidade e implantar uma bioeconomia na região de maneira a preservá-la?
A Amazônia tem dimensões continentais, com cerca de 7.58 milhões de km², sendo que a Amazônia Legal brasileira tem 5.03 milhões de km² (58.9% do território nacional). Sua área é dividida por nove países (Brasil, Colômbia, Peru, Venezuela, Equador, Bolívia, Guiana Inglesa, Guiana Francesa e Suriname). Representa 67% das florestas tropicais remanescentes no planeta. Com um clima peculiar, solos com poucos nutrientes, abriga 20% das águas doces.
Na Amazônia, ocorrem 17% da fotossíntese do planeta, a floresta tem mais de 10% da biodiversidade do planeta e contém cerca de 120 bilhões de toneladas de carbono, ou o equivalente a cerca de dez anos de toda a queima de combustíveis fósseis mundiais. Esses números superlativos dão uma ideia do desafio que é entender o funcionamento e a dinâmica desse fantástico sistema, e de desenvolver estratégias sustentáveis.
O problema é que a floresta amazônica está sendo destruída, e rapidamente. Em 2020, foram 11.088 km² de florestas que desapareceram em um ano. E a área que foi afetada por degradação florestal pode ser duas vezes maior. Nos últimos 30 anos, a região perdeu pelo menos 19% de sua cobertura florestal. As mudanças climáticas também podem estar impactando o funcionamento do ecossistema, já que a região se aqueceu cerca de 2 graus centígrados e o ciclo hidrológico está mudando. O fluxo de água do Rio Amazonas em Óbidos aumentou 30% e a evapotranspiração da floresta se reduziu em mais da metade de sua área. Os eventos climáticos extremos como secas e cheias intensas se intensificaram, e a estação seca aumentou em 18 dias nos últimos 30 anos no sul da Amazônia.
A floresta absorvia grandes quantidades de CO2 atmosférico até dez anos atrás, mas hoje é basicamente neutra em carbono devido ao aumento da mortalidade das árvores. As emissões das queimadas produzem ozônio, óxidos de nitrogênio e partículas de aerossóis que afetam a saúde das pessoas e impactam negativamente no ecossistema. Os níveis de vários poluentes atmosféricos durante 3-4 meses da estação seca ultrapassam em muito os padrões de qualidade do ar, e afetam a saúde da população amazônica significativamente.
O Brasil já mostrou que é possível, fácil e rápido conter a destruição da Amazônia, pois reduziu a taxa de desmatamento de 27.772 km, em 2004, para 4.571 km² em 2012. Essa forte redução de 84% foi obtida mediante políticas públicas transversais consistentes, baseadas na ciência e no fortalecimento dos órgãos de vigilância e fiscalização. Houve a demarcação de áreas protegidas, implantados sistemas de monitoramento, feitas ações de repressão a crimes ambientais, promoveu-se moratórias da soja e da carne e implantou-se mecanismos de restrição de crédito para propriedades que desmataram ilegalmente, entre outras medidas. Em suma: cumpriu-se a lei, e o desmatamento diminuiu.
Entretanto, após 2014, o desmatamento voltou a subir rapidamente – de 5.012 km² por ano, em 2014, para 11.088 km², em 2020, um aumento de 121% no período. A taxa de desmatamento subiu 34%, em 2019, e 10%, em 2020. Evidentemente, há uma política em vigor, com o desmantelamento da fiscalização e repressão ao crime na Amazônia. Uma grande parte destes crimes envolve invasões ilegais em Unidades de Conservação e Terras Indígenas, além de ocupação ilegal de terras da União.
Por Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física da USP e do Research Center of Greenhouse Gas Inovation da Poli-USP
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