A Terceira Margem – Parte CCLXIX

Expedição Centenária Roosevelt-Rondon  2ª Parte – IX  

Partida de Tapirapuã.

Tropa Cargueira – I

Funeral de Tropas

Funeral de Tropas  (Moacir D’Ávila Severo) 

O berro do boi, o grito do homem,

O assovio do vento no fio do alambrado,

São fundos que marcam a última viagem

De vidas-passagens, destinos traçados.

Antes de partirmos de Tapirapuã com a Expedição Centenária e prosseguir com os relatos da Expedição Científica, vejamos as providências tomadas pelo Cap Amílcar Magalhães, segundo o “Anexo n° 5”:

18 a 20.01.1914: Pelas 18h00, de 18 e pela madrugada de 19, saíram os quatro lotes de tropa do Rio da dúvida, com 54 bois cargueiros, conduzindo 136 volumes dos quais 99 eram da Comissão americana, 9 de barracas de campanha, um com as tabuletas designativas dos Rios Roosevelt e Kermit e 28 com gêneros destinados à alimentação do pessoal da tropa e com suas respectivas bagagens. Convém dizer aqui, a propósito, duas palavras em relação a esses 99 volumes americanos:

Quase todos eles eram constituídos de substâncias alimentícias, acondicionadas de modo que a cada um dos dias da semana correspondia um certo menu, encerrado em pequenos caixotes dentro dos quais estavam as conservas e petrechos, divididos em duas caixas de zinco hermeticamente soldadas.

Exteriormente viam-se inscritos os números um a sete para assinalar os dias da semana de domingo a sábado, respectivamente. Os caixotes continham assim almoço e jantar para dois dias, cada lata representando as duas refeições de um só dia para oito homens, e eram calculadas de tal modo que a relação de peso e de volume determinaria a sua flutuação se por acaso caíssem na água.

21.01.1914: No dia 21 pela manhã partiu a tropa de 54 burros que conduziria as cargas da primeira turma, sob a chefia de honra do Sr. Coronel Roosevelt. Às 13h00 partia o pessoal técnico da primeira turma ao qual acompanhei até meia légua de distância, retrocedendo então a Tapirapuã, depois de apresentar as minhas despedidas à Comissão Americana e demais membros componentes da primeira turma. […]

Regressando a Tapirapuã, comecei desde logo a ativar os preparativos de organização da minha turma, designada por “segunda”, conforme fez público a Ordem do dia n° 2, de 16.01.1914, da chefia da Comissão Brasileira.

Roosevelt e Rondon – café da manhã no Cerrado

Mandei imediatamente chamar à minha presença o encarregado geral das tropas de minha turma, Antenor Rodrigues Gonçalves, e os arrieiros de cada uma das tropas, Pedro Augusto de Figueiredo, da de bois, e João da Cruz Gomes, da de burros, transmitindo-lhes ordens terminantes para que tudo estivesse pronto no dia seguinte.

Roosevelt e Rondon e os Nambiquara

22.01.1914: Apesar, porém, dos meus esforços, só às 16h00 de 22, partia o primeiro lote de dez bois cargueiros, saindo o derradeiro lote de tropa às 19h00. A tropa que servia às necessidades da minha turma era constituída de 97 animais quando saí de Tapirapuã […]

Pouco antes da partida do primeiro lote de bois, partiram o Tenente Luiz Thomaz Reis [fotógrafo e cinematografista] e o Sr. Hoehne [botânico] e pouco depois os taxidermistas Blake e Reinisch e o Adido Joaquim Horta ‒ todos com destino ao salto. Às 16h20 saiu o primeiro lote de burros com 11 animais e um tocador montado; às 16h25 o segundo com outro tocador montado, às 17h25 partiu o terceiro com 11 animais de cangalha e dois tocadores montados e às 17h45 o último lote de muares, com uma mula adestra; às 19h00 horas saiu finalmente a derradeira fração da tropa ‒ o segundo lote de bois cargueiros com 13 animais, tocando-se quase ao mesmo tempo os 17 bois adestros. […]

Verificando pessoalmente a situação de todas as tropas e mandando descarregar um lote em meio do cerrado, para que os prejuízos fossem menores, retrocedi a Tapirapuã, acompanhado do médico da turma Dr. Fernando Soledade e do Ten Vieira de Mello, Cmt do Destacamento, combinando tudo de modo que ao clarear do dia seguinte pudéssemos marchar com todas as tropas e concentrá-las em Salto da Felicidade, ponto naturalmente eleito para 1° pouso [24 km de Tapirapuã].

23.01.1914: Assim aconteceu; às 05h30 do dia 23, estava sendo arriado o meu animal de montaria e em seguida partia eu acompanhado do Dr. Soledade, deixando em Tapirapuã o Tenente Mello, que faria a retaguarda da coluna, para providências sobre o transporte, em carroça, de todas as cargas que fosse encontrando em caminho e que à beira da estrada seriam mandadas arrumar por mim.

Tais cargas aí colocadas indicariam não ter sido encontrado o animal cargueiro que as havia derrubado, na véspera.

Às 07h00, chegamos ao pouso do lote de burros que na véspera fizera acampar no cerrado, e aí esperei pacientemente que terminassem os tropeiros os preparativos de marcha, assistindo ainda carregar os animais, enquanto o Dr. Soledade prosseguia viagem para o Salto da Felicidade, a meu conselho, para evitar que se impacientasse com a espera, pois que, seguindo o meu programa, eu não deixaria para trás tropa alguma e, custasse o que custasse, as levaria todas por diante até este Salto.

Às 07h30, pus-me em marcha escoltando o lote agora reduzido a 8 animais, e, às 07h45, encontrei a carga de um dos cargueiros desaparecidos, mandando desmontar um dos tocadores para utilizar a sua montada como cargueiro e fazendo distribuir por alguns dobros ([1]) as diferentes peças de seu arreamento.

Às 13h00, alcancei o “Salto” com as tropas de bois e de burros que vim arrebanhando pela estrada, começando pessoalmente a dirigir a passagem de todas elas e as cargas respectivas, para a outra margem [direita] do Sepotuba, utilizando a balsa aí existente. Durante esse tempo chegou de Tapirapuã o Tenente Mello e, às 16h55, tínhamos passado cargas e animais para o outro lado, dirigindo-nos então ao rancho em que acantonavam os demais membros da 2ª turma. […] Teríamos que agregar ao contingente mais um inferior e dez praças que se achavam em Aldeia Queimada, o que elevaria a 67 o número de indivíduos da minha turma; iríamos atravessar uma zona onde reinava o paludismo e estávamos também sujeitos, evidentemente, a todos os acidentes que se podem produzir no Sertão; não possuíamos nem farmacêutico, nem um prático que o substituísse; finalmente, apesar da Expedição dispor de um outro médico que acompanhava a primeira turma, partíramos de Tapirapuã na convicção de que não tínhamos necessidade de pedir-lhe explicações sobre a utilização dos medicamentos mais essenciais. […]

Ainda nesse dia 23, mandei carnear o primeiro boi para o pessoal da turma. Ao cair da tarde, chegou com o campeador um dos quatro cargueiros extraviados nessa primeira marcha; vinha em pelo esse animal e nem fora possível encontrar-se a cangalha e tão pouco a carga de gêneros que transportava.

Comuniquei à turma as disposições de marcha para o dia imediato e dei ordem ao pessoal da tropa para a partida o mais cedo possível, mandando que permanecessem no salto: um inferior, que aguardaria a volta do portador com a vossa resposta e levar-me-ia a última resolução dos demissionários após sua leitura, e um tocador da tropa de muares, incumbido de campear os três animais sumidos e marchar ao meu encontro. Nessa marcha inicial perdeu-se um boi cargueiro que estava extraviado e foi depois encontrado morto no cerrado, presumindo-se que tenha sido vitimado por mordedura de cobra, enquanto pastava.

24.01.1014: No dia 24 de janeiro, às 06h30, partia a tropa de bois, que foi cinematografada pelo Tenente Reis; às 09h40, saíram os nossos bois adestros e os de corte; às 09h55, partiu um para conduzir os petrechos de cozinha de última hora. Às 14h00, recebi em meu acampamento o Sr. Cel Roosevelt, seu filho Kermit Roosevelt, os naturalistas Miller e Cherrie, assim como os membros da Comissão brasileira destacados na primeira turma. Mandei armar as suas barracas em uma área já preparada por mim, defronte ao meu acampamento, onde permaneceram até o almoço do dia imediato.

Às 19h30, após o almoço, que fora distribuído uma hora antes, formou o pessoal e recebeu ordem de marcha com designação do pouso em “Quilômetro Cinquenta”, partindo em seguida. […] Fazendo a retaguarda geral, cheguei, às 18h30, ao “Quilômetro Cinquenta” em cujos ranchos fizemos o nosso segundo acantonamento. […]

Tendo conhecimento do grande “Areal” que separa o pouso do “Quilometro Cinquenta” do de “Aldeia Queimada”, dei as providências necessárias, por intermédio do Ten Vieira de Mello, Cmt do Contingente, para que as Praças recebessem pela madrugada o almoço preparado e se pusessem em marcha imediatamente. Choveu muito durante esta travessia.

25.01.1014: Às 05h30 de 25, partiu o nosso Contingente, depois da distribuição do café e do almoço preparado. À beira do fogo ficou o almoço dos oficiais para ser servido meia hora antes da partida da tropa de muares. Ainda para evitar o “Areião”, à hora do Sol quente, partira à tarde a tropa de bois.

Às 08h50, almoçamos e em seguida tivemos a decepção de saber que faltavam quatro burros, dos quais dois eram dos de sela. Às 09h30, foram encontrados três animais e mandei deixar encostado aí um deles que, por doente, estava evidentemente frouxo, em condições de não poder seguir viagem.

Parti à retaguarda do último lote de burros, ao meio dia, depois de ter-me assegurado pessoalmente de que não faltava nenhum dos nossos bois; a meio do caminho fiz seguir o Tenente Mello para a frente e aguardei a passagem da tropa de bois. Após o almoço, seguiu o Sr. Coronel Roosevelt com sua comitiva para o Rio da dúvida, em cuja margem direita acampou.

Às 16h55 o corneteiro do meu acampamento deu o sinal de Comandante do 5° Batalhão de Engenharia, anunciando a vossa chegada ao meu acampamento, de onde parti convosco para o acampamento do Rio da Dúvida, aí pernoitando por necessidade do serviço […]. Entre as 16h00 e 17h30 trovejou e choveu copiosamente.

Às 21h30, com uma das mais escuras noites que tenho visto no Sertão, alcancei “Aldeia Queimada” com a cauda da coluna e a corneta quebrou em seguida o silêncio com os toques de rancho para oficiais e rancho para as praças. Acantonamos em uma esplêndida casa que a Comissão de linhas telegráficas tem aí construída, acantonando também o pessoal da turma nas outras casas existentes. (MAGALHÃES, 1916)

Sr. Eduardo Ramos e sua comitiva – Tapirapuã

Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 28.07.2021 – um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.

Filmetes  

Bibliografia 

– Chefe da Comissão Brasileira – Brasil – Rio de Janeiro, RJ, 1916  

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;

  • Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
  • Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA) (2000 a 2012);
  • Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
  • Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
  • Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
  • Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
  • Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
  • Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
  • Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
  • Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
  • Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
  • Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
  • Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
  • E-mail: hiramrsilva@gmail.com.

[1]    Dobros: Pequeno volume que se põe em cima da carga dos tropeiros.

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