A CPI Funai-Incra 2 chega a seu término provando ser o que as lideranças indígenas e seus aliados sempre afirmaram: um instrumento de perseguição política e criminalização de adversários da bancada ruralista, com a finalidade hoje mais que confessa de destruir os direitos constitucionais dos povos indígenas e quilombolas, especialmente o direito à terra, duramente conquistado por meio da Constituição de 1988, e desmantelar a política de reforma agrária.
Em relação aos pedidos de indiciamento contra membros do CTI, são fruto de acusações sem quaisquer indícios mínimos. A CPI sequer prestou-se a ouvir a entidade ou quaisquer de seus membros, num evidente cerceamento do direito de defesa. Os pedidos de indiciamento são manifestamente ilegais e inconstitucionais assim como a tentativa de remetê-los à Polícia Federal, como anuncia o relatório final, afrontando diretamente o art. 58, parágrafo 3° da CF de 1988.
Da mesma maneira, sem sequer solicitar ao CTI informações sobre suas atividades e receitas, a CPI Funai-Incra 2 aprovou requerimento de quebra de sigilo fiscal e bancário da entidade, sem fundamentação consistente.
O CTI esclarece que todos os recursos movimentados pela entidade, sejam oriundos da cooperação internacional, sejam de convênios governamentais, são auditados e submetidos aos órgãos de controle, e que a entidade encontra-se em situação absolutamente regular e adimplente.
Temos convicção de que as tentativas de criminalização por meio dos indiciamentos não se sustentarão ao mínimo e imparcial exame pelas autoridades competentes, sendo cortina de fumaça para esconder o real propósito de justificar medidas indefensáveis de ataque aos direitos dos povos indígenas.
É na defesa desses direitos ameaçados que reside nossa preocupação central, tendo sempre sido essa a nossa missão institucional, ao longo dos quarenta anos da existência da instituição. Não será agora que recuaremos, quando o momento político se mostra mais crítico e as forças políticas reacionárias ganham ainda mais poderes para impor seus interesses. O CTI seguirá firme na defesa dos direitos dos povos indígenas.
Sobre o relatório final
As proposições apresentadas no texto base do relatório da CPI são extremamente preocupantes para a sociedade brasileira e para a democracia: o relator da CPI nega, mas na prática o relatório defende a extinção da Funai e a criação de um novo órgão que perderia o papel de coordenação dos processos de demarcação de terras indígenas. Propõe ainda a revogação do Decreto 1775/96, substituindo-o por instrumento que não apenas impedirá qualquer demarcação de terras indígenas daqui pra frente, como resultará na reversão de todos os processos em andamento. Com o sócio Osmar Serraglio hoje à frente do Ministério da Justiça, a bancada ruralista sequer precisa mais do poder legislativo para fazer avançar essa agenda, sendo essa a verdadeira razão do aparente recuo em relação à PEC 215, recentemente anunciado.
Na mesma linha, o relatório final defende a revogação do Decreto 4.887, de 20 de novembro de 2003, que regulamenta a demarcação de terras de comunidades remanescentes de quilombos. Pede ainda a revogação de uma série de Decretos que declararam imóveis rurais como de interesse social para fins de reforma agrária, demonstrando como a CPI é parte de uma estratégia mais ampla direcionada a aprofundar a concentração fundiária e solapar agenda socioambiental no país.
A CPI da Funai propõe ainda um projeto de lei que, sob pretexto de “regulamentar a atuação das CPIs”, amplia os poderes persecutórios dos deputados. Se aprovado, o PL dará ao campo majoritário do Congresso o poder de decretar operações de busca e apreensão e realizar sessões secretas, ambos expedientes vedados às CPIs pela jurisprudência do STF. O PL das CPIs é uma estatuinte de uma Ditadura Parlamentar, que visa replicar os métodos persecutórios colocados em prática na CPI Funai-Incra 2, contra todos os que defendem os direitos das minorias.
Com o pedido de indiciamento de mais de 100 pessoas, incluindo antropólogos, lideranças indígenas, servidores públicos e mesmo procuradores do Ministério Público Federal, sem qualquer evidência consistente de desvio apresentada, restou claro o modus operandi da CPI. Toda e qualquer atitude de defesa e afirmação dos direitos constitucionais dos povos indígenas foi adjetivada como criminosa pelo relatório final, de autoria do deputado Nilson Leitão (PSDB-MT), o mesmo que tem hoje como principal pauta legislativa um projeto de lei que visa revogar a Lei Áurea, ao permitir ao empregador pagar o trabalhador rural com casa e comida, em vez de salário.
Nenhum requerimento que visava investigar a violência contra indígenas foi sequer apreciado pelo comando da CPI, como o que tratava do chamado Leilão da Resistência, que teve o objetivo de arrecadar fundos para a formação de milícias contra indígenas. Outros requerimentos relacionados a casos de grilagem de terra e invasão de terras indígenas (com suspeitas até de envolvimento de parlamentares ruralistas), já apurados pela Polícia Federal e MPF, foram deliberadamente ignorados.
A postura do comando da CPI só tem servido de combustível para o acirramento dos conflitos no campo, que alimentam a estratégia eleitoral da bancada ruralista.
O CTI reafirma seu compromisso histórico com os povos indígenas e com a democracia, e seguirá junto aos povos indígenas na luta para impedir o avanço das medidas propostas pela CPI Funai e Incra 2, que visam anular os direitos conquistados através da Constituição de 1988.
FONTE: Centro de Trabalho Indigenista – CTI
VER MAIS EM: http://trabalhoindigenista.org.br/nota-do-centro-de-trabalho-indigenista-sobre-a-cpi-funai-incra-2/
NOTA