Abril Indígena: MPF recebe lideranças Tapayuna para esclarecer sobre processos que buscam demarcação do território indígena em MT

Ações cobram da Funai a realização de expedição para registro de povos isolados na área, bem como a criação de Grupo Técnico de identificação e delimitação do território tradicional

Foto: MPF

Procuradores do Ministério Público Federal (MPF) receberam lideranças e representantes indígenas do povo Tapayuna para ouvir as demandas da comunidade e esclarecer sobre o andamento dos processos que buscam a demarcação do território tradicional da população, removida compulsoriamente para o Parque Indígena do Xingu, em Mato Grosso, na década de 1970. A reunião foi realizada na Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do MPF (6CCR), que fica na sede da Procuradoria-Geral da República, em Brasília, no último dia 20.

O território reivindicado pelos indígenas Kajkwakratxi – conhecidos como Tapayuna – foi oficialmente reconhecido pelo Estado brasileiro em 1968, quando foi criada a Reserva Indígena Tapayuna, entre os rios do Sangue e Arinos, no noroeste de Mato Grosso. Oito anos depois, em 1976, a reserva foi extinta por meio de decreto editado pelo então presidente da República, Ernesto Geisel.

Desde então, os indígenas removidos para o Xingu e seus descendentes lutam para recuperar seu território tradicional e retornar com segurança ao local onde viveram seus antepassados. “Quero voltar para a terra onde eu nasci. Meu pai, minha mãe e toda a minha família está enterrada lá. Essa terra é do meu povo e queremos sua demarcação”, afirmou o cacique do povo Tapayuna durante a reunião, em fala traduzida por outro indígena.

Também na língua nativa, os demais representantes da comunidade reforçaram a necessidade de regularização do território Tapayuna, citando que há parentes isolados na região. Os indígenas demonstraram preocupação com a biodiversidade da área, ameaçada pela ocupação de fazendeiros e pela construção de usinas hidrelétricas, e pediram urgência na criação de grupo técnico destinado a realizar os estudos necessários para o procedimento de demarcação.

Atuação – Os Tapayuna foram recebidos pela procuradora da República Marcia Zollinger, coordenadora do Grupo de Trabalho Demarcação, da 6CCR/MPF, e pelo procurador regional da República Felício Pontes, que acompanha os processos relacionados à comunidade no âmbito do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1). Os membros do MPF explicaram que são dois os processos relacionados ao povo Tapayuna em curso no Tribunal.

A primeira ação civil pública, ajuizada pelo MPF em 2019, requereu a concessão de liminar para obrigar a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) a realizar expedição na área reivindicada pelos índios Kajkwakratxi, em Mato Grosso. O objetivo da medida é colher elementos indicativos da presença de índios isolados, investigar a existência de remanescentes da remoção do povo Tapayuna em 1970 e reunir subsídios técnicos para a constituição de um grupo técnico de identificação e delimitação.

“Esse processo recebeu decisão favorável da Justiça Federal de Mato Grosso em 2019, decisão essa que continua vigente. Ou seja, a Funai tem que realizar essa expedição, sob pena de pagamento de multa”, esclareceu Felício Pontes. Em complemento, a procuradora Marcia Zollinger ressaltou a importância dos resultados da expedição para a proteção do território. “Se forem identificados vestígios de povos isolados na região, podemos requerer uma medida de restrição de uso do território, disciplinando o ingresso e o trânsito de terceiros na área”, destacou.

A segunda ação civil foi ajuizada pelo MPF em 2021, com o objetivo de obrigar a Funai a constituir grupo técnico para dar início aos estudos e ao procedimento de demarcação do território tradicional Tapayuna, além de reparar os danos causados aos indígenas pela remoção forçada de seu território tradicional e pela extinção da antiga Reserva Indígena Tapayuna. O pedido de liminar foi negado pelo juiz de primeiro grau, que alegou que a etapa preliminar do processo de demarcação da terra indígena já teria sido contemplada na liminar concedida na ação anterior.

O MPF recorreu da decisão ao TRF1, onde o caso aguarda julgamento. O procurador Felício Pontes afirmou que o objetivo do Ministério Público é que esses dois processos sejam julgados conjuntamente pelo Tribunal, uma vez que são complementares. “Essa estratégia é importante para que o desembargador tenha a visão completa da situação”, disse. O membro do MPF pontuou ainda que, além da via judicial, a própria Funai pode decidir criar o grupo técnico por conta própria.

Bem de todos – Ao fim do encontro, os indígenas Tapayuna agradeceram pela reunião, reforçaram o direito sobre as terras reivindicadas e destacaram a importância da demarcação, tanto para os povos originários quanto para a sociedade como um todo. “Não estamos pedindo doação. A terra é nossa. Temos prova que o povo Tapayuna veio de lá. Hoje, a gente fala muito de mudança climática, mas o que está sustentando a temperatura hoje são as áreas indígenas, as terras demarcadas. Demarcando a terra você está salva a vida de um povo e de milhões de pessoas”, disse um dos indígenas presentes.

O MPF se comprometeu a expedir ofício solicitando à Funai informações sobre as providências adotadas pela autarquia para realizar a expedição no território da antiga Reserva Tapayunae e criar o grupo técnico de identificação, delimitação e demarcação do território tradicional.

Saiba mais – Os indígenas Kajkwakratxi, também conhecidos como Tapayuna, viviam originalmente no noroeste de Mato Grosso, entre os rios do Sangue e Arinos, em região próxima ao município de Diamantino. Rico em recursos naturais, como seringueiras, minérios e madeiras, o território tradicional chegou a ser oficialmente reconhecido pelo Estado como reserva indígena, por meio do Decreto Presidencial 63.368/1968.

No início da década de 1970, após uma onda de conflitos com invasores, episódios de envenenamento e epidemias de gripe que vitimaram grande parte da população, os Tapayuna foram removidos para o Parque Indígena do Xingu, no nordeste de Mato Grosso. Segundo os indígenas, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) assegurou, à época, que a remoção seria temporária, visando a assegurar melhores condições sanitárias para a recuperação da saúde da comunidade, que retornaria à sua terra, futuramente.

Em 1976, no entanto, a Reserva Indígena Tapayuna foi extinta pelo governo militar, por meio do Decreto 77.790/1976. Desde então, os indígenas levados compulsoriamente para o Xingu lutam para recuperar seu território.

Processos relacionados:

ACP 1000040-85.2019.4.01.3604
ACP 1000168-37.2021.4.01.3604

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