Foz do Breu, AC/ Manaus, AM ‒ Parte XXXIII
Cruzeiro do Sul ‒ Foz do Breu – Mal Thaumaturgo
Alguns amigos mais próximos preocupados com a nossa jornada pelo Vale do Juruá nos indagaram sobre a falta de apoio do Exército à Operação. Queremos deixar bem claro que o alvo de nossas críticas jamais foi a Força Terrestre, Instituição a quem prezamos acima de tudo. Meu grito de revolta foi e continuará sendo contra “alguns inimigos na trincheira”, aos entraves legais e à incompetência de alguns gestores que obstaculizam a realização de Expedições como a nossa. Recebemos um apoio inesperado que alterou significativamente a orientação de um obsequioso “apoiar minimamente”, determinado pelo comando do CMA, à um apoio incondicional por parte da Força Terrestre.
Os ventos que originaram esta drástica mudança de rota vieram de longe, de Nova York, EUA, através de um consagrado Militar e Ir\ Maçom oriundo da Arma de Engenharia – o Gen Ex Ítalo Fortes Avena, que depois de chefiar o Departamento de Engenharia de construção do Exército Brasileiro havia assumido a vaga de Consultor Militar da Organização das Nações Unidas (ONU). Daí em diante os Comandantes Militares das mais diversas Organizações Militares da Amazônia não mediram esforços em nos apoiar apesar das restrições burocráticas e orçamentárias.
A disponibilização e o transporte das embarcações envolveram o 2° Grupamento de Engenharia, Manaus, AM, o 8° Batalhão de Engenharia de Construção (8° BEC), Santarém, PA, o 5° Batalhão de Engenharia de Construção (5° BEC), Porto Velho, RO, o 7° Batalhão de Engenharia de Construção (7° BEC), Rio Branco, AC e o 61° Batalhão de Infantaria de Selva (61° BIS), Cruzeiro do Sul, AC. O Major Odney do 61° BIS disponibilizou-nos transporte e pessoal para que pudéssemos ultimar todos os preparativos para viagem.
Gen Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira
Tivemos a grata satisfação de conhecer o General-de-Brigada Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, Comandante da 16° Brigada de Infantaria de Selva (16ª Bda Inf Sl), Tefé, AM, que se encontrava na Guarnição em visita de inspeção. Tivemos a oportunidade de confraternizar com ele e sua equipe em mais de uma ocasião e em cada uma delas o Gen Paulo Sérgio fez questão de mencionar nosso trabalho e hipotecar apoio irrestrito à Expedição.
15.12.2012 ‒ Partida de Cruzeiro do Sul
O “Cabo Horn” apresentou, em consequência do transporte rodoviário, sérias avarias na quilha da proa e no convés de Boreste na altura do “cockpit”. Providenciei o material necessário, fibra, resina, catalisador e o Soldado Mário Elder remendou-o de maneira a suportar a nova empreitada. Depois de dois dias de intensos preparativos que contaram com a manutenção e reparo das embarcações, carregamos os dois caiaques na lancha para evitar o contratempo que sofremos, em 2009, no Rio Purus onde um dos caiaques, rebocado, foi danificado seriamente.
As rações, combustível, salva-vidas, telefone satelital, e o motor tipo rabeta de 13 HP, enfim todos os itens solicitados foram disponibilizados pelo 61° BIS. O rabeta apresentou um problema ‒ excesso de óleo, quase um litro e meio de óleo lubrificante. O Mário resolveu imediatamente o problema retirando o excesso de óleo e limpando a vela de ignição. Ultimamos os preparativos e apontamos nossa proa para Marechal Thaumaturgo, que calculávamos ser nossa única parada intermediária antes de alcançarmos a Foz do Breu. Partimos somente às 06h30, uma navegação por águas desconhecidas com a descida de troncos arrastados pela torrente e imensos bancos de areia, há pouco submersos pelas águas, não recomendavam uma saída às escuras.
Desde o início, sentimos que o rendimento da lancha “Mirandinha”, mesmo com o motor de 40 HP do 8° BEC, estava muito aquém do esperado, em decorrência da carga (quatro tripulantes, 2 caiaques…) e da força da correnteza do Rio Juruá. Paramos em Rodrigues Alves, depois de navegar 26 km e compramos 20 litros de combustível a 80 Reais (R$ 4,00 por litro, em 2012 !!!).
Durante a viagem, não tivemos maiores imprevistos exceto a falta de rendimento da lancha. Foram 170 km de deslocamento e 170 litros (1km/l) consumidos; o abastecimento em Rodrigues Alves foi providencial, caso contrário seríamos vítimas de uma pane seca. Precisamos aportar em Porto Walter para abastecer e pernoitar. Paguei 600 Reais por 150 litros de gasolina, sem contar com o óleo dois tempos. Liguei para o “190” pedindo apoio de nossos fiéis amigos da Polícia Militar.
Imediatamente o 1° Sargento PM Antônio Vieira da Silva, Comandante do 3° Pelotão de Porto Walter, subordinado ao 6° Batalhão de Cruzeiro do Sul, desencadeou uma verdadeira operação de resgate para nos atender. Mais uma vez, eu e minha equipe, tivemos o privilégio de contar com o apoio destes laboriosos PMs que, independentemente do Estado da Federação a que pertencem, sempre nos acolheram com extrema cordialidade.
16.12.2012 ‒ Partida para o Dst Mal Thaumaturgo
Adquirimos, em Porto Walter, uma nova hélice e depois de testá-la verificamos que o rendimento da embarcação havia melhorado sensivelmente. No deslocamento para Marechal Thaumaturgo, a velocidade média que era de 18 km/h passou para 32 km/h com uma queda de 50% do consumo de combustível.
A viagem transcorreu sem maiores alterações e, como no dia anterior, eu aproveitei para ir comparando as fotografias aéreas do “Google Earth” com o terreno. Verifiquei que algumas Comunidades importantes simplesmente não constavam dos mapas e outras estavam muito deslocadas do local que lhes era atribuído.
Depois de cinco horas de deslocamento sem maiores incidentes, aportamos na Foz do Amônea onde contatamos o pessoal do Destacamento. O Ten Santiago e o Sgt Wanderley foram incansáveis. Fomos abrigados e alimentados e aguardamos o abastecimento da “Mirandinha” para, amanhã, partirmos para a Foz do Breu.
17.12.2012 ‒ Partida para Foz do Breu
Choveu a noite toda prenunciando um aumento considerável da velocidade das águas do Rio Juruá. A lancha “Mirandinha” iria enfrentar, no dia seguinte, além da formidável torrente, uma dificuldade a mais, a enorme quantidade de troncos e entulhos que, por vezes, bloqueavam grande extensão de nossa rota, exigindo muita habilidade dos piloteiros Mário e Marçal. Partimos às 09h15, depois de reabastecer a lancha com cem litros de gasolina do crédito de combustível do Destacamento. A viagem transcorreu sem alteração exceto pela chuva fina e fria que só deu trégua na chegada à Foz do Breu.
Aportamos na escadaria frontal à Escola Ernestina Rodrigues Ferreira ([1]), às 13h20. Seguindo minha intuição, procurei a primeira moradora que avistei, a senhora Iris de Fátima da Silva Souza, coincidentemente, responsável pela escolinha e nora da matriarca que empresta o nome ao estabelecimento escolar e que, na década de quarenta, foi proprietária de um grande Seringal no Rio Breu. A simpática Comunidade é formada, em grande parte, pelos descendentes de Ernestina. O Marçal usou a cozinha da Escola e preparou um delicioso carreteiro que foi servido às 15h00. O Coronel Angonese e o Sd Mário Elder pescaram alguns barbados ([2]) que foram magistralmente preparados e servidos no jantar pelo Marçal. O pessoal da Comunidade foi incansável em nos apoiar, seja ajudando no descarregamento da lancha ou na doação de pescado e frutas para nosso consumo.
18.12.2012 ‒ Partida para Foz do São João
Acordamos cedo e partimos às 07h00. O Cel Angonese, ainda um neófito na canoagem, demonstrou uma coragem e uma determinação invulgar na condução do caiaque “indomável” doado pelo Amigo José Holanda. Remamos 75 km até a Comunidade São João, situada na Foz do Igarapé de mesmo nome ([3]). Quando aportei, os nossos guerreiros do Grupo Fluvial do 8° Batalhão de Engenharia de Construção já haviam conseguido autorização para pernoitar nas instalações da Escolinha Calile de Melo Sarah ([4]).
Como a Escolinha não possuía fogão, o Marçal entregou nosso arroz e charque à Sr.ª Raimunda, esposa do Sr. Francisco, e solicitou-lhe que preparasse um carreteiro e assasse uma paca que tinha sido presenteada por um ribeirinho. Infelizmente os filhos do Sr. Francisco, desconhecendo que a paca era nossa, haviam devorado integralmente o cobiçado assado. Almoçamos, às 15h00, e depois fomos até à residência do Sr. Francisco onde permanecemos até escurecer ouvindo e contando causos. O Cel Angonese, nosso “Forrest Gump”, é um Contador de Histórias nato e cativou nossos amigos ribeirinhos com seus causos e tiradas espirituosas. À tarde, choveu forte e o Juruá acrescentou, rapidamente, uns 50 cm à sua cota.
19.12.2012 ‒ Partida para Marechal Thaumaturgo
Apesar de nos encontrarmos em pleno “inverno” amazônico, a chuva não deu as caras. O percurso hoje era mais curto (63,5 km) e resolvi fazer apenas uma pequena parada para substituir as baterias do GPS. O choque das águas contra as margens arenosas solapavam as barrancas e faziam tombar formidavelmente enormes taludes e árvores imensas que eram arrastadas pela torrente misturando-se aos demais entulhos que as águas das chuvas tinham feito romper de seus galhosos sepulcros. Essas massas informes movimentavam-se qual aríetes golpeando a esmo aqui e acolá, enganchando-se novamente nas curvas e na vegetação semisubmersa, aguardando outra enxurrada para desgarrarem-se e continuarem sua insana sina à procura de incautos navegadores. Continuei minha navegação, sempre preocupado em marcar alguns pontos notáveis ao longo do caminho.
²Total Geral: Foz do Breu – Mal Thaumaturgo = 138,5 km
Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 22.02.2021 – um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
- Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
- Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
- Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
- Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
- Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
- Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
- Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
- Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
- Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
- Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
- Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
- Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
- Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
- E-mail: [email protected].
[1] Escola Ernestina Rodrigues Ferreira: 9°24’39,4” S / 72°42’56,4” O.
[2] Barbados: Pinirampus pinirampu.
[3] Foz do Igarapé São João: 09°09’15,3” S / 72°40’42,2” O.
[4] Escolinha Calile de Melo Sarah: 09°09’21,1” S / 72°40’38,4” O.