Pesquisadores detectam fortes contribuições da Amazônia para as mudanças climáticas

Uma rede formada por 30 pesquisadores analisou algumas das principais causas relacionadas ao papel da floresta amazônica nas alterações do clima regional e global. Entre outros fatores, o desmatamento e a degradação das florestas influenciam no sequestro de carbono, potencializam emissões por incêndios e, em alguns casos, provocam a ação de outros gases causadores do aquecimento global.

Foto FACEBOOK MUSEU GOELDI

Agência Museu Goeldi –  Um novo estudo publicado na última semana pelo periódico “Frontiers In Forests And Global Change” e repercutido pela National Geographic oferece a avaliação mais abrangente até o momento do papel da floresta amazônica no clima global. A equipe internacional de mais de 30 autores, incluindo uma pesquisadora vinculada ao Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG), identificou que o chamado efeito líquido da Amazônia, em vez de fornecer um serviço climático de larga escala, pode realmente estar aquecendo a atmosfera global.

Com o título “Carbon and Beyond: The Biogeochemistry of Climate in a Rapidly Changing Amazon”, a pesquisa revisou tanto os impactos relacionados ao dióxido de carbono proveniente do desmatamento e da perda de florestas na região quanto investigou variados fatores menos reconhecidos, mas capazes de provocar alterações no clima, a exemplo de outros gases do efeito estufa (como o metano e o óxido nitroso, o carbono negro de incêndios, os compostos orgânicos voláteis biogênicos, os aerossóis, o ozônio) e a soma da evaporação da água do solo e da transpiração das plantas.

A partir dessa avaliação, os analistas destacaram que, provavelmente, a Amazônia agora está contribuindo para aquecer o clima no planeta e que a sua perda contínua causará mais prejuízos não apenas para a região mas também globalmente. Segundo eles, quanto maior a degradação da Amazônia, mais elevado será o aumento no nível dos danos provocados.

“Observamos todo o sistema ambiental da Amazônia, tentando considerar mais do que apenas o dióxido de carbono”, disse Kris Covey, primeiro autor do artigo e professor visitante de Estudos e Ciências Ambientais no Skidmore College. “Ao avaliar o impacto combinado desses fatores pela primeira vez, ficou claro que a Amazônia não está proporcionando o benefício climático que esperamos da maior floresta tropical do mundo”.

Resultados – Entre as principais revelações da ampla pesquisa estão:

  • Incerteza considerável nos efeitos diretos e indiretos da Amazônia sobre o clima global, e incerteza ainda maior na resposta desses feedbacks climáticos às mudanças no uso da terra e degradação florestal;
  • Apesar dessa incerteza, após considerar o impacto de um conjunto mais amplo de feedbacks biofísicos entre floresta e clima (ou seja, dióxido de carbono, mas também metano, óxido nitroso, albedo, evapotranspiração, compostos orgânicos voláteis biológicos, ozônio e aerossóis), foi concluído pela primeira vez que o efeito líquido mais provável da floresta amazônica é o aquecimento do clima global;
  • O efeito do aquecimento líquido é impulsionado em grande parte pelas emissões de óxido nitroso, carbono negro de incêndios e metano da floresta amazônica, que parecem superar o efeito de resfriamento atmosférico do sequestro de carbono realizado por ela;
  • O sumidouro líquido anual de carbono da Bacia Amazônica vem diminuindo há algum tempo enquanto as forças políticas sociais que impulsionam a perda de florestas estão se acelerando. Os feedbacks biofísicos do clima que seguem essas mudanças sugerem que a conversão contínua da floresta provavelmente aumentará o aquecimento atmosférico no futuro;
  • Dada a grande contribuição de feedbacks climáticos menos reconhecidos (por exemplo, árvores vivas na Amazônia emitem diretamente cerca de 3,5% de todo o metano global liberado para a atmosfera), um foco contínuo no carbono florestal de modo estrito é incompatível com esforços genuínos para entender e gerenciar mudanças climáticas globais na Bacia Amazônica.

“Analisar as complexas interações entre a Amazônia, seus efeitos no clima e as influências humanas é um pouco como tentar prever o mercado de ações. É preciso considerar as partes móveis: várias forças climáticas, não apenas de carbono, mas também de metano, óxido nitroso, partículas e efeitos biofísicos, cada um sendo influenciado por estressores humanos que vão desde a construção de barragens e caça às mudanças climáticas”, disse Fiona Soper, professora do Departamento de Biologia e da Escola de Meio Ambiente da McGill University.

“Sintetizar essas mudanças é um grande desafio, mas está claro que a maioria dos impactos humanos diretos – extração de recursos, conversão agrícola – removem a vegetação da floresta e, assim, influenciam não apenas o sequestro de carbono, mas aumentam o potencial de emissões por incêndios e, em alguns casos, os efeitos de outros gases do efeito estufa. No artigo, reunimos esses desafios, identificamos padrões gerais e identificamos nossas maiores lacunas no entendimento, como a dinâmica dos sistemas de água doce exclusivos da Amazônia, que não têm análogos em nenhum outro lugar da Terra”.

Parceria – O novo artigo resultou de uma reunião especial organizada pela National Geographic Society, em parceria com a Rolex, na cidade de Manaus em julho de 2019. Na ocasião, vários pesquisadores da região e de outros países se reuniram para revisar e sintetizar décadas de literatura e dados sobre os catalisadores de mudanças ressurgentes na Amazônia – de fatores sociais cada vez mais preocupantes, como o desmatamento agrícola, o desenvolvimento de energia hidrelétrica e a mineração, até incêndios florestais e tempestades cada vez mais severos – e suas implicações mais amplas para os sistemas climáticos regionais e globais.

Entre o grupo de especialistas que produziram o artigo se encontra a pesquisadora Silvia Pavan, vinculada à Coordenação de Zoologia do Museu Goeldi pelo Programa de Capacitação Institucional (PCI).

“Este trabalho é uma síntese do conhecimento que se tem acerca do papel da floresta amazônica no clima global. Ele evidencia o quanto os impactos resultantes dos diversos tipos de estresses sofridos pela Amazônia podem e estão interferindo no seu papel benéfico sob o clima”, ressalta Silvia.

“Ainda há muito a se estudar e conhecer acerca das mudanças e interações entre a Amazônia e seus efeitos no clima, mas com o que temos é mais do que claro que os impactos humanos tem efeito direto e indireto para que a maior floresta tropical do mundo deixe de fornecer um serviço climático e passe a contribuir para o aquecimento do clima global”.

Amazônia – A Bacia Amazônica contém a maior floresta tropical do mundo, que representa mais de 60% das florestas tropicais remanescentes do mundo. Na Bacia Amazônica, dezenas de milhões de pessoas dependem dos serviços oferecidos pela floresta e a Amazônia é o lar de mais espécies de plantas e animais do que qualquer outro ecossistema terrestre do planeta.

Texto: Kirsten Weymouth (National Geographic e Rolex) – Tradução e edição: Brenda Taketa

PUBLICADO EM:   MUSEU GOELDI 

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