Instituições questionam no STF presunção de legalidade e boa-fé no comércio de ouro

Brasília – Os motivos para a inconstitucionalidade da presunção de legalidade e boa-fé na compra de ouro são muitos. Eles vão desde a falta de controle acerca do ouro advindo de garimpos ilegais até aos dados sociais e ambientais ocasionados pelas atividades ilegais. As questões foram destacadas pela Defensoria Pública da União (DPU), a WWF-Brasil, ISA e o Instituto Alana ao pedirem ao Supremo Tribunal Federal (STF) para ingressarem em ação que questiona as normas sobre comércio de ouro

Foto: Marcello Casal Jr – Agência Brasil

A petição foi protocolada na Suprema Corte pelas instituições nesta quarta-feira (15). A ação direta de inconstitucionalidade, com pedido de medida cautelar, ajuizada por partidos políticos pede a declaração de inconstitucionalidade de dispositivo da Lei nº 12.844/2013. Artigo do texto instituiu a presunção de legalidade do ouro adquirido e a boa-fé da pessoa jurídica que compra, quando informações prestadas pelo vendedor estiverem devidamente arquivadas.

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No documento, as instituições explicam que a legislação brasileira estabelece que a exploração de ouro depende de prévia autorização do Poder Público, mas que os títulos não são suficientes para se atestar a legalidade da atividade produtiva. “Além dessas autorizações, também será necessário obter licenças ambientais, entre outros requisitos”, apontam.

A exploração do metal pode ocorrer de três formas:

  • Permissão de lavra garimpeira (quando o ouro é explorado em atividade garimpeira);
  • Concessão de lavra (em operações industriais que dependem de pesquisa prévia e incluem o beneficiamento do minério) ou;
  • Guia de utilização (de modo excepcionalíssimo, ainda na etapa de pesquisa e antes da outorga da concessão de lavra).

“De todo modo, qualquer atividade de extração de ouro que não conte com ao menos um desses títulos autorizativos outorgados pela ANM [Agência Nacional de Mineração] pode ser prontamente qualificada como ilegal”, diz parte do texto.

A realidade fica clara em números. Localizada nos estados do Mato Grosso, Pará e Amazonas, que liga o Cerrado à Amazônia, a bacia do Tapajós tem cerca de 75% da área ocupada com atividades minerárias sem autorização do Poder Público. Essa porcentagem sobe para cerca de 90% na área do município de Itaituba (PA), chegando a mais de 98% em Jacareacanga (PA).

Os dois municípios respondem, sozinhos, por 36,8% da área garimpada no país (72.480 hectares). São os dois municípios com maior área garimpada no Brasil. “Tais números indicam que a garimpagem de ouro, nessa região, tem importância nacional”, aponta a petição.

Ao mesmo tempo, a bacia possui cerca de um quarto de todos os postos de compra de ouro em funcionamento. Para as instituições, o cenário mostra que é “absolutamente proibitivo se pressupor que o ouro está sendo produzido de forma legal” ou se “presumir a boa-fé dos adquirentes”.

Contaminação pelo garimpo ilegal

Em outro ponto, as instituições ressaltam um problema que atingiu níveis de guerra na terra indígena Yanomami nos últimos meses: a contaminação de pessoas e do meio ambiente em razão do garimpo ilegal. A garimpagem está diretamente associada ao uso do mercúrio, substância com alto potencial contaminante. Todo o ouro extraído da terra indígena é realizado de forma irregular, já que não há autorização para tanto.

As instituições explicam que a não adoção das medidas necessárias para fazer cessar o garimpo ilegal, especialmente em terras indígenas e em áreas protegidas, reforça a posição do Estado brasileiro de não cumprir decisões internacionais nesse sentido.

Por outro lado, a ação que está em análise pelo STF tem o condão de tornar a legislação nacional “menos permissiva ao ouro extraído ilegalmente, com severas repercussões à vida, à saúde e à segurança dos povos indígenas e comunidades tradicionais”.

“O garimpo ilegal, fomentando pela permissividade da legislação ora impugnada, impede a presença do Estado na terra indígena, por resultar em ameaças e ataques também a servidores públicos da área da saúde. Portanto, para além dos efeitos diretos de precarização da saúde dos povos afetados pelo garimpo, a atividade repercute, igualmente, em serviços estatais de acesso à saúde, vulnerando-os”, conclui o texto.

Por que isso importa

A ilegalidade generalizada e as consequências para a preservação do meio ambiente e para a saúde da população dos territórios que convivem com o garimpo, principalmente, o ilegal, afetam diretamente o bioma amazônico no Brasil e população que lá vive. A floresta está em oito estados e abriga imensa biodiversidade, com milhares de espécies de plantas e animais, algumas ainda desconhecidas ou pouco estudadas, sendo o berço da maior bacia hidrográfica do mundo.

É exatamente esse área, a Amazônia, que concentra mais de 90% da área garimpada no Brasil, de acordo com dados do MapBiomas para o ano de 2021. Nos últimos 10 anos, a área garimpada quase dobrou de tamanho, saltando de 99 mil hectares, no ano de 2010, para 196 mil hectares, em 2021. O ouro é a principal substância garimpada, representando 83% desse total (162.659 hectares).

O Pará, com 113.777 hectares, e Mato Grosso, com 59.624 hectares, concentram quase toda a área garimpada do país. Proibida por determinação direta e explícita da Constituição Federal, a garimpagem aumentou 625% em terras indígenas nos últimos 10 anos.

As cinco Terras Indígenas mais impactadas acumulam mais de 18 mil hectares de garimpos ilícitos. Algo semelhante ocorre em relação às Unidades de Conservação. Segundo o MapBiomas, “em 2021 a área garimpada nessas localidades é 352% maior que a área ocupada em 2010”.

O Parque Nacional do Rio Novo, no Pará, concentra, sozinho, 1.637 hectares de garimpo. De acordo com a Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Lei n. 9.985/2000), parques nacionais “tem como objetivo básico a preservação de ecossistemas naturais”, sendo absolutamente proibida a prática de garimpagem.

A partir do cruzamento de informações oficiais disponibilizadas em bancos de dados públicos e de informações levantadas pelo projeto MapBiomas, o WWF-Brasil analisou a situação jurídica da garimpagem na bacia do Tapajós, região que concentra 44% das áreas mineradas do Brasil. A atividade de mineração nessa bacia é caracterizada, essencialmente, por garimpagem de ouro, sendo a mineração industrial proporcionalmente menos relevante do ponto de vista da extensão territorial ocupada pela atividade.

Comparativamente, em extensão territorial, a área minerada sem as devidas permissões (86.490,4 hectares) tem quase o dobro do tamanho do Plano Piloto do Distrito Federal. Além disso, boa parte desses garimpos encontram-se na Terra Indígena Munduruku, no Parque Nacional do Rio Novo e no Parque Nacional do Jamanxim, onde a atividade é proibida sob qualquer título. “Tais fatos configuram pernicioso estado de ilegalidade”, apontam as instituições.

Segundo dados do Banco Central do Brasil, o país tem 92 postos de atendimento com atividade de compra de ouro em funcionamento. Esses postos pertencem a sete diferentes Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários. Desse total, 17 postos estão localizados no município de Itaituba. É o município com mais postos de atendimento.

Outros 5 postos estão localizados no município de Novo Progresso. Ao total, a bacia do Tapajós possui 22 postos de compra de ouro – quase um quarto de todos os postos em funcionamento no Brasil. “Dado o contexto de extensa ilegalidade na extração de ouro, na região, a probabilidade desses postos comprarem ouro ilícito, e contaminarem toda a cadeia nacional, é altíssima”, explica a petição

Assessoria de Comunicação Social
Defensoria Pública da União – Instituições questionam no STF presunção de legalidade e boa-fé no comércio de ouro (dpu.def.br)