O dia em que o seringal Pedra Chorona chorou

O seringal é uma manifestação honrosa de encadeamento e exaltação na fulgurante relação de entranhamento do homem com a natureza embelecida. Nessa relação há uma clarividente e perspicaz concatenação entre a alma do ser do ente e a terra como resultado do espaço vivido.

Seringal Pedra Chorona – Pando – Bolívia. Foto – Marquelino Santana – 2010.

Na cotidianidade das colocações estabelecidas no seringal e na dinamização de suas temporalidades e espacialidades, o seringueiro se apropria de seus instrumentos de trabalho, tais como – poronga, faca de seringa, balde, tigela, sapato de seringa, raspadeira e saco de encauchado, dentre outros – e parte para a estrada de seringa para efetuar os tradicionais processos do corte da seringueira e da colha do látex. Após o término das atividades de extração, o próximo passo seria realizar a defumação no buião e confeccionar a famosa péla de borracha natural da Amazônia.

Essas peculiaridades estetizantes do homem ribeirinho foram apropriadas desde a infância pelo seringueiro brasiviano do rio Mamu, conhecido carinhosamente por Dino do seringal Pedra Chorona. Esse seringal fica localizado no Município de Santos Mercado – Província Federico Román – Departamento de Pando – Bolívia. O velho Dino sempre morou sozinho na casa que ele mesmo construiu, mas fazia questão de dizer que não se considerava um homem solitário, pois vivia segundo ele, na companhia prazerosa do rio, da mata e dos animais.

Dino na porta de sua casa – Pando – Bolívia – Foto – Marquelino Santana – 2010

Sabedor, revelador e construtor do seu espaço de ação, o velho Dino no seu fenomênico mundo, e norteado pela cosmogonialidade das encantarias florestais do rio Mamu, utilizava-se sempre do seu arquétipo de bondade para ser generoso e complacente com as famílias de sua coletividade brasiviana. O colossal e suntuoso seringal Pedra Chorona escondia na sua inenarrável beleza as singularidades e particularidades pregnadas na alma e no imaginário do seu sublime e impoluto filho: o velho Dino.

O estudo toponímico de Pedra Chorona aponta na sua forma imaginal estetizante para uma peculiar celebração da dilaceração ou rompimento do sentimento imaculado de amor familiar. O velho Dino resistiu como pôde por aproximadamente duas décadas no silêncio de uma casa adormecida.

No espaço e tempo, e no aconchego divinizado de sua inseparável rede, Dino partiu para outra dimensão da vida e foi morar na eternidade. A comunidade brasiviana do rio Mamu ficou desolada, e esse dia ficou marcado como o dia em que o seringal Pedra Chorona chorou.

Por: Marquelino Santana
FONTE: Correio Eletrônico (e-mail) recebido do autor

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