Governo de Rondônia aprova mutilação histórica de áreas protegidas no estado

O governador sancionou o projeto que retira cerca de 220 mil hectares de duas unidades de conservação do estado. Horas antes ele próprio havia classificado o projeto como maior retrocesso ambiental da história de Rondônia

Na quinta-feira (20) de noite, o governador de Rondônia, o coronel Marcos Rocha (PSL) sancionou o que ele próprio classificou como o “maior retrocesso ambiental da história de Rondônia”, vulgo o Projeto de Lei Complementar (PLC) nº 080, que reduziu os limites da Reserva Extrativista Jaci-Paraná e o Parque Estadual Guajará-Mirim em cerca de 170 mil e 50 mil hectares, respectivamente. Os bastidores da decisão são nebulosos e confusos. Precisamente às 16:16 de quinta-feira, o governador assinou uma mensagem de veto total ao projeto, registrada no sistema e encaminhada à Assembleia Legislativa de Rondônia, que havia aprovado o PLC no final de abril. Menos de sete horas depois, às 23:00, foi publicada uma edição extra do Diário Oficial do Estado de Rondônia, onde constava a sanção integral do governador ao projeto de lei. A brusca mudança de opinião não foi justificada oficialmente por Marcos Rocha. Coincidência ou não, o governador está em viagem pelo interior do estado e na quinta-feira estava justamente em Buritis, um dos municípios abrangidos pela reserva extrativista – que foi praticamente exterminada pelo PLC, com redução de quase 90% do seu território.

O texto original do PLC nº 080 é de autoria do próprio Marcos Rocha, mas o projeto recebeu cinco emendas de autoria coletiva dos deputados que resultaram em maiores desafetações. Na Resex Jaci-Paraná, que originalmente já seria drasticamente diminuída para 45 mil hectares, o território protegido foi reduzido a apenas 22.487 hectares, restando apenas o corredor ecológico às margens do rio Jaci e rio Branco. O Parque Estadual Guajará-Mirim também saiu com prejuízo maior do que o proposto. No projeto original o parque perderia cerca de 5 mil hectares, com redução de um setor e inclusão de outro, mas com as emendas sancionadas foi reduzido em aproximadamente 50 mil hectares, sem anexação de nenhuma nova área.

Outra consequência das emendas foi excluir uma das seis unidades de conservação a serem criadas para “compensar” a desafetação. Com a sanção, ficam criadas cinco UCs no estado, que somadas representam aproximadamente 120 mil hectares, praticamente 100 mil a menos do que o total perdido em áreas protegidas.

“De acordo com a Secretaria de Estado do Desenvolvimento Ambiental (SEDAM), caso a proposição aprovada pela Assembleia Legislativa fosse sancionada, o estado de Rondônia ficaria com o déficit de aproximadamente 99 mil hectares de unidades de conservação, circunstância que, a toda evidência, caracterizaria o maior retrocesso ambiental da história de Rondônia”, admite o governador na mensagem de veto, ao qual ((o))eco teve acesso, enviada na tarde de quinta.

O PLC nº 080, agora sancionado como Lei nº 1.089/2021 cria cinco áreas protegidas, para “compensar a desafetação” das outras duas unidades de conservação (UCs), são elas: o Parque Estadual Ilha das Flores, com 89.789 hectares; o Parque Estadual Abaitará, com 152 hectares; a Reserva de Desenvolvimento Sustentável Bom Jardim, com 1.678 hectares; a Reserva de Desenvolvimento Sustentável Limoeiro, com 18.020 hectares; e a Reserva de Fauna Pau D’Óleo, com 10.463 hectares. Somadas, as novas unidades representam aproximadamente 120 mil hectares de área protegida no estado. O texto original incluía uma sexta unidade de conservação, a Reserva de Desenvolvimento Sustentável Rio Machado, com 7.890 hectares, retirada em uma das emendas aprovadas em consenso na Assembleia.

A sanção é um ato público, oficializado em diário oficial. O veto, não. A mensagem é enviada internamente aos parlamentares, que possuem trinta dias para apreciar o veto. O que talvez o governador não tenha levado em conta é que a mensagem nº 122, onde comunica o seu veto à Assembleia, apesar de não ser pública, fica gravada no sistema e expõe a súbita mudança de ideia.

Na mensagem, o governador destacou ainda o parecer contrário emitido pela Procuradoria Geral do Estado de Rondônia, que aponta diversas inconstitucionalidades no PLC nº 080, e orienta o veto aos artigos que dispõe sobre a desafetação das UCs.

“Some-se a isso o fato de que, ao ampliar o número de áreas desafetadas, essa Assembleia Legislativa acabou por incluir regiões que nem sequer são passíveis de regularização fundiária, tampouco se encontram ocupadas, circunstância que, além de contrariar ao interesse público, poderá aumentar significativamente o desmatamento no estado de Rondônia, com inegáveis prejuízos ao meio ambiente e à população em geral”, continua Marcos Rocha. O governador alerta ainda que a ausência de estudos técnicos pode inclusive agravar os conflitos socioambientais já existentes, ao suprimir, em várias regiões, “direitos já reconhecidos e desfrutados por populações tradicionais que ali residem há muitos anos”.

A mensagem de veto agora pode ser vista como uma carta de confissão sobre quão consciente o governador estava do potencial impacto socioambiental do PLC nº 080, sancionado por ele. Além do parecer da PGE, o projeto acumulou críticas de dezenas de organizações socioambientais – como a Frente Ampla de Defesa das Áreas Protegidas em Rondônia, coletivo composto por 65 organizações – desde que começou a ser discutido entre os parlamentares, no final de 2020 e novamente assim que foi aprovada pelos deputados, no dia 20 de abril deste ano.

Entre os principais motivos das críticas estavam: a falta de estudos técnicos e de audiências públicas com as comunidades afetadas, a falta de transparência sobre o teor do projeto e a não-discussão prévia das emendas, o retrocesso ambiental e a premiação dos invasores de terras públicas.

O parecer da procuradoria-geral destaca ainda que “as áreas ofertadas para compensação são substancialmente inferiores em extensão às desafetadas, além de não reproduzirem os atributos únicos encontrados na Reserva Extrativista Jaci-Paraná e do Parque Estadual de Guajará-Mirim”, que “se encontram em uma das regiões mais relevantes e sensíveis do ponto de vista ambiental, compondo o único corredor ecológico que interliga diversas Terras Indígenas e Unidades de Conservação federais e estaduais”.

A expectativa, segundo fontes ouvidas por ((o))eco, é de que a lei que sancionou o projeto – a Lei Complementar nº 1.089 – seja judicializada pelo Ministério Público do Estado de Rondônia, através de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), já nesta semana.

A Rede Sustentabilidade de Rondônia publicou uma nota de repúdio à aprovação do PLC nº 080, em que aponta que a sanção do governador premia os grileiros. “O governador ignorou o parecer da Procuradoria Geral do Estado contrário ao PLC 80, que apontou falta de estudos prévios sobre a redução, a ausência da consulta obrigatória a povos indígenas e tradicionais, além de ser inconstitucional. A Rede Sustentabilidade Rondônia repudia a decisão do Governador Marcos Rocha e da Assembleia Legislativa”, declaram as representações do partido no estado.

Os interesses por detrás da PLC nº 080

A Reserva Extrativista (Resex) Jaci-Paraná fica entre os municípios de Porto Velho, Buritis e Nova Mamoré. A unidade de conservação de uso sustentável foi criada em 1996 justamente para garantir a proteção das áreas ocupadas por populações tradicionais da floresta das “grandes pressões de atividades predatórias” que acarretam em “perdas irreversíveis dos recursos florísticos, faunísticos e acirrando conflitos sociais”.

Ironicamente, é a destruição da floresta, a multiplicação de invasores e a incapacidade do poder público de realizar o controle e fiscalização na Resex que o governo usou como justificativa para redução da reserva, inclusive ao apontar que estima-se que existam 120 mil cabeças de gado dentro da reserva extrativista, e mais de 100 ações contra invasores individuais. ((o))eco documentou o conflito na resex Jaci-Paraná entre seringueiros e pecuaristas, e a expulsão dos moradores tradicionais, em uma reportagem feita em 2018.

A história é parecida no Parque Estadual de Guajará-Mirim, situado entre os municípios de Nova Mamoré e Guajará-Mirim, onde também há inúmeras denúncias de invasão.

Os parlamentares abraçaram essas “justificativas” desde que o projeto começou a ser discutido na Assembleia, e repetiram o discurso de que as áreas desafetadas estão ocupadas por pequenos produtores em busca da regularização de suas terras e de que já estão tão degradadas que não possuem mais valor ambiental, tampouco são passíveis de regeneração.

Uma apuração feita pelo jornalista Daniel Camargos, do Repórter Brasil, revela que quase a metade (11 dos 25) dos deputados estaduais que aprovaram o projeto são pecuaristas ou foram financiados por criadores de gado. Seis deles receberam doações de pecuaristas, entre eles Alex Redano (Republicanos-RO), atual presidente da Assembleia Legislativa, que comemorou a sanção do governador, que classificou como “uma vitória para o setor produtivo”.

“No meu entendimento, Rondônia já possui áreas de preservação suficientes e o que precisamos é de mais apoio à produção agropecuária, que é o que sustenta a nossa economia, gerando emprego e renda”, declarou o deputado.

O Eco

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PUBLICADO POR:  JORNAL DA CIÊNCIA SBPC 

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