A Terceira Margem – Parte CCCLXV

Epopeia Acreana  1ª Parte – XVII

Dr. José Paes de Carvalho

A Canhoneira U.S.S. Wilmington – I  

A pura raça anglo-americana está destinada a estender-se por todo o mundo com a força de um tufão. A raça hispano-mourisca será abatida. (New Orleans Creole Courier, 1.855)

O Cruzador “Wilmington”, comandado pelo Capitão-de-Fragata Chapman Coleman Todd, aportou em Belém, no dia 10.03.1899, e depois em Manaus, em 25.03.1899, onde deveria aguardar autorização federal para poder prosseguir sua viagem até Iquitos. Os arrogantes nautas que tinham sido recebidos com tanta cortesia em terras brasileiras evadiram-se sorrateiramente rumo a Iquitos, na madrugada de 05.04.1899, com os faróis de navegação apagados, para passarem desapercebidos pelas autoridades portuárias, antes mesmo de ter recebido a devida autorização do Governo Federal, já que se tratava de um navio de guerra.

Commércio do Amazonas, n° 483, 09.06.1899

A atitude hostil do Comandante Todd refletia muito bem o estado de espírito dos “Yankees” que ainda deleitavam-se inebriados com a facílima vitória contra a Espanha, na guerra pela independência de Cuba, em 1898. Poder-se-ia considerar encerrado o aziago imbróglio, se este não recebesse um notável e picante catalisador materializado pelas informações bombás­ticas, divulgadas por Galvez na edição de 03.06.1899, da “Província do Pará”.

José Cardoso Ramalho Júnior

Galvez afirmava que o objetivo da viagem de Todd, era viabilizar um acordo para a exploração da borracha em terras bolivianas por umacharteredcompany” ([1]) e entregálo ao Presidente William McKinley. Em Manaus o Ministro plenipotenciário boliviano, José Paravicini, o Vice-cônsul boliviano Luiz Truco e o Cônsul norte-americano, K. K. Kennedy elaboraram as linhas gerais do acordo no qual os E.U.A. comprometiam-se a apoiar diplomaticamente a Bolívia na defesa do “seu território” no Alto Acre, Alto Purus e Iaco, e, em caso de guerra com o Brasil, fornecer-lhe armas e financiamento além de receber em hipoteca as rendas das alfândegas bolivianas.

A divulgação do acordo articulado por Todd, alarmou a população e as autoridades dos estados do Pará e Amazonas e a campanha anti-norte-americana recrudesceu, apesar dos desmentidos de Paravicini e da falaciosa notícia de que McKinley reprovava a atitude de Todd e censurava seus contatos com os peruanos, demitindo-o.

Protagonistas do Imbróglio da U.s.s Wilmington 

Report on Voyage of the U.s.s Wilmington

Governador do Pará: Dr. Paes de Carvalho 

O Dr. José Paes de Carvalho nasceu em Belém, PA, em 1850. Concluiu o curso secundário na Escola Politécnica de Lisboa e formou-se em medicina na Escola Cirúrgica de Lisboa.

Integrou o corpo clínico do Hospital de Caridade da Santa Casa de Misericórdia do Pará. Em 1886, participou da fundação do Clube Republicano do Pará, sendo eleito seu Presidente em 1889.

Nas eleições para a Assembleia Nacional Constituinte, de 15.09.1890, foi eleito Senador do Estado do Pará, selecionado como segundo secretário da Constituinte e signatário da Constituição de 1891. Governou o Estado do Pará de 01.02.1897 a 01.02.1901. Em 1903, foi eleito Senador, reeleito exerceu o mandato no Senado Federal até 31.01.1912. Faleceu em Paris no dia 17.03.1943.

Governador do Amazonas: Ramalho Júnior 

O Coronel José Cardoso Ramalho Júnior nasceu em Manaus, AM, no dia 07.04.1866. Depois de concluir o ensino primário em Manaus, foi para Portugal a fim de concluir os estudos preparatórios. Retornando ao Amazonas empregou-se no comércio e logo depois filiou-se ao Partido Democrata, elegendo-se Deputado. No Exército alcançou o posto de Coronel.

Em 1896, foi eleito Vice-governador do Amazonas, assumindo interinamente o governo, no dia 04.04.1898, quando o Pires Ferreira viajou a Paris para tratar de problemas de saúde.

Assumiu o governo através de vis articulações que forjaram até um falso pedido de renúncia de Pires Ferreira. No seu governo iniciou-se a Revolução Acreana, para qual despendeu esforços militares e financeiros. Faleceu no Distrito Federal (RJ), em 1952.

Comandante: Chapman Coleman Todd  

O Contra-Almirante Chapman Coleman Todd, nascido no dia 05.04.1848, era filho de Harry Innes Todd. Chapman herdou seu amor pelas águas de seu pai, Comandante do vapor “Blue Wing”, que percorria, duas vezes por semana, o trajeto entre Frankfort e Louisville.

Chapman Coleman Todd era bisneto do líder político John J. Crittenden que levando em conta de que, durante a Guerra Civil, havia necessidade de um aumento do contingente da Marinha articulou para que Todd, aos 13 anos de idade, fosse matriculado na Academia Naval dos Estados Unidos, em Anápolis, Maryland.

Todd formou-se na Academia Naval aos 18 anos, em 1866, e aposentou-se, em 1902, aos 54 anos de idade, como Contra-almirante com quarenta e um anos de serviço.

Como Guarda-marinha, Todd atuou com destaque na Guerra Civil Americana. Teve uma participação importante na guerra hispano-americana, no comando o U.s.s. Wilmington, atacando Cárdenas, Cuba, na tentativa de capturar três canhoneiras espanholas. Atacou Manzanilla afundando três transportes castelhanos.

Foi agraciado com a Medalha da Campanha Espanhola e a Medalha da Campanha das Filipinas. Foi, também, Comandante da primeira exploração nas cabeceiras dos Rios Orenoco e Amazonas reportada no livro “Report on Voyage of the U.s.s Wilmington up the Amazon River, Preceded by a Short Account of the Orinoc River, 1899”.

Na tumultuada viagem pelo Rio Amazonas-Solimões até Iquitos, Chapman e K. K. Kennedy, Cônsul norte-americano, encontraram-se, em Manaus, com Dom José Paravicini, Embaixador da Bolívia, para elaborarem a redação final do acordo com o qual a Bolívia comprometia-se a arrendar aos EUA a região do Alto Acre e Purus com o objetivo de explorar a Hevea brasilienses. O Contra-Almirante Todd morreu em Washington, DC, em 28 de abril de 1929, aos 81 anos de idade.

Coronel Emilio Vizcarra   

O Coronel Emilio Vizcarra nasceu em Arequipa, Peru. O Coronel Vizcarra, em 1899, como Prefeito de Loreto proclamou-se “Chefe Supremo da Nação Selvá­tica”, nomeando, logo em seguida, algumas autoridades, mas em Moyobamba encontrou seu trágico fim. No dia 27.02.1900, uma multidão cansada dos abusos perpetrados por suas tropas o arrastou pelas ruas até a “Plaza de Armas”, onde uma mulher, conhecida como “Tapullima” matou-o, golpeando-lhe a cabeça com uma pedra.

Contexto e Precedentes Históricos 

A primeira vítima, da guerra, é a verdade!
(Hiram Johnson)

Paladinos “Pero no Mucho”, Antes e Agora 

Analisando as intervenções armadas ou não na história da humanidade observamos que o interesse geopolítico ou geoeconômico foi e continuará sendo o agente catalisador de cada uma delas.

General Jacob Hurd Smith, 1902-1913

As justificativas apresentadas aos incautos como defesa da democracia, manutenção dos direitos humanos e tantos outros têm, na verdade, a finalidade pura e simples de garantir o acesso das potências hegemônicas aos recursos naturais ou assegurar sua influência política em Estados que se tornaram ou pretendam se tornar independentes.

Não há interesse, por parte das nações poderosas de hoje, como as de outrora, de que surjam novas e fortes economias alterando sua posição de domínio no mundo. A permanência do “status quo” justifica quaisquer tipos de retaliações, intervenções, massacres mascarados pela mídia através de termos simpáticos.

É interessante observar que o tratamento dispensado aos seus “aliados”, mesmo que estes estejam infringindo as mesmas regras, não estão sujeitos a este tipo de retaliação, senão, como explicar a sua omissão quando ocorreu o extermínio de milhares de curdos pela Turquia ou seu apoio explícito ao governo Saudita que tem mostrado o mais profundo desprezo pelos direitos humanos. Quando seus interesses geoeconômicos não estão em jogo os propalados e altruístas “paladinos da justiça” omitem-se permitindo o extermínio de milhões de pessoas como aconteceu na guerra pela independência de Biafra e na guerra do Sudão.

Life Magazine, volume 39, 22.05.1902

Guerra Hispano-Americana (1898) 

O encouraçado “U.s.s. Maine”, partiu rumo ao porto de Havana, no dia 28.01.1898, com o propósito de resguardar os interesses dos E.U.A. em Cuba.

As relações entre os dois países eram tensas e chegaram ao seu ápice no dia 15.02.1898, quando o “Maine” explodiu no porto de Havana. O governo americano acusou os espanhóis de sabotagem procurando forjar um pretexto para desencadear uma Guerra contra a Espanha. A causa da explosão foi uma combustão espontânea do carvão armazenado nos paióis do navio.

Filipinas (1898) 

Operação de Extermínio, Filipinas

Eu não quero nenhum prisioneiro. Desejo que todos sejam mortos e queimados, quantos mais vocês matarem e queimarem, mais ficarei satisfeito. (General J. Hurd Smith)

Operação de Extermínio, Filipinas

No final de 1898, a Espanha perdeu a guerra contra os EUA e cedeu as Filipinas em troca do pagamento de 20 milhões de dólares. Os nacionalistas foram esmagados pelas tropas norte-americanas.

Cura pela água, Filipinas

A cobrança de pesados impostos desencadeou o primeiro conflito dos Americanos contra os muçulmanos filipinos. Os americanos não atenderam às reivindicações do Sultão de Sulu que exigia que os americanos agissem como os espanhóis, no passado, e os deixassem em paz, isentando seu povo de qualquer taxação.

Garrote, Filipinas

Os civis americanos começaram a ser hostilizados e os fuzileiros foram sistematicamente atacados e mortos pelos “Amuks”. A presença americana nas ilhas desencadeou a “Jihad”, ([2]) e os americanos responderam com “Operações de Extermínio”.

Operação de Extermínio, Filipinas

O General Jacob Hurd Smith (Jake Smith) determinou a seus fuzileiros “Kill and burn!” ([3]), ordenando também que “Kill every one over ten” ([4]). Na ilha de Jolo, os “Moros” refugiaram-se no alto da cratera de um vulcão extinto, o Bud Dajo e os “Paladinos da Justiça”, em março de 1906, apoiados pelo navio Pampanga, cercaram e mataram mil homens, mulheres e crianças.

Operação de Extermínio, Filipinas

No Bud Bagsak, em junho de 1913, 2.000 rebeldes, incluindo 196 mulheres e 340 crianças, armados de facas e lanças, foram aniquilados. Com este histórico os americanos acham que o ódio que os muçulmanos lhes devotam hoje é gratuito e sem sentido!

Acordo Blaine-Mendonça  

O Acordo Blaine-Mendonça (Blaine-Salvador ou Mendonça-Blaine) teve como negociadores Salvador de Mendonça, pelo Brasil, e James Blaine, pelos EUA. O Acordo estabelecia prioridades tarifárias para os dois países. O Acordo contemplava uma extensa lista de produtos norte-americanos que teriam tarifas preferenciais no mercado brasileiro e em contrapartida, o Brasil exportaria o café com isenção tarifaria além do açúcar e couro obterem favores alfandegários. O Acordo, porém, capciosamente, não estabelecia nenhuma cláusula de exclusividade para o açúcar brasileiro, admitindo, que os Estados Unidos firmassem um Acordo similar com a Espanha, que permitia a entrada do açúcar antilhano, sem taxas, no mercado americano ‒ houve reação muito forte da opinião brasileira.

A Viagem até Iquitos da canhoneira Americana, levando a bordo o Cônsul K. K. Kennedy, tinha, certamente, o objetivo de levantar as condições de navegabilidade dos Rios apontando todas as opções possíveis para extrair a borracha desde o Alto Rio Acre, Alto Rio Purus e Iaco até o Rio Amazonas. Uma delas seria chegar até Iquitos usando da Bacia do Ucaiali e parece-nos ser esta a razão que levou Todd até Iquitos confabular com o insurgente de plantão ‒ Coronel Emilio Vizcarra, já que se a rota de transporte da borracha, pelo Ucaiali, fosse a adotada precisariam de autorização das autoridades peruanas para fazê-lo.

Vamos repercutir, em ordem cronológica alguns artigos publicados pela imprensa brasileira no período de 1899 a 1902. As notícias mostram claramente que a maioria das lideranças políticas e cronistas brasileiros pareciam ignorar o tratamento dispensado pelos norte-americanos às ditas “nações amigas”.

O Pará, n° 388
Belém, PA – Sábado, 11.03.1899
Canhoneira “Wilmington” – O Banquete Oficial  

Deve realiza-se hoje, às 18h30, em um dos salões onde atualmente funciona parte da Secretaria do Governo do Estado, o banquete que o ilustre Sr. Dr. Governador oferece à distinta oficialidade da canhoneira americana “Wilmington”. A mesa, que foi colocada no centro do referido salão, tem a forma de I e comporta trinta convivas. […] (JOP, n° 388)

República, n° 017
Belém, PA – Domingo, 12.03.1899
Wilmington” 

Este cruzador americano, anteontem entrado neste porto, é comandado pelo Capitão C. C. Todd e traz mais os seguintes oficiais – Tenentes Callius Carter, Laurence, Barley, Kleman, Creuslau e Bronnson. A sua guarnição compõe-se de 200 marinheiros, tem 16 canhões, uma velocidade de 14 nós por hora ([5]). Os dois últimos oficiais estavam a bordo do “Maine”, por ocasião da explosão no porto de Santiago de Cuba. O Cmt e oficiais foram ontem cumprimentar o Sr. Dr. Governador no palácio. O cruzador poderá ser visitado hoje, das 14h00 às 17h00. (JR, n° 017)

República, n° 021
Belém, PA – Quinta-feira, 16.03.1899
O Banquete

Realizou-se, ontem, o banquete oferecido por S.Ex.ª o Dr. Governador do Estado, ao Comandante e oficiais da canhoneira “Wilmington”. Às 18h30 sentaram-se à mesa os Srs. Drs. Paes de Carvalho, Presidente do Estado, tendo a sua direita o Sr. Cônsul americano, Dr. Enéas Martins ‒ Cônsul do Peru, o Sr. F. S. Caster – o assistant engineer Arthur Crewshan e Sr. H. Fall. (JR, n° 021)

Rio Ucaiali – Vallejos Z., Camilo, 1906

Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 13.12.2021 – um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.

Bibliografia 

JOP, n° 388. O Banquete Oficial – Brasil – Belém, PA – O Pará, n° 388, 11.03.1899.

JR, n° 017. Wilmington – Brasil – Belém, PA – República, n° 017, 12.03.1899.

JR, n° 021. O Banquete – Brasil – Belém, PA – República, n° 021, 16.03.1899.

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista; 

  • Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
  • Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA) (2000 a 2012);
  • Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
  • Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
  • Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
  • Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
  • Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
  • Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
  • Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
  • Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
  • Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
  • Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
  • Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
  • E-mail: hiramrsilva@gmail.com.

[1]   Chartered-company (companhias de carta): as companhias majestáticas ou ainda companhias privilegiadas eram companhias privadas portadoras de carta de concessão de um governo que lhes conferia o direito a certos privilégios comerciais.

[2]   Jihad: guerra santa contra o invasor.

[3]   “Kill and burn!”: Matem e queimem!

[4]   “Kill every one over ten!”: Matem todos com mais de dez anos de idade!

[5]   14 nós por hora: 26 km/h.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *