Lideranças indígenas, representantes de organizações não-governamentais e deputados protestaram hoje contra uma proposta que transfere do Executivo para o Congresso a responsabilidade de reconhecer terras indígenas e de outros povos tradicionais (PEC 215/00). Segundo o presidente da Comissão de Direitos Humanos, deputado Domingos Dutra (PT-MA), a medida visa a impedir a demarcação de terras e beneficiar empreendimentos privados com interesses em regiões reivindicadas pelos índios.
A admissibilidade da PEC foi aprovada no último mês de março pela Comissão de Constituição e Justiça. A proposta ainda precisa ser analisada por uma comissão especial antes de seguir para o Plenário. Mas o grupo que participou hoje de um ato político em defesa dos povos indígenas disse que vai tentar, desde já, impedir a criação da comissão especial.
“Não podemos mudar a Constituição por simples ambição, para tirar os índios das terras e colocar bois. Questiona-se se os índios têm terras demais, mas eles são imprescindíveis para a preservação da nossa cultura e do meio ambiente”, argumentou o deputado Padre Ton (PT-RO), que é coordenador da Frente Parlamentar de Defesa dos Povos Indígenas. A deputada Érika Kokay (PT-DF) acrescentou: “Os índios devem ter suas terras, estar em contato com sua própria natureza. Quando se impede a comunidade indígena de voltar para sua própria terra, impede-se a própria existência dessa comunidade”.
700 territórios
O secretário executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Cleber Buzatto, afirmou que a aprovação da PEC 215/00 pode impedir a demarcação de cerca de 700 territórios indígenas, incluindo processos já em andamento e ainda não iniciados. Muitos deles, segundo Buzatto, estão no Mato Grosso do Sul, como é o caso das terras dos guaranis-kaiowás, etnia que ganhou repercussão nacional recentemente em razão de ações de despejo.
O cacique guarani-kaiowá Ládio Veron alertou para a situação em que vive seu povo: “Não suportamos mais viver à beira das rodovias, enfrentando chuva, sol, desnutrição. Os empreendimentos que estão onde deveríamos estar acabam com nossos rios e florestas, envenenam nossas terras. Muitas das nossas lideranças já passaram por aqui reivindicando nossas terras e até hoje nosso problema não foi solucionado. Matam e prendem nossas lideranças, mas não demarcam nossas terras. Estamos somente pedindo para sobrevivermos em cima deste chão”.
Filho do cacique Marcos Veron, assassinado em janeiro de 2003, Ládio Veron também alertou para os casos de violência contra os índios em razão da disputa por terras. O líder kaiowá Oriel Benites reclamou: “os pistoleiros de fazendeiros que já mataram muitas de nossas lideranças até hoje não foram julgados”.
Apesar das queixas, a assessora parlamentar da Fundação Nacional do Índio (Funai), Ticiana Imbroisi, disse que as aldeias contam hoje com a proteção da Força Nacional e da Polícia Federal.
Mineração
Os manifestantes que participaram do ato político de hoje também reclamaram do substitutivo apresentado pelo deputado Édio Lopes (PMDB-RR) à proposta que regula a mineração em terras indígenas (PL 1610/96). Segundo Cleber Buzatto, o texto não oferece garantias de preservação de locais de relevância cultural e religiosa para esses povos. “A medida tornaria quase impossível a sobrevivência física e cultural de dezenas de povos indígenas, principalmente na região amazônica”, alertou. O texto, que tramita de forma conclusiva, está em fase de análise por uma comissão especial. O secretário defende a análise do tema em conjunto com as propostas de mudança do Estatuto dos Povos Indígenas (PL 2057/91).
Outra reivindicação foi a revogação da Portaria 303/12, da Advocacia-Geral da União (AGU), que estende para todos os processos de demarc
ação de terras indígenas as 19 condicionantes adotadas no reconhecimento da aldeia Raposa Serra do Sol, em Roraima. A portaria autoriza o governo a construir rodovias, hidrelétricas, linhas de transmissão de energia e instalações militares dentro das aldeias sem autorização das comunidades indígenas. O texto também veta a ampliação de terras demarcadas.
“Essa é uma portaria danosa, imoral e negligente, resultado da pressão de ruralistas”, afirmou Domingos Dutra. Após críticas, o texto acabou suspenso pela própria AGU até o pronunciamento definitivo do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o caso. Os manifestantes pedem a revogação definitiva da portaria.
Todas essas reivindicações fazem parte de uma carta entregue pelo grupo à Presidência da Câmara, logo após o ato político.