Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tracionais do MPF criticou posicionamento do Estado em não garantir políticas públicas que minorem efeitos da doença nas comunidades
O Ministério Público Federal (MPF) divulgou nesta sexta-feira (5) nota pública criticando o posicionamento do governo federal diante da saúde dos povos indígenas, no contexto da pandemia do novo coronavírus. Elaborada pela Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais (6CCR/MPF), o documento aponta a necessidade de atuação integrada entre os órgãos responsáveis pelas políticas de saúde, além de parcerias com a sociedade civil, para garantir a proteção dos povos tradicionais durante esse período.
Um dos pontos destacados pela Câmara do MPF na nota é a falta de transparência do Estado ao não disponibilizar dados precisos sobre números de casos confirmados e mortes, em especial na região norte do país. “Há claros problemas de subnotificação nos dados, seja por falta de maior articulação entre os entes federativos e a Administração Federal, seja pela falta de transparência nas informações”, pontua a 6CCR.
No documento, o órgão colegiado destaca a necessidade de empreender ações preventivas e de pronto atendimento às comunidades indígenas e ressalta que “a disponibilidade de não opor entraves meramente burocráticos às iniciativas e à participação da sociedade e organizações não-governamentais, neste momento, importa em preservar vidas humanas”.
O MPF considerou, ainda, que algumas medidas do Estado agravam a situação sanitária das comunidades, tornando “mais vulnerável a segurança dos territórios e mais expostos os vetores transmissores da covid-19”. A exemplo de tais medidas, o texto menciona a Instrução Normativa 9/2020 da Fundação Nacional do Índio (Funai), que permite, de forma ilegal e inconstitucional, o repasse de títulos de terra a particulares dentro de áreas indígenas protegidas pela legislação brasileira, e o debate do Projeto de Lei 191/2020, sobre a legalização da mineração em terras indígenas.
NOTA PÚBLICA SAÚDE INDÍGENA/COVID-19
A 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal (6CCR/MPF) vem fazer um alerta à sociedade brasileira ante o grave quadro de saúde dos povos indígenas que vivem no país, em especial na região amazônica. É certo que a pandemia do novo coronavírus alastrou-se nacionalmente e seus impactos na região norte, em especial nos territórios do Estado do Amazonas, poderiam ser minorados se houvesse maior coordenação e atuação integrada entre os órgãos dos diversos entes federativos, bem como a adoção de parcerias com a sociedade civil. A disponibilidade de não opor entraves meramente burocráticos às iniciativas e à participação da sociedade civil e organizações não-governamentais, neste momento, importa em preservar vidas humanas.
De início, constata-se a falta de transparência do Estado brasileiro, em razão da não disponibilização de dados precisos sobre o número de casos confirmados e de óbitos. Em São Gabriel da Cachoeira (AM), dados da Secretaria Municipal de Saúde (Semsa), de 04/06/2020, apontam 2.232 casos confirmados e 26 óbitos. O Dsei Alto Rio Negro, por sua vez, aponta apenas 113 indígenas contaminados, com base em informações dos polos-base. Este é um dado importante, uma vez que a população do município é majoritariamente indígena e há deslocamentos e interação cotidianos das cidades com as comunidades.
Esse cenário se multiplica em outros estados da federação e Dseis em todo o país. Há claros problemas de subnotificação nesses dados, seja por falta de maior articulação entre os entes federativos e a Administração Federal, seja pela falta de transparência nas informações, ausência da obrigatoriedade de preenchimento do campo raça/cor e do campo etnia nos formulários e demais sistemas do SUS, o que torna invisíveis os indígenas que vivem em contexto urbano.
O cenário é grave e demanda uma atuação coordenada e integral dos órgãos responsáveis pela política de saúde, sem abrir mão de todos os apoios e parcerias com a sociedade civil necessários nesse momento. O MPF já empreendeu inúmeras tratativas com as autoridades responsáveis em nível federal, estadual e municipal e expediu recomendações à Sesai e à Funai para destacar a necessidade de medidas preventivas e de pronto atendimento aos povos indígenas.
Medidas como a IN 009 da Funai agravam a situação sanitária dos povos indígenas, torna mais vulnerável a segurança de seus territórios e mais expostos aos vetores transmissores da covid19. A promoção, pelo Poder Executivo Federal, do debate do PL 191/2020, sobre a legalização dos garimpos e atividades minerárias em terras indígenas, tem sido propulsor da invasão de terras por milhares de agentes ilegais, com graves repercussões sanitárias para os povos indígenas, inclusive isolados e de recém-contato.
Foram propostas ações civis públicas para garantir a prorrogação do prazo dos benefícios previdenciários e assistenciais, adequação na forma de pagamento e para garantir a segurança alimentar dos grupos vulneráveis, de modo a guardar o distanciamento social indispensável à não proliferação do vírus. Contudo, há medidas que precisam ser tomadas para garantir o atendimento célere aos indígenas doentes. Nesse sentido, imprescindível a convergência de esforços entre os entes do poder público, entidades civis e todos os que estiverem disponíveis para colaborar com o atendimento das equipes de saúde.
As medidas de saúde devem somar-se à garantia da segurança alimentar dos povos indígenas que vivem em áreas geograficamente remotas, tendo em vista a ausência de gêneros alimentícios, utensílios agrícolas e itens de higiene, o que provoca o deslocamento de pessoas que vivem nas aldeias para os centros urbanos. Apesar de já haver decisão judicial com prazos pré-determinados nesse sentido, inclusive quanto à percepção dos benefícios assistenciais e previdenciários de que são credores os povos indígenas e as comunidades tradicionais, o Governo Federal não tem cumprido as suas obrigações nessa matéria. A inércia do Estado poderá redundar em milhares de mortes plenamente evitáveis, desde que adotadas a tempo e modo as providências administrativas e sanitárias cabíveis.
A 6ª CCR/MPF reforça a necessidade de que as instituições públicas cumpram o seu papel legal e constitucional, em todos os níveis federativos, responsabilidade que recai de forma mais grave e severa sobre a Funai e a Sesai, dois instrumentos administrativos imprescindíveis para que o contexto da pandemia covid-19 não se transforme em um episódio de genocídio consentido das populações indígenas pelo Estado brasileiro.
Brasília, 5 de junho de 2020.
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