RR – “Por que o Brasil não gosta da gente, doutor?” (*)

Num fim de tarde em Pacaraima, tomávamos café na Padaria da D. Maria, quando se acercou do nosso grupo um senhor nos seus setenta anos, que viríamos a saber ter sido garimpeiro dos velhos tempos, cujo nome se perdeu naquelas horas de angústia da luta pela Raposa Serra do Sol.

Observou-nos por um bom tempo, enquanto falávamos dos eventos da época, especialmente da ação incompreensível das autoridades contra tudo que se desenvolvia em Roraima. Atalhou a conversa tímida, mas firmemente, e perguntou com um ar de dor e perplexidade que emocionou a todos: “Doutor, por que o Brasil não gosta da gente?”.

 A tentativa primeira de dizer que não eram todos e criar algumas escusas, foi calada pela reflexão mais profunda das palavras daquele homem simples, que tocou a todos que tiveram o privilégio de ouvi-lo.

A partir daí toda a nossa luta fazia sentido, pois aquele indivíduo desconhecido mexera com a nossa alma, nos indicando que se tivéssemos que sobreviver aos embates que se tornavam mais cruentos, tínhamos que ter consciência do sentimento de opressão sintetizado pelo garimpeiro que nos inquiria.

Esse sentimento se repete quando vemos a extensa mobilização de homens e recursos para nominalmente impedir os ditos “ilícitos fronteiriços”. Espera-se visita do Ministro da Defesa e até do Vice-Presidente da República.

Não se fala, contudo, de defesa nacional, não se fala de restringir as ongues que atuam contra o Brasil, nem de desenvolver a terra para benefício de todos. Age-se sim contra garimpeiros que se arriscam na mata para abrir frentes de trabalho que lhes são negadas nas cidades; impede-se o desenvolvimento agroflorestal, sufocando a indústria madeireira com exigências impossíveis de serem cumpridas; até a incipiente produção de banana do sul de Roraima é inviabilizada pelo “aparecimento” de praga, quem sabe como foi trazida para as nossas fronteiras; as “normas” ambientalistas impedem o crescimento da produção agrícola; o estabelecimento arbitrário de reservas indígenas e de outros tipos, traz a insegurança jurídica e o sofrimento para pecuaristas, agricultores e até mesmo para brasileiros indígenas que seriam o objeto dessa “benesse”; a nossa energia para incentivar empreendimentos nos falta e é importada da Venezuela ou oriunda do óleo combustível do sul do país, ambos de precariedade atroz; os nossos dirigentes estão sempre sujeitos a cassações iminentes, aniquilando o poder político, ainda que anêmico.

Para sufocar os legítimos desejos do povo amazônico e do roraimense em particular, lançam-se nove mil homens de várias organizações federais, armamento de guerra e gastos imensos, por quase um mês. Tudo para que sejamos uma “potência ambiental”, no dizer insano de personalidades da República. E o povo que morra à míngua.

Parece que o Brasil só nos vê como objeto de repressão. Nada para o desenvolvimento efetivo, emprego produtivo, educação e saúde básicas. Não queremos migalhas do Governo Federal. Queremos a oportunidade de usar nossos recursos, de maneira a tornar a Sociedade roraimense fonte de riqueza para seus filhos.

Diante de nossas dificuldades naturais de ser um Estado de fronteira, mereceríamos todo o desvelo da Nação, com privilégios inerentes às nossas limitações. Mas nem isso almejamos, pois não queremos mais nada que o nosso direito como parte do Estado brasileiro.

Negamos a quem quer que seja a regalia de entregar o nosso futuro a outra Nação que não a brasileira. Mesmo aos que transitoriamente detêm o poder formal. O formalismo do poder não torna justa a ação manifestamente ilegítima de negar a possibilidade a um povo de alcançar a felicidade. Há que se reagir contra este estado de coisas que tenta nos esmagar.

Enquanto o velho garimpeiro não tiver resposta adequada à singela e vital pergunta do porquê das perseguições a Roraima e a seu povo, seremos junto com ele párias da nacionalidade. Até quando?

Autoria de Paulo Cesar Quartiero – Deputado Federal (DEM-RR). Artigo originalmente publicado na Folha de Boa Vista, em 15 de maio de 2012.

FONTE: Alerta Científico e Ambiental – Ano 19, nº 18, publicado em 17 de maio de 2012. 

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