Conservação de idiomas autóctones norteia Ano Internacional das Línguas Indígenas celebrado pela UNESCO

Anualmente, a Organização das Nações Unidas – ONU aborda temáticas relacionadas a aspectos relevantes para a humanidade. Em 2019 será a vez de celebrar o Ano Internacional das Línguas Indígenas. Dessa forma, o Brasil se torna um dos maiores contemplados da comemoração, visto que possui uma das maiores diversidades étnicas do mundo.

Povo Wai Wai. Foto: Mário Vilela/Funai

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, o país abriga 305 povos indígenas e 274 línguas originárias. Para se ter uma ideia da riqueza cultural, o país possui mais línguas autóctones do que toda a Europa – por lá são 140, segundo o Instituto de História Europeia.

A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – UNESCO lançou um site com o objetivo de conscientizar a necessidade de preservar, revitalizar e promover as línguas indígenas no mundo, além de estabelecer um calendário de ações e atividades com a mesma prerrogativa. Atualmente, existem por volta de 6 a 7 mil línguas no planeta. Cerca de 97% da população mundial fala somente 4% dessas línguas, e somente 3% das pessoas do mundo falam 96% de todas as línguas existentes.

Povo Krahô. Foto: Mário Vilela/Funai

Dentre as iniciativas pensadas pela Unesco no sentido de fortalecer as línguas indígenas no mundo, estão a de aumentar a compreensão, a reconciliação e a cooperação internacional; a criação de condições favoráveis para o compartilhamento de conhecimento e disseminação de boas práticas com relação às línguas indígenas; a integração das línguas indígenas na configuração padrão; o empoderamento através da capacitação; e o crescimento e desenvolvimento através da elaboração de novos conhecimentos.

Preocupação com extinção de línguas indígenas norteia iniciativa

Segundo a Unesco, a grande maioria de línguas existentes, faladas sobretudo por povos indígenas, continuarão a desaparecer em um ritmo alarmante. Sem a medida adequada para tratar dessa questão, mais línguas irão se perder, e a história, as tradições e a memória associadas a elas provocarão uma considerável redução da rica tapeçaria de diversidade linguística em todo o mundo.

Mapa das Famílias de Línguas Indígenas. Imagem: Instituto Socioambiental

A antropóloga Mirella Poccia explica de forma resumida alguns aspectos que justificam a preocupação da organização de fomento. “Um estudo da Unesco aponta vários fatores de ameaça à língua. Pode, de fato, haver várias razões, porém algumas estão quase sempre presentes. A língua minoritária é um exemplo no caso do Brasil. É um povo pequeno dentro de um país enorme e com uma língua mais forte, que é o português. Sem falar na quantidade de povos e etnias”.

Segundo a especialista, a perda cultural também é consequência de fatores históricos e políticos. “A integração nacional ameaça a língua com a sociedade envolvente. Quanto mais se estabelece contato, os indígenas veem o português como uma forma de conquistar espaço, uma ferramenta de poder. Essa integração com a sociedade envolvente leva-os a abandonar elementos tradicionais. Em alguns casos, os próprios pais incentivam os filhos a aprender o português para que eles ganhem mais espaço. Eles começam a acreditar que a língua materna mais atrapalha do que beneficia”, afirma Poccia.

Cento e noventa idiomas estão em risco no Brasil

Povo Paresi. Foto: Mário Vilela/Funai

O Atlas das Línguas em Perigo reúne línguas em perigo no mundo todo – e o Brasil é o segundo país com mais idiomas que podem entrar em extinção, com 190 línguas em risco, ficando atrás apenas dos Estados Unidos. Adauto Soares, coordenador do setor de Comunicação e Informação da Unesco no Brasil, explica que o mapa foi feito com a colaboração de pesquisadores especialistas em cada região e entidades governamentais e não governamentais.

Soares explica que foram usados diversos critérios para definir se uma língua está em risco: o número absoluto de falantes, a proporção dentro do total da população do país, se há e como é feita a transmissão entre gerações, a atitude dos falantes em relação à língua, mudanças no domínio e uso da linguagem, tipo e qualidade da documentação, se ela é usada pela mídia, se há material para educação e alfabetização no idioma. “Esse quadro (de línguas em perigo) pode ser revertido, e é por isso que a gente atua”, diz o especialista.

Contraponto e resistência   

Povo Assuriní. Foto: Mário Vilela/Funai

Contudo, ainda que a situação de risco de idiomas seja uma preocupação latente, algumas regiões tem ido na contramão da tendência. Em 2016, o IBGE publicou estudo que listou os municípios brasileiros com maior presença indígena, e a consequente presença da língua indígena nessas regiões. São Gabriel da Cachoeira, no noroeste do Amazonas, com cerca de 29 mil indígenas, foi o primeiro do país a aprovar como línguas oficiais, além do português, três idiomas nativos (tukano, baniwa e nheengatu).

Além disso, o estudo demonstrou que morar numa terra indígena influencia os indicadores socioculturais dos povos. Entre os indígenas que residem nessas áreas, 57,3% falam ao menos uma língua nativa, índice que cai para 9,7% entre indígenas que moram em cidades. Mesmo no Sul, região de intensa colonização e ocupação territorial, 67,5% das pessoas que vivem em terras indígenas falam uma língua nativa, número só inferior ao da região Centro-Oeste (72,4%).

Projeto de documentação de línguas indígenas

No Brasil, o Projeto de Documentação de Línguas e Culturas Indígenas – ProDoclin é a primeira iniciativa pública e governamental desta natureza. O projeto integra o Programa de Documentação de Línguas e Culturas Indígenas – PROGDOC, coordenado pela Funai em parceria com a Unesco, desde 2009.

Povo Xikrin. Foto: Mário Vilela/Funai

Documentar uma língua significa registrar, de modo sistemático e amplo, exemplos de seu uso em contextos culturais apropriados, os mais variados, visando à constituição de um corpus digital anotado. Documentar significa criar acervos sustentáveis digitais que registram o uso da língua. Com o entendimento que a diversidade linguística e cultural é uma riqueza que precisa ser melhor conhecida, documentada e preservada, existem acordos bilíngues firmados entre a Funai e organizações indígenas no Brasil para fins de documentação de suas tradições orais e manifestações culturais.

Reconhecer que a perda de uma língua também configura a perda de conhecimentos incorporados àquela língua, inclusive conhecimentos culturais, ecológicos, indícios sobre a pré-história humana, informações sobre as estruturas e funções das línguas humanas de modo geral substancia ainda mais a necessidade de documentação desses idiomas. A língua representa um elemento vital de povos e culturas e sua morte é uma perda irrecuperável, tendo em vista que valorização e preservação das línguas é um direito universal que deve ser reconhecido e defendido.

Fontes:

https://en.iyil2019.org/

http://prodoclin.museudoindio.gov.br/

http://mpumalanga.com.br/o-desaparecimento-da-lingua-indigena-e-a-irreparavel-perda-cultural/

https://www.bbc.com/portuguese/brasil-43010108

https://www.bbc.com/portuguese/brasil-36682290

Assessoria de Comunicação / FUNAI

 

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