A Terceira Margem – Parte CDLXVI

Descendo o Rio Branco

La Cultura Latino-Americana

La cultura Latino-Americana
(1915/1918) – Parte I
Mitos e lendas dos Índios   

O material mítico da América do Sul era até agora extremamente escasso e incompleto. Durante minha última viagem, 1911-1913, que me levou às regiões mais desconhecidas do Norte do Brasil e Leste da Venezuela, consegui reunir um grande número de mitos e lendas, 76 , alguns deles no texto original com tradução interlinear, constituindo o material mais extenso que foi reunido até hoje com tanta precisão.

Devo isso aos indivíduos das tribos Taulipáng e Arekuná pertencentes ao grupo Caribe por sua língua, indivíduos que vivem nas regiões ao redor da serra de Roraima, na fronteira do Brasil, Venezuela e Guiana Inglesa, e na bacia do Caroni, o grande afluente destro do baixo Orenoco, distinguindo-se por seus bons costumes, caráter afável e beleza de ambos os sexos.

A crença em espíritos e demônios é profunda entre essas tribos, e não é surpreendente se refletirmos quão magnífica é a natureza das montanhas em que essas pessoas vivem. Os altos picos, em cujas grotescas formas rochosas a fantasia humana vislumbra inúmeras figuras de homens e animais, o rugido das cachoeiras que às vezes caem de centenas de metros de altura, os terríveis redemoinhos que se formam nos rios de correnteza rápida, o rugido das tempestades que varrem a planície diariamente – tudo forja a fé no sobrenatural, que se traduz em inúmeros mitos e lendas e que também oprime o europeu, quando ele vive por algum tempo naquela natureza maravilhosa e entre aqueles homens hospitaleiros, sem considerar apenas um e o outro como objeto de estudo.

Minha coleção contém lendas da criação e heróis, especialmente os feitos dos heróis da tribo, do dilúvio, etc., conselhos, fábulas de animais, em parte com existência independente, servindo para realçar contrastes, como inteligência e insensatez, habilidade e torpeza, parcialmente espalhada como episódios nos conselhos e nas lendas dos heróis; além de outras de caráter explicativo em que se explicam as qualidades, a cor e a figura dos animais, e também a característica do meio inanimado segundo acontecimentos e estados dos primeiros tempos; finalmente histórias engraçadas.

Inseparável desse material é uma boa quantidade de fórmulas de encantamento que estão intimamente relacionadas aos mitos.

Várias analogias com o rico tesouro mítico dos índios norte-americanos, algumas reminiscências dos do mundo antigo e pareceres europeus são encontrados na coleção. Apresento aqui apenas uma seleção limitada do que foi coletado. Todo o material foi publicado no segundo volume da obra expondo os resultados da minha viagem que aparecerão no decorrer do corrente ano ([1]). Os heróis são quatro, às vezes cinco irmãos. Os mais ilustres são Makunaíma e seu irmão mais velho Ma’nápe.

Makunaíma, o caçula dos irmãos, é o criador das coisas e um grande mago, o grande transformador, em algumas lendas, porém, o tolo, enquanto algumas vezes Ma’nápe, outras Shigé são mais vivos e mais prudentes. Makunaíma também é, como muitos heróis, de refinada traição.

Ele não apenas zomba de homens e animais e os prejudica transformando-os em pedras, mas engana seus próprios irmãos. Na adolescência, já seduz a mulher do irmão. Contra o conselho de seus irmãos, derruba a árvore do mundo, que produz todos os tipos de frutos, e de sua base, hoje o Monte Roraima, sai a grande corrente. A árvore caiu ao Norte, por isso todos os frutos ainda crescem lá na região úmida das florestas, enquanto no Sul, na savana seca, é muito difícil obter produtos do solo. A árvore caiu no Caroni e lá está ainda hoje como uma grande rocha que atravessa o rio e forma uma alta catarata, nas proximidades da qual os barcos devem ser descarregados e arrastados em terra. Por sua vez, o poderoso planalto de Roraima, cuja aparência se assemelha decididamente à base truncada de uma árvore, ainda hoje envia numerosas correntes para os três grandes sistemas hidrográficos do Amazonas, Orinoco e Essequibo. O episódio seguinte, registrado em inúmeras lendas, atesta a perfídia do herói Makunaíma.

Makunaíma e seu irmão Shigé foram transformados em grilos e colocados na cesta de um homem para que possam se mudar confortavelmente para outra região. Makunaíma produz feridas em seu corpo por encantamento e então diz ao irmão:

–  Estou cansado de tantas feridas. Vou expulsá-las de mim.

–  Ele as despiu, jogou-as na estrada e as trans­formou em pedras.

–  E ele disse: Fique aí! Grudem em todos os homens que passam por aqui.

–  É por isso que os homens que percorrem esse caminho sofrem ainda hoje com as feridas cau­sadas por essas pedras.

Nas transformações realizadas por Makunaíma há uma razão que também existe no Antigo Testamen­to, na história da mulher de Ló ([2]), e também, em certa medida, pelo menos indiretamente, na lenda de Orfeu ([3]): a consequência fatal de voltar a cabeça.

Makunaíma cruzou por pessoas que iam a uma festa e gritou: Esperem! Eles viraram a cabeça e Makunaíma transformou-os em pedras onde ainda hoje estão hoje.

Mais adiante encontrou outras que não acreditavam na grande água que ele havia falado e que queriam ir para casa. Ele lhes disse: Aonde vocês querem ir? Eles se viraram e ele instantaneamente os transformou em ninhos de cupins, como os muitos que você vê na savana.

Makunaíma é a causa de todo tipo de calamidade. Assim, o fato de os missionários ingleses traduzirem “Deus” por “makonaima” em suas traduções da Bíblia para os Akavoio, parentes raciais dos Taulipáng e dos Arekuná, produz um efeito cômico involuntário.

Onde está Makunaíma? A lenda nos diz:

–  Foi para o outro lado do Roraima, para a terra do Inglês, onde ainda hoje permanece.

Em vários mitos, o herói superior tem um caráter marcadamente solar e lunar. Um monstro o engole, mas ele emerge novamente ileso. Este é um dos elementos míticos mais universais e é encontrado em muitos povos da terra relacionados ao herói. Basta lembrar Héracles, Jasão, Jonas, o Maui dos poliné­sios, o Hiawatha dos índios norte-americanos Onon­daga, e muitos outros. Não estaremos errados se referirmos tais mitos aos eclipses solares ou lunares.

Aqui está um desses mitos que eu coletei:

Makunaíma partiu um dia com Ma’nápe; Ambos encon­traram Waimesá-pódole, “o pai dos lagartos”, no cami­nho. As pessoas não conseguiam passar perto dele por causa de sua língua comprida com a qual ele pegava todos os animais. Mas Makunaíma disse: “vou ver”. Ma’nápe disse: “Não ele vai te pegar e comer”. Maku­naíma respondeu: “Não, vou ver”. Ma’nápe repetiu: “Olha, irmão, o animal vai te pegar”. Mas Makunaíma não deu ouvidos aos seus conselhos. Então Ma’nápe o deixou ir. E Makunaíma foi ver. Ao aproximar-se o pai dos lagar­tos o pegou com a língua e o engoliu.

Ma’nápe voltou para casa e contou a todos como o pai dos lagartos havia engolido Makunaíma. Então os irmãos decidiram matar o pai dos lagartos com flechas. Todos foram para lá. E Ma’nápe disse: “Não vamos bater na barriga, só na cabeça”. Ma’nápe parou diante do pai dos lagartos, bateu no chão com um pau e disse: “Venha e me engula, Waimesá-pódole, como você engoliu meu irmão”. Os outros vieram de ambos os lados para machucá-lo. Quando o pai dos lagartos estendeu a língua para pegar Ma’nápe, os outros atiraram suas flechas em sua cabeça e o mataram. Então eles abriram suas entranhas. Dentro estava Makunaíma, vivo. Quem saltou e disse: “Você viu como eu lutei com aquele animal?” Em seguida, todos voltaram para suas casas.

Nas narrações surgem figuras de canibais, armas e utensílios encantados com o acompanhamento de inúmeras transformações. Homens e animais se misturam em desordem; os animais aparecem ora como tais, ora como homens. Vários mitos perten­cem à classe das lendas canibais amplamente difundidas, que muitas vezes têm significado astral. Dentre esses seres sinistros, destaca-se a figura de Piai’ma. Ele é um gigante canibal que causa todos os males imagináveis, mas no final cai em suas próprias redes e é morto por um corajoso homem. Ele é ao mesmo tempo o grande encantador, o primeiro médico mágico, ao qual seu próprio nome parece se referir, que é formado por “piai” – médico mágico e o sufixo “imá” – grande; o último é encon­trado em muitos nomes. Ele cria em um mito os primeiros médicos mágicos e dá aos homens plantas ricas em encantamentos, especialmente o tabaco, que desempenha um papel tão importante nas curas. Piai’má é também o progenitor dos selvagens Ingarikó, que vivem na intrincada selva a Nordeste da Serra de Roraima, que parece relembrar o antigo canibalismo desta tribo caribenha.

Nesses mitos, Piai’má é frequentemente colocado em relação à Makunaíma. Uma vez ele pega Makunaíma com seu laço mágico; novamente uma referência Solar.A prisão do Sol no laço é encontrada nas lendas de muitos povos da terra. Piai’má coloca no cesto e leva para casa para assar e comer lá. Mas Makunaíma ouviu de Piai’má a fórmula de encantamento que pode restaurar sua liberdade. E diz ao cesto: “Abre a boca, boca grande”, escapando assim ao seu destino.

Em outro mito desta coleção, Piai’má mata Maku­naíma com uma flecha envenenada enquanto caçava na companhia de seu irmão mais prudente, Ma’nápe. Piai’má carrega o morto nas costas e o leva embora. Ma’nápe segue o rastro de sangue. A pequena vespa Kambeshike se junta a ele e recolhe o sangue. Che­gam a um grande rio e não sabem como atravessar para a outra margem. Então o pequeno lagarto Seléseleg os encontra, transforma-se numa ponte e sobre ela atravessam o rio. Eles chegam à casa de Piai’má e Ma’nápe mata ele e sua esposa com um instrumento mágico que encontra na porta. Maku­naíma já está em pedaços e em um caldeirão em cima do fogo. Ma’nápe retira os pedaços, junta-os de forma ordenada e costura-os com as folhas filamen­tosas da planta mágica Kumí, que também desem­penha um papel importante nas curas dos mágicos. A vespa derrama o sangue coletado em cima do corpo. Ma’nápe cobre os restos mortais do irmão com uma cesta e sai de casa.

Uma característica comum a todos esses mitos é a transformação que ocorre no momento do encanta­mento, ao virar-se, volver o olhar para outro lugar ou sair, ele não participa diretamente da ação. Pouco tempo depois, Makunaíma acorda revigorado e saudável, mas todo suado, e pergunta ao irmão o que ele fez com ele.

O motivo do desmembramento, recomposição e retorno à vida, encontrado na maio­ria das mitologias, mostra claramente a natureza lunar do herói. A figura de Piai’má é talvez uma personificação da escuridão que gradualmente absorve a Lua até que ela desperte para uma nova vida. É também a isso que parece se referir o quarto de Piai’má, descrito na lenda como uma casa sombria com um buraco fundo no chão, no qual ele apressa suas vítimas para comê-las na companhia de sua esposa.

Várias lendas de minha coleção referem-se à origem das constelações, de grande importância na vida do índio para a determinação das estações, ou seja, o momento oportuno para o trabalho nas plantações. O “cruzeiro do sul” é um grande mutum voador (crax sp.), perseguido pela grande vespa Kamayuá, “α Centauri”, com uma zarabatana, enquanto a planta mágica Kunawá “ß Centauri”, a ilumina com uma tocha. A seiva branca desta planta serve de encantamento para que os índios tenham sorte quando vão caçar; também a vespa, da qual o caçador se deixa picar no braço para manusear habilmente o arco e a zarabatana. A via láctea é o caminho dos mortos, ao longo do qual as almas caminham para a vida após a morte. A “Regulus” e as outras estrelas principais do “Grande Leão” for­mam a figura de um homem mau, com uma maça na mão. Com ele cria as terríveis tempestades no final da estação chuvosa, etc. A constelação mais impor­tante é a das Plêiades (“sete cabrillas”). Quando nasce no Oriente, começa o verão, a estação seca. Uma das mais belas lendas é dedicada às Plêiades. Juntamente com o grupo Aldebaran e com uma parte de Orion, eles têm a figura de um coxo, Shilikawaí ou Shiliuaipu, cuja perna foi cortada por sua esposa infiel, após o que subiu mutilado ao céu. Antes da subida, ele teve uma entrevista com seu irmão, a quem sua esposa confia.

Ele anuncia que a estação das chuvas começará com sua partida, que então haverá muitas rãs e que mui­tos peixes subirão a corrente dos córregos engros­sados, tendo assim uma extrema abundância de alimentos. Quando as Plêiades desaparecem no horizonte Ocidental, começa a estação das chuvas. Aqui está uma pequena passagem desta bela lenda traduzida literalmente do texto original. Observe como é poética a linguagem desses mitos. Shilikawaí diz ao irmão:

Os filhos (os descendentes) têm durante a minha chuva bastante peixe para pescar, quando sobem o rio. É por isso que venho, para que os homens tenham o que comer. Seus filhos devem olhar para mim. Eu vou para o céu. Você, meu irmão, pode ficar aqui. Você pode criar meu filho como se ele fosse seu companheiro, disse ele. Antes de voltar para minha casa, assopro na minha flauta. Ouça-a, porque você não a ouvirá novamente no céu abaixo, para que eles me conheçam e saibam quando minha chuva cair. Para me conhecer, você tem que ouvir. Isso é o que eu deixo. Agora você me conhece. Está na hora, você me dirá, “a cabeça estrelada” (as Plêiades) está chovendo (marcam a chuva). Os sapos estão cantando, você tem que dizer. Durante este tempo vou ao ribeiro para ver como os peixes sobem. Então você vai para lá. É verdade. Muitos sapinhos caíram no lago; Agora todos os peixes sobem o rio. É o seu tempo. Meu irmão me disse – você dirá. Você vai lá quando chove, de madrugada, assim como a “cabeça estrelada” (as Plêiades) disse:

Eu estou indo.

Basta, já disse tudo que precisava dizer. Agora você vai ouvir um murmúrio, quando eu sentar no céu. Então começa a estação chuvosa, quando o dia nasce na terra.

A argumentação dos conselhos é muito variada. Muitos são explicativos. Contam como nasceram Ayá e Ineg, os venenos vegetais ([4]), com que pescam os peixes, como os magos médicos vieram ao mundo, como os pássaros adquiriram suas vestimentas coloridas e seus vários cantos. As técnicas de encantamento ([5]), as transformações, as personificações de objetos da vida cotidiana são numerosos, o que demonstra ideias muito primitivas.

Várias narrações mencionam armas de caça e utensílios encantados, que um homem especialmente favorecido, quase sempre um médico mágico, recebe dos animais e que, por causa de parentes maus, são perdidos e devolvidos ao poder dos animais: um remo que tem a virtude de secar a água do rio assim que ela for submersa, para que os peixes fiquem descobertos; um pente que deve ser passado duas vezes na nuca para que todos os animais de caça venham; uma cabaça que é sacudida com o mesmo resultado; um arco com o qual flechas são lançadas no ar sem um objetivo determinado, para o qual todos os pássaros desejáveis caem, etc.

A razão pela qual as ferramentas funcionam por si só, presente em quase todas as mitologias, encon­tra-se também na narração dos dois genros inimigos “Mai’uag e Korotoikó” (pato e coruja). Em muito pouco tempo e sem se cansar, Mai’uag pode fazer uma plantação muito extensa, pois possui um machado que, simplesmente enfiando-o em uma árvore, faz com que ela seja derrubada sozinha, retornando depois para a mão do seu dono; uma faca que corta as estacas; uma enxada que cava uma grande área de terra simplesmente enfiando-a no solo.

Por causa dos maus cunhados, todas essas ferramentas úteis se perdem e se transformam em animais: o machado transforma-se em pica-pau, a foice torna-se “Prionus cervicornis”, o notável besouro da floresta das Guianas que agarra com sua mandíbula serrilhada um galho da espessura do pulso e gira em torno dele com a velocidade de um moinho de vento até que em pouco tempo é serrado.

Prionus cervicornis

A enxada transforma-se numa formiga-leão que cava no chão dos quartos e nos inúmeros bancos de areia das pequenas grutas. Toda a família também se transforma em animais. A sogra e a esposa de Mai’uag se transformam em pombas; Mai’uag torna-se o pato que leva seu nome, quando, fugindo de seus cunhados que o perseguem, ele se joga na água. O preguiçoso Korotoikó, que durante o dia, em vez de trabalhar, está dormindo em um tronco de árvore na floresta, se transforma na coruja que leva seu nome. O nome é onomatopeico. Os maus cunha­dos que, em busca de Mai’uag, sobem em árvores, tornam-se macacos. O conselho termina, como muitos outros, com uma moral que é assim:

Se Korotoikó e Mai’uag não tivessem lutado e se os cunhados não tivessem sido tão ruins, o machado, a foice e a enxada estariam preservados para nós até hoje, e não precisaríamos trabalhar tanto. (GRÜNBERG, 1916)

 

Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 05.08.2022 – um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.

Bibliografia: 

GRÜNBERG, Theodor Koch. La Cultura Latino-Americana – Alemanha – Cöthen – Otto Schulze, Editor, 1916.

GREENE & BURKE, Liz Greene e Juliet Sharman-Burke. Uma viagem através dos mitos: o significado dos mitos como um guia para a vida – Brasil – Rio de Janeiro – Editora Jorge Zahar, 2001

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;  

  • Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
  • Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
  • Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
  • Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
  • Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
  • Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
  • Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
  • Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
  • Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
  • Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
  • Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
  • Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
  • Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
  • E-mail: hiramrsilva@gmail.com.

 

[1]   Theodor Koch Grünberg. De Roraima ao Orinoco. Volume II – Mitos e Lendas dos Índios Taulipáng e Arekuná – Alemanha – Berlim – D. Reimer (E. Vohsen), 1915.
[2]                                          Gênesis 19 
15. Ao raiar do dia, os anjos insistiam com Ló, dizendo: Depressa! Leve daqui sua mulher e suas duas filhas, ou vocês também serão mortos quando a cidade for castigada.
16. Tendo ele hesitado, os homens o agarraram pela mão, como também a mulher e as duas filhas, e os tiraram dali à força e os deixaram fora da cidade, porque o Senhor teve misericórdia deles.
17. Assim que os tiraram da cidade, um deles disse a Ló: Fuja por amor à vida! Não olhe para trás e não pare em lugar nenhum da planície! Fuja para as montanhas, ou você será morto! […]
24. Então o Senhor, o próprio Senhor, fez chover do céu fogo e enxofre sobre Sodoma e Gomorra.
25. Assim ele destruiu aquelas cidades e toda a planície, com todos os habitantes das cidades e a vegetação.
26. Mas a mulher de Ló olhou para trás e se transformou numa coluna de sal. (BÍBLIA SAGRADA)
[3]   Orfeu, da Trácia, era célebre por tocar a música mais suave do mundo. Era filho da musa Callope e do rei traciano Oiagro, embora corressem boatos de que, na verdade, seria filho de Apoio, o Deus Sol. Era tão hábil na lira de ouro que Apolio lhe dera que até as correntezas dos rios paravam para escutar, e as pedras e árvores se soltavam do chão para seguir sua música melodiosa.
Esse cantor, capaz de instilar um sopro de vida numa pedra, não teve dificuldade para conquistar o amor da bela Eurídice e, a princípio, seu casamento foi abençoado. Porém, infelizmente, sua alegria durou pouco, pois Eurídice foi picada por uma cobra e não houve remédio capaz de mantê-la no mundo dos vivos. Arrasado, Orfeu acompanhou-a a sua sepultura tocando árias pungentes, que comoveram profundamente todos que assistiram ao cortejo fúnebre. Depois, como a vida sem Eurídice parecia não ter razão para ele, Orfeu se dirigiu aos próprios portões de Hades, indo buscar seu amor perdido onde nenhum ser humano tem permissão de entrar até o dia de sua morte.
A música tocada por Orfeu foi tão pungente que o severo barqueiro Caronte, que transporta as almas dos mortos na travessia do rio Estige, esqueceu-se de verificar se Orfeu trazia na língua a moeda necessária. Encantado com as notas mágicas, o velho barqueiro transportou o poeta pelo tenebroso rio que separa o mundo ensolarado das frias regiões do inferno, sem questionamento.
Tão comoventes foram as notas da lira dourada de Orfeu que as barras de ferro dos portões da morte se abriram sozinhas, e Cérbero, o cão de três cabeças que guarda os sombrios portais da morte, encolheu-se sem sequer mostrar os dentes, amansado pela melodia tranquilizadora. E foi assim que Orfeu conseguiu penetrar no mundo das sombras sem ser detido. Por alguns abençoados momentos, os condenados do Tártaro foram aliviados de seus tormentos infindáveis, e até o coração frio de Hades, senhor do mundo subterrâneo, abrandou-se momentaneamente. Com humildade, Orfeu ajoelhou-se diante do trono do rei e da rainha dos mortos, rezando e implorando, com suas mais místicas melodias, que Eurídice pudesse retornar com ele para a terra dos vivos. Perséfone, a rainha do mundo subterrâneo, sussurrou algumas palavras no ouvido do marido, e a lira de Orfeu foi interrompida por uma voz surda e profunda. Todas as regiões daquele mundo silenciaram para ouvir o decreto de Hades.
Pois que seja, Orfeu! Retorna ao mundo superior, e Eurídice te acompanhará como tua sombra! Mas não pares, não fales e, acima de tudo, não olhes para trás, até chegares à camada superior do ar. Pois se o fizeres, nunca mais voltarás a ver seu rosto. Vai sem demora, e confia em que não estarás sozinho em tua trilha silenciosa.
Orfeu, assombrado e grato, voltou as costas para o trono da morte e caminhou pelos ermos sombrios e gélidos, em direção ao tênue lampejo de luz que marcava a trilha para o mundo da luz solar. Atravessou os salões silenciosos, onde seus passos produziam um eco assustador de seu caminhar apressado para a luz, que brilhava cada vez mais clara, à medida que ele se aproximava de seu destino. Então, no exato momento em que ia penetrar na luz, ele foi atormentado por uma dúvida angustiante. E se Hades o tivesse enganado? E se Eurídice não estivesse realmente atrás dele? Orfeu não conseguiu evitar: virou-se para trás e, ao fazê-lo, viu Eurídice desaparecendo na distância, com seus braços suplicantes estendidos, morrendo pela segunda vez. Dessa vez, os portões do mundo subterrâneo fecharam-se para ele, e Orfeu voltou só e inconsolável para o ensolarado mundo superior, onde, por muitos anos, nenhum sol brilharia. (GREENE & BURKE).
[4]   Clase Paulínia. (GRÜNBERG)
[5]   Encantamento: recurso mágico de enfeitiçar. (Hiram Reis)

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