A Terceira Margem – Parte CCCXX

Expedição Centenária Roosevelt-Rondon 3ª Parte – XXVIII

Rio da Eugênia (IBGE)

Entrevista com João “Brabo” – III 

Os “Esquerdiopatas Caviar” procuram por todos os meios culpar os Governos Militares de massacrar as populações indígenas brasileiras quando na verdade o que aconteceu é que após a Revolução Redentora de 1964 é que estas ações de extermínio foram devidamente coibidas, apuradas e sancionadas. Continuando com a nossa entrevista:

Marcelo: Ele está dizendo que esse massacre do seu povo foi lá no Rio da Eugênia ([1]) conhecido como Paralelo 11°, onde foram mortos 3.000 indígenas ou até mais ‒ é isso que o pessoal fala. Mataram até as crianças e as mulheres usando açúcar envenenado. (Marcelo)

Hiram: Gostaria de ouvir a versão do Cacique João Brabo à respeito da morte dos garimpeiros no dia 07.04.2004. (Hiram)

Marcelo: Ele está dizendo que a mídia só divulga que os Cinta-Larga assassinaram os 29 garimpeiros ([2]), mas a mídia não divulga que, na década de 1970 ([3]), milhares de índios Cinta-Larga morreram por envenenamento. Tenho convicção de que se um índio invadir a casa de homem branco certamente o homem branco vai matar índio. Agora, graças a isso, tem muita gente com medo de invadir nossas terras. A mídia fica dizendo que foram os Cinta-Larga que mataram os garimpeiros, quando na verdade foi uma etnia que convive com os Cinta-Larga e que tinha conhecimento de tudo que aconteceu na década de 70. Um parente chegou na Aldeia, de madrugada, contando que garimpeiro ([4]), que estava com malária, estava dizendo que estava preparado pra matar os índios Cinta-Larga. A mídia não quer saber o que provocou tudo isso, só querem dizer que o índio é assassino. (Marcelo)

Hiram: Só para esclarecer, aquele incidente do Paralelo 11° em que foi colocado arsênico na alimentação, no açúcar, etc, teriam sido garimpeiros e seringueiros os protagonistas? (Hiram)

Marcelo: Ele diz que foram os dois, seringueiros e garimpeiros, porque os garimpeiros estavam de olho no minério e os seringueiros na seringa. Eles se organizaram, cercaram a Aldeia, e colocaram veneno no açúcar, na chicha ([5]) e jogaram gás tóxico. (Marcelo)

Marc: Antes do branco chegar, como era a guerra, já que existiam três grandes grupos ([6])? (Marc)

Marcelo: Ele está dizendo que antigamente entre os clãs o que era mais violento era o dele o Mãm. Os Kakín não podiam nem olhar com a cara feia pra eles que eram imediatamente mortos, assados e devorados como se tratasse de um troféu. Os Kabãn, não eram tão brabos e tinha medo dos Mãm e os respeitavam, já os Kakín enfrentavam os Mãm e sempre eram derrotados neste confronto, por isso, até hoje os Kakín não se aproximam muito dos Mãm. Os Mãm são muito respeitados pelos outros clãs porque são robustos enquanto os Kakín são mais magros. Os remanescentes dos Kakín proliferaram e vivem hoje no meio dos Mãm. A maior população original é a dos Mãm, mas hoje existe uma miscigenação muito grande dos três clãs originais. (Marcelo)

Hiram: Quais são as principais preocupações do cacique, hoje, com tudo que está acontecendo em relação aos Cinta-Larga? (Hiram)

Marcelo: Ele está dizendo que a maior preocupação dele com o que está acontecendo hoje é principalmente com a Comunidade, com os indígenas jovens que estão perdendo a cultura nativa. Para não acontecer uma tragédia ele sempre acreditou que pode orientar a Comunidade para não deixar de lado a nossa cultura, porque se isso acontecer as pessoas não vão mais respeitar a gente. Se já não estão nos respeitando, sem a nossa cultura, as coisas só vão piorar. Estou muito preocupado porque a Polícia Federal já está prendendo indígenas, preocupado com o Exército que a qualquer hora pode tomar a Terra Indígena e nessa hora é preciso de uma liderança como a dele. Bem que o pai dele disse que um dia a cidade ia crescer e iam invadir diminuindo a Terra deles. A mata diminuindo e o calor aumentando em decorrência da derrubada da mata. (Marcelo)

Marc: A população de Cinta-Larga está aumentando e muitos moram na Reserva, há uma tendência dos Cinta-Larga migrarem para a cidade? (Marc)

Marcelo: Ele disse que está muito preocupado, alguns já abandonaram as Aldeias alugando casas na cidade. Muitos jovens que vem pra cidade, hoje em dia, usam drogas que lhes oferecem e na Aldeia não tem droga, não tem bebida alcoólica, só as bebidas tradicionais que oferecemos, em ocasiões especiais, aos nossos jovens. O uso excessivo da tecnologia por parte, principalmente, dos jovens que não sabem mais fabricar um arco ou uma flecha, não querem caçar… Ele disse que não está aqui na cidade por que quer, mas porque precisa tratar dos problemas de saúde. A vontade dele não era de estar vivendo na cidade mas na Aldeia. Ele agradece a vocês por terem vindo aqui, as portas estarão sempre abertas pra vocês a qualquer hora e pede desculpas se fez alguma coisa ruim para vocês, no passado, porque não os conhecia tão bem como agora. (Marcelo)

Folha de São Paulo, 09.05.2004

Só depois desta incrível entrevista com o Cacique Geral dos Cinta-Larga dei por encerrada, definitiva­mente, minha homenagem à Expedição Roosevelt-Rondon (1914). Minha preocupação, agora, é com o futuro deste valoroso povo.

Continuo envidando esforços, junto com o Presidente da Associação PATJAMAAJ dos Povos Cinta Larga, Sr. Oita Motina, para tentar viabilizar um projeto de pesca-turismo no Sul da Reserva Roosevelt.

A extração criminosa de madeira de lei, diamante e ouro, sem qualquer controle da reserva só seria terminantemente resolvida quando, através do DNPM e FUNAI, fossem efetivados contratos firmados com empresas idôneas que através do emprego científico do Manejo Florestal e da Mineração Industrial destinassem parte dos percentuais líquidos de sua produção para todas as famílias das aldeias proporcionalmente ao número de membros de cada uma delas e outra parte, a ser determinada pelos líderes comunitários de cada aldeia, para uma poupança e para melhorias nas comunidades.

Não posso deixar de agradecer aos digníssimos Policiais Militares e Bombeiros Militares de Cacoal (RO) que nos apoiaram nos deslocamentos para o local de Partida (Aldeia Roosevelt) e na chegada na Balsa da Aprovale.

Após o encerramento da missão o Exército Brasileiro, através da 17ª Brigada de Infantaria de Selva nos apoiou no deslocamento até o 1º Pelotão de Especial de Fronteira “Real Forte Príncipe da Beira” e de lá para Porto Velho (RO). Logo depois do Capítulo “No Caminho dos Semivivos”, vamos fazer um relato desta interessante jornada.

Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 11.10.2021 – um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.

 (*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;   

  • Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
  • Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA) (2000 a 2012);
  • Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
  • Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
  • Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
  • Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
  • Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
  • Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
  • Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
  • Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
  • Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
  • Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
  • Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
  • E-mail: hiramrsilva@gmail.com.

[1]    Afluente da margem direita do Rio Capitão Cardoso. João Brabo acrescenta, à história do Massacre do Paralelo 11°, um envenenamento similar ao dos Beiço-de-Pau, crime ocorreu perto da Barra dos Rios Tomé de França e Miguel de Castro com o Rio Arinos, aumentando, consideravelmente, os números de vítimas que, segundo os relatórios oficiais, oscilava de 9 a 30 vítimas.

[2]    O inquérito da Polícia Federal avalia que esse número é bastante superior, chegando a mais de uma centena de mortos. Os Cinta-Larga estavam inquietos com as ameaças feitas pelo garimpeiro Baiano Doido, que vociferava, a todo momento, que mataria qualquer índio que tentasse retirá-lo da reserva. O Cacique Oitina Matina afirmou que:

Cada cidadão tem direito de se defender e pagar pelo que fez de errado. Nesse assunto eu nem estou do lado do índio nem do lado do branco, todos os dois estão errados. Mas não vamos denunciar os guerreiros. Podem esquecer isso.

[3]   1971 ‒   Os Cinta Larga mataram dois funcionários da FUNAI, Possidônio Bastos, que chefiava o subposto, e o radiotelegrafista Acrísio Lima. Segundo os Cinta-Larga, o ataque foi uma retaliação à ação de um dos garimpeiros que impedido de “namorar” uma índia teria passado veneno no pilão de fazer “chicha”. Na verdade o suposto envenenamento foi apenas uma epidemia de gripe que vitimou parte da população de várias aldeias.

1972 ‒   Em dezembro houve uma salutar confraternização com os funcionários do Posto Indígena Roosevelt.

     1973 ‒   No final de janeiro receberam presentes e almoçaram com os funcionários do posto, estabelecendo relações harmônicas. A partir de outubro, os Cinta-Larga começaram a frequentar pacificamente a margem esquerda do Rio Aripuanã, em frente à Vila Aripuanã.

1974 ‒   Três famílias Cinta-Larga, no dia 12 de janeiro, entraram na Vila de Aripuanã distribuindo artesanatos procurando estabelecer relações de amizade. Alguns meses depois, 69 Cinta-Larga visitaram Aripuanã e acabaram contraindo o vírus da gripe. A doença dizimou quase metade da população Cinta-Larga dessa região.

1976 ‒   Descoberta de ouro no igarapé Jurema, afluente do Ouro Preto. A exploração de ouro atraiu a atenção dos Cinta-Larga que passaram a frequentar o local e contrair novas doenças.

[4]    Baiano Doido.

[5]    Bebida alcoólica artesanal, obtida pela fermentação de determinados cereais, raízes, sementes (milho, mandioca, etc.).

[6]    Os grupos Cinta Larga são Mãm [com várias subdivisões ‒ MãDut, MãGap e MãGuip], Kakín [com subdivisões] e Kabãn [sem subdivisões]. É provável que, anteriormente, houvesse maior nitidez na distribuição demográfica destas divisões: Os Kabân ao Norte, na região dos rios Branco e Vermelho, os Mâmderey no Meio, e os Mâmjiwáp nas cabeceiras dos Rios Tenente Marques e da Eugênia. Os Kakín eram numerosos e guerreavam contra os Kabãn e Mãm que se uniram para enfrentar os Kakín reduzindo significativamente sua população. Após a instalação dos postos da FUNAI foram feitos sucessivos remanejamentos alterando sua distribuição espacial.

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