O Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), em Brasília (DF), acatou recurso do Ministério Público Federal (MPF) e determinou à União que adote medidas para o atendimento à saúde dos indígenas Atikun da região de Redenção, no sudeste do Pará. A desembargadora federal Daniele Maranhão Costa estabeleceu urgência na comunicação da decisão, assinada no último dia 20.
“É plausível o entendimento de que há um iminente risco para a sadia qualidade de vida dos indígenas na não concessão, em sede de antecipação de tutela, ao direito de tratamento diferenciado na qualidade de índio”, registrou a desembargadora federal na decisão.
A decisão é semelhante a outra decisão da Justiça Federal que, também em atendimento a pedido do MPF, em 2016 determinou o atendimento a 13 etnias da região de Santarém, no oeste do Pará, independentemente de viverem na zona rural ou não, e independentemente de terem suas terras terem sido demarcadas ou não (saiba mais).
No caso de Redenção, a Justiça Federal em primeira instância negou as solicitações, o que levou o MPF a recorrer ao TRF-1.
Pedidos – O MPF pediu ao TRF-1 que obrigasse a União a realizar, dentro de 90 dias, o cadastramento no Sistema de Informação da Atenção à Saúde Indígena (Siasi) de todos os indígenas que habitam a região de Redenção, incluindo os Atikun e outras etnias que eventualmente também não estiverem sendo atendidas.
Também foi pedido que a União fosse obrigada a passar imediatamente a atender indígenas Atikun – e os de qualquer outra etnia ou território – nas Casas de Saúde Indígena (Casais) e nos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (Dseis) da região.
O MPF pediu que a decisão urgente determinasse, ainda, o estabelecimento de serviços de saúde e a construção, no prazo máximo de 180 dias, de módulos sanitários básicos (posto de saúde, fossa séptica e poço) na aldeia Umã, da etnia Atikun, independentemente da conclusão da regularização fundiária.
Direito à autodeterminação – Em 2015, antes de levar o caso à Justiça, o MPF encaminhou recomendação à Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), do Ministério da Saúde, para que a secretaria prestasse o atendimento aos Atikun.
Em resposta, a Sesai disse que os indígenas que não vivem em áreas demarcadas teriam perdido suas identidades como indígenas e que, por isso, não caberia à secretaria atendê-los.
Essa teoria da Sesai foi criticada pela procuradora da República Tatiana de Noronha Versiani Ribeiro no recurso enviado ao TRF-1. “Causa espanto tal declaração, pois, a um só tempo, substitui a compreensão de um direito por um ‘privilégio’ e menospreza a condição identitária indígena, como se o índio ‘urbanizado’ (termo inequivocamente pejorativo, diga-se de passagem) fosse menos índio que os demais, numa clara visão edílica do bom salvagem, visão esta abandonada pela Constituição Federal de 1988 e pela Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT)”.
A Constituição e a convenção 169 da OIT garantiram o direito supremo à autodeterminação desses povos, lembra a procuradora da República, “assegurando a eles o respeito à forma de sobrevivência e aos costumes que bem entenderem seguir, sem padronizações e estigmatizações exógenas”.
Ofensa à identidade – A adoção da demarcação do território em que as populações indígenas vivem como critério determinante para a prestação de assistência à saúde e de serviços de saneamento ofende a identidade desses povos, defende o MPF.
“Não é necessária a manutenção de um isolamento forçado dessas comunidades de modo a impedir seu acesso a bens e utilidades da vida moderna para que só assim sejam reconhecidos como índios”, ressalta a procuradora da República. “O que define o indígena é seu autorreconhecimento como tal e sua ligação aos costumes, crenças e tradições”, destaca.
“Logo, é pressuposto para previsão, planejamento e execução de qualquer política pública em relação aos povos indígenas que se adote os critérios normativos de identificação indígena, sem acréscimo de outros com indevido conteúdo discriminatório”, complementa a representante do MPF no recurso ao TRF-1.
“Importante esclarecer que a maioria dos índios desaldeados se encontram nessa situação, na maioria das vezes, não por opção, mas em razão de terem sido expulsos de suas terras por invasores (grileiros, madeireiros, garimpeiros, Cortes europeias, Estado brasileiro, etc.), por insegurança econômica, ausência ou precariedade de serviços básicos como saúde e educação ou até mesmo para estudar e/ou trabalhar. Portanto, necessitam de amparo estatal diferenciado do não índio, direito esse que já teve reconhecimento na jurisprudência”, lembra a procuradora da República.
Processo nº 0002768-57.2017.4.01.3905 – 1ª Vara da Justiça Federal em Redenção (PA)
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