Alumínio e Barragens: 24 – Hidrelétricas e o aquecimento global

A Associação Brasileira do Alumínio (ABAL) afirma em seu Relatório de Sustentabilidade 2011 que “nosso alumínio é ‘verde’ na sua origem, por ser proveniente de matriz energética limpa” ([1], p. 4). Infelizmente, as hidrelétricas na Amazônia emitem gases de efeito estufa, principalmente metano (CH4). Barragens nos trópicos úmidos emitem mais CH4 do que aquelas em outras zonas climáticas [2, 3]. 

amazonia viva

As barragens produzem metano porque a água em um reservatório estratifica em camadas, com uma camada quente (epilimnion) nos 2-10 m superiores da água que está em contacto com o ar e contém oxigênio, e uma camada fria (hipolímnio) em maior profundidade, onde oxigênio se esgota rapidamente e a decomposição da matéria orgânica termina em CH4 ao invés de CO2 [4].

Uma parte do metano gerado escapa para a atmosfera como bolhas através da superfície do reservatório, e se o reservatório é grande em relação ao volume de água que passa através da barragem, como em Balbina, esta emissão da superfície pode ser substancial [5]. Uma quantidade menor escapa por difusão, principalmente no primeiro ano ou dois depois de encher o reservatório (e.g., [6]).

No entanto, o que dá mais aos reservatórios tropicais seu maior impacto sobre o aquecimento global é a água que passa através das turbinas e vertedouros (e.g., [7]). Esta água é extraída bem abaixo do limite (termoclina) que separa as camadas de água no reservatório e normalmente tem altas concentrações de metano [8]. A água no fundo do reservatório está sob pressão, que é imediatamente liberada quando a água emerge das turbinas [9].

A solubilidade de gases diminui imediatamente quando a pressão é liberada, e solubilidade diminui ainda mais à medida que a água aquece gradualmente no rio abaixo da barragem (princípio de Le Chatalier) (e.g., [10, 11]). Muito do metano forma bolhas e é imediatamente liberado. O efeito de liberar a pressão é o mesmo que ocorre quando se abre uma garrafa de refrigerante e o CO2 que havia sido dissolvido escapa como bolhas (veja [9]). O impacto de represas tropicais sobre o aquecimento global tem sido muitas vezes subestimado, especialmente pela indústria de energia hidrelétrica (veja [12]); [13].

 

NOTAS

[1] ABAL (Associação Brasileira do Alumínio). 2011. Relatório de Sustentabilidade: Indústria Brasileira de Alumínio – 2010. ABAL, São Paulo, SP. 60 p. Disponível em: http://www.abal.org.br/biblioteca/publicacoes/relatorio-de-sustentabilidade-da-industria-do-aluminio-2010-4-edicao/

[2] Barros, N., Cole, J.J., Tranvik, L.J., Prairie, Y.T., Bastviken, D., Huszar, V.L.M., del Giorgio, P., Roland, F. 2011. Carbon emission from hydroelectric reservoirs linked to reservoir age and latitude. Nature Geoscience 4: 593-596. doi: 10.1038/NGEO1211

[3] Demarty, M., Bastien, J. 2011. GHG emissions from hydroelectric reservoirs in tropical and equatorial regions: Review of 20 years of CH4 emission measurements. Energy Policy 3: 4197-4206. doi:10.1016/enpol.2011.04.033

[4] Fearnside, P.M., Pueyo, S. 2012. Underestimating greenhouse-gas emissions from tropical dams. Nature Climate Change 2: 382–384. doi: 10.1038/nclimate1540

[5] Kemenes, A., Forsberg, B.R., Melack, J.M. 2007. Methane release below a tropical hydroelectric dam. Geophysical Research Letters 34: L12809. doi:10.1029/2007GL029479. 55.

[6] Dumestre, J.F., Guezenec, J., Galy-Lacaux, C., Delmas, R., Richard, S.A., Labroue, L. 1999. Influence of light intensity on methanotrophic bacterial activity in Petit-Saut reservoir, French Guiana. Applied Environmental Microbiology 65: 534-539.

[7] Abril, G., Guérin, F., Richard, S., Delmas, R., Galy-Lacaux, C., Gosse, P., Tremblay, A., Varfalvy, L., dos Santos, M.A., Matvienko, B. 2005. Carbon dioxide and methane emissions and the carbon budget of a 10-years old tropical reservoir (Petit-Saut, French Guiana). Global Biogeochemical Cycles 19, GB 4007 doi: 10.1029/2005GB002457

[8] Fearnside, P.M. 2002. Greenhouse gas emissions from a hydroelectric reservoir (Brazil’s Tucuruí Dam) and the energy policy implications. Water, Air and Soil Pollution 133: 69-96. doi: 10.1023/A:1012971715668

[9] Fearnside, P.M. 2004. Greenhouse gas emissions from hydroelectric dams: controversies provide a springboard for rethinking a supposedly “clean” energy source. Climatic Change 66: 1-8. doi: 10.1023/B:CLIM.0000043174.02841.23

[10] Battino, R., Clever, H.L. 1966. The solubility of gases in liquids. Chemical Reviews 66: 395-463 doi: 10.1021/cr60242a003

[11] Joyce, J., Jewell, P.W. 2003. Physical controls on methane ebullition from reservoirs and lakes. Environmental Engineering Geoscience 9: 167-178

[12] Fearnside, P.M. 2015b. Emissions from tropical hydropower and the IPCC. Environmental Science & Policy 50: 225-239. doi: 10.1016/j.envsci.2015.03.002

[13] Isto é uma tradução parcial de Fearnside, P.M. 2016. Environmental and social impacts of hydroelectric dams in Brazilian Amazonia: Implications for the aluminum industry. World Development 77: 48-65. doi: 10.1016/j.worlddev.2015.08.015. As pesquisas do autor são financiadas pelo Conselho Nacional do Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) (proc. 304020/2010-9; 573810/2008-7), pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM) (proc. 708565) e pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) (PRJ1).

 

Leia também os outros artigos da série:

Alumínio e Barragens: 1 – Resumo da série

Alumínio e Barragens: 2 – Decisões sobre barragens na Amazônia

Alumínio e Barragens: 3 – O primeiro passo para revisar a política energética

Alumínio e Barragens: 4 – A “maldição dos recursos naturais”

Alumínio e Barragens: 5 – O alumínio e a construção de hidrelétricas

Alumínio e Barragens: 6 – Exportando energia e importando impactos

Alumínio e Barragens: 7 – A “mão invisível” da economia

Alumínio e Barragens: 8 – Retornos econômicos

Alumínio e Barragens: 9 – O alumínio e o emprego

Alumínio e Barragens: 10 – Empregos indiretos

Alumínio e Barragens: 11 – O que é alumínio “consumido”?

Alumínio e Barragens: 12 – Energia incorporada no comércio

Alumínio e Barragens: 13 – Alumínio nos mercados internacionais

Alumínio e Barragens: 14 – A busca de energia barata

Alumínio e Barragens: 15 – O contexto da política energética

Alumínio e Barragens: 16 – Reforma da política energética

Alumínio e Barragens: 17 – O papel da corrupção

Alumínio e Barragens: 18 – Perdas à inundação

Alumínio e Barragens: 19 – Os impactos a jusante

Alumínio e Barragens: 20 – Impactos a montante

Alumínio e Barragens: 21 – Contaminação por mercúrio

Alumínio e Barragens: 22 -Transformação de Mercúrio em veneno

Alumínio e Barragens: 23 – Cascatas de barragens

 

Philip M. Fearnside é doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM), onde vive desde 1978. É membro da Academia Brasileira de Ciências e também coordena o INCT (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia) dos Serviços Ambientais da Amazônia. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007. Tem mais de 500 publicações científicas e mais de 200 textos de divulgação de sua autoria que estão disponíveis neste link

VER MAIS EM: http://amazoniareal.com.br/aluminio-e-barragens-24-hidreletricas-e-o-aquecimento-global/ 

NOTA

* A equipe do ECOAMAZÔNIA esclarece que o conteúdo e opiniões expressas nos artigos são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a opinião deste ‘site”.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *