A Terceira Margem – Parte DCLXXVIII

O Resgate do Bravo Anaico 

Fazenda Boa Vista, Tapes.

A Canoa Fantástica
(Castro Alves)

Pelas sombras temerosas
Onde vai esta canoa?
Vai tripulada ou perdida?
Vai ao certo ou vai à toa?
Semelha um tronco gigante
De palmeira, que se escoa…
No dorso da correnteza,
Como boia esta canoa!
Mas não branqueja-lhe a vela!
N’água o remo não ressoa!
Serão fantasmas que descem
Na solitária canoa?
Que vulto é este sombrio
Gelado, imóvel, na proa?
Dir-se-ia o gênio das sombras
Do inferno sobre a canoa!
Foi visão? Pobre criança!
À luz, que dos astros coa ([1]),
É teu, Maria, o cadáver,
Que desce nesta canoa?
Caída, pálida, branca!
Não há quem dela se doa?!
Vão-lhe os cabelos a rastos
Pela esteira da canoa!
E as flores róseas dos golfos,
‒ Pobres flores da Lagoa,
Enrolam-se em seus cabelos
E vão seguindo a canoa!

Na última Travessia tínhamos sido forçados a abandonar o caiaque pilotado pelo Professor Hélio, na Costa de Santo Antônio (30°29’44,2” S / 51°16’23,5” O), entre o Pontal de Tapes e o Morro da Formiga. Estávamos aguardando a manutenção do veleiro do Coronel Pastl para resgatá-lo, mas os adiamentos su­cessivos aumentavam a probabilidade de não mais encontrarmos nossa velha nau.

Orquídeas.

Havia comprado o “Anaico”, da KTM, na década de 80, e com ele desafiado águas brancas e quedas d’água dos mananciais do Mato Grosso do Sul onde ele se mostrara insuperável nessa modalidade, o seu valor sentimental, portanto, não era, absolutamente, mensu­rável.

Falésia

Destacamento Precursor

Ele e sua esposa Vera já haviam encontrado o melhor e mais perto acesso por terra para cumprir esta missão. Era através da Fazenda Boa Vista, que se situava ao Norte do Município de Tapes e ia até a Laguna dos Patos nas proximidades do local onde estava o caiaque a ser resgatado. (Professor Hélio)

O Pedro Auso e sua esposa Vera Regina, de Ca­maquã, decidiram fazer uma incursão terrestre explo­ratória com sua camionete, no dia 08.10.2011, sábado, e conseguiram autorização para adentrar na Fazenda Boa Vista. O Pedro tinha uma ideia aproximada da localização e conseguiu, chegar com sua camionete o mais próximo possível das praias da Laguna dos Patos, aproximadamente a 1,7 km, em linha reta, do alvo. Comunicou-me a proeza e combinamos que, no dia seguinte, nos encontraríamos, acompanhados do Pro­fessor Hélio e sua filha Dafne para executarmos o resgate do “Anaico”.

Orquídeas

Fazenda Boa Vista

Localizada a 15 km da sede do Município de Barra do Ribeiro, a Fazenda Boa Vista (ou Fazenda do Zé Taylor) de propriedade do Dr. José Taylor Castro Fagundes, às margens da Laguna dos Patos, é pródiga em belas paisagens e diversidade de biomas. O Dr. Taylor afirma que Borges de Medeiros foi um dos pioneiros na cultura do arroz em terras de várzea na Barra do Ribeiro e que as catorze figueiras, da antiga sede, foram plantadas pelos Jesuítas. A Fazenda serve de referência para os adeptos das cavalgadas e jipeiros que a incluem, sistematicamente, no seu trajeto, além de proporcionar belos locais de pescaria em seus inúmeros açudes.

Parada para descanso

Operação Resgate

Somente no dia 9 de outubro, num domingo em que até o Sol apareceu contrariando a previsão do tempo, que era de chuvas esparsas em quase todo o estado, conseguimos desencadear a operação de resgate do caiaque que, avariado, ficara escondido atrás de uma duna de areia no último ponto de nossa travessia. Eram 06h30 quando eu e minha filha Dafne passamos na casa do Coronel Hiram Reis para então nos deslocarmos até o quilômetro 332 da BR-116, em Tapes, onde nos encontraríamos com o Sr. Pedro, mais identificado como “São Pedro” por toda proteção e ajuda a nós prestada. (Professor Hélio)

No domingo, 09.10.2011, partimos de Porto Alegre, às 06h40 em direção à BR-116, a meio caminho entre Barra do Ribeiro e Tapes, para encontrar o Pedro Auso no acesso à Fazenda Boa Vista.

Dafne navegando

Chegamos ao ponto de encontro com seu Pedro cronometradamente juntos e nos dirigimos para a sede da Fazenda Boa Vista, onde deixamos o carro do Coronel Hiram Reis e seguimos na camionete rural do Sr. Pedro, sendo que somente esta conseguiria vencer os precários caminhos a serem percorridos. Durante este trajeto de carro, o Sr. Pedro nos contou que, no dia anterior ele e Dona Vera já haviam ido a este local e caminhado diversos quilômetros tentando achar o caiaque, mas sem sucesso. Por este motivo que a Dona Vera, embora tenha admirado muito o local, teve de ficar descan­sando em casa. (Professor Hélio)

Transporte do Anaiko

Chegamos juntos ao local do encontro a exatos vinte minutos antes da hora marcada, 08h00. Como o Pedro já tinha feito um reconhecimento prévio, fomos até a sede da Fazenda, deixamos o meu carro e partimos, os quatro, na sua camionete. Perto da penúltima porteira transposta, encontramos um bando de emas correndo pelos campos e avistamos a casa sede da antiga fazenda, cercada por lindas e cente­nárias figueiras. O trajeto até os limites da Fazenda, com a região das Areias da margem da Laguna, é de uma beleza fantástica.

Chegando ao destino, constatei, pelo GPS, que o caiaque se encontrava a 4,5 km ao Sul. Seguiríamos diretamente para a Praia para diminuir a caminhada pelas dunas e, depois, pela Praia até o caiaque. Hidra­tamo-nos, carregamos o mínimo de material necessário e partimos rumo à Praia, percorrendo dunas e terrenos alagadiços. Na Praia, identificamos os eucaliptos men­cionados pelos pescadores e o Sr. Pedro, e novamente verifiquei a distância até nosso objetivo – 3,3 km. Caminhamos junto à água para evitar as areias fofas da margem e, no caminho, admirávamos a vegetação, as imensas e sofridas figueiras e as inúmeras bromélias e orquídeas.

Ao caminhar pela Praia, também observamos belas orquídeas e bromélias junto às dunas, contrastando com o lixo junto às margens levado pelas águas, e inúmeros mexilhões dourados mortos, às vezes, causando mau cheiro. (Professor Hélio)

Depois de caminhar por uns quarenta minutos, chegamos ao local onde deixáramos nosso caiaque e, felizmente, lá estava ele, o remo, o leme, e a saia. Como as águas da Laguna ainda estavam bastante cal­mas, sugeri, ao Hélio que fosse remando até os euca­liptos e lá nos aguardasse.

Transporte do Anaiko

Nos eucaliptos, fizemos uma pausa para alimentação e hidratação antes de partirmos para o percurso mais estafante que seria o de carregar o caiaque pelas dunas e terrenos alagadiços.

Iniciei, com o Hélio, o transporte pelas dunas e, logo de início, verificamos o quanto seria cansativo tal procedimento. A Dafne carregou o remo e fomos lenta­mente vencendo os obstáculos. Mais adiante, o Pedro me substituiu e fomos nos revezando até chegarmos exaustos ao local onde estava estacionada a camionete.

Fizemos uma parada para descanso e um pe­queno lanche antes de carregarmos o caiaque na cami­onete e retornarmos à sede onde transferimos o caia­que para o meu carro.

Transporte do Anaiko

Encerramos nossa missão com um almoço no Restaurante das Cucas, na BR-116 – km 338 – Barra do Ribeiro, RS. Nossas expedições pelos caudais da “Terra Brasilis” nos têm propiciado encontrar pessoas fantásticas e muito prestativas como o caso do amigo Pedro Auso e tantos outros cujas amizades fazemos questão de solidificar.

Alma de Marujo
(Antônio Mavignier de Castro)

Amo, às vezes, fitar como os marujos
Do velho cais, ao céu crepuscular,
O perfil oscilante dos saveiros
E o adeus das velas para o meu olhar.
Ao contato dos barcos forasteiros,
Sinto em mim o desejo singular
De correr mundo como os marinheiros,
De ser marujo dominando o Mar…
É que, de certo, em épocas remotas,
As minhas ilusões foram gaivotas
No anil dos mares, ao rugir do Sul…
E, além seguiram – desgraçadas delas! –
O roteiro de Sol das caravelas
Talvez perdidas nesse abismo azul!

Transporte do Anaiko

Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 20.12.2023 – um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.  

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;  

  • Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
  • Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
  • Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
  • Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
  • Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
  • Ex-Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
  • Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
  • Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
  • Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
  • Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
  • Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
  • Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
  • Membro do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós (IHGTAP)
  • Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
  • E-mail: hiramrsilva@gmail.com.

[1]    Coa: filtra. (Hiram Reis)   

Nota – A equipe do Ecoamazônia esclarece que o conteúdo e as opiniões expressas nas postagens são de responsabilidade do (s) autor (es) e não refletem, necessariamente, a opinião deste ‘site”, são postados em respeito a pluralidade de ideias 

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