Foz do Breu, AC/ Manaus, AM ‒ Parte XXXI
A Terceira Margem! III
Busquei suporte junto às autoridades locais, quem sabe? Se não conseguir, pagarei o transporte das embarcações de meu próprio bolso como fiz com as passagens da equipe de apoio. O que mais poderia fazer? As dificuldades da prestação de contas de Expedições Exploratórias por lugares remotos deveriam encontrar o devido amparo em Lei. Como exigir de um ribeirinho a Nota Fiscal de um cacho de banana ou de um bocado de farinha produzida no seu roçado? Como proceder ao adquirir o combustível na barranca do Rio ou pagar o conserto de um equipamento danificado?
A impossibilidade de prestar contas de pequenas despesas sem documentos que as comprovem foi, desde o início, um dos grandes embaraços que impediram que recebêssemos os recursos prometidos. É interessante observar que as pessoas se surpreendem com nossas jornadas pelos imensos caudais amazônicos sem se dar conta de que a fase mais difícil, mais complexa e que exige maior esforço é justamente a que antecede a Expedição. Afastar-me por cinco ou seis meses de casa, deixando uma esposa acamada (vítima de uma AVC) que necessita de cuidados especiais 24 horas por dia, falta de recursos financeiros, dificuldade para o transporte das embarcações e tantos outros itens que não cabe aqui enumerar representam, sem dúvida, a fase mais estressante da jornada.
A era das Expedições e das Bandeiras parece ter findado. Minha aflita alma de desbravador sente uma dor infinda. Poderíamos hoje reverenciar a memória de tantos naturalistas e pesquisadores de outrora se estes encontrassem idênticas dificuldades pecuniárias?
Teriam os Chefes das Comissões de Limites de outrora, Barão de Teffé, Thaumaturgo de Azevedo, Cunha Gomes, Luiz Cruls e tantos outros conseguido cumprir sua missão se precisassem realizar licitações para comprar ou consertar seus equipamentos e embarcações ou adquirir gêneros para sua tropa?
Teria nosso grande Marechal da Paz conseguido implantar milhares de quilômetros de linhas telegráficas se estivesse sujeito à lei das licitações? Como aperfeiçoar a cartografia atual sem perambular pelos ermos sem fim onde não se usa a tal da Nota Fiscal?
Alguns desavisados sustentam que a tecnologia substituirá definitivamente o trabalho de campo. Ledo engano, a nomenclatura e a localização exata dos acidentes naturais e das povoações precisam ser confirmadas “in loco”. Encontrei, nas minhas longas jornadas fluviais, Comunidades com nomes trocados ou demarcados a diversos quilômetros do local real nos mapas do IBGE e DNIT. Aos céticos eu convido a verificar pessoalmente a Cidade de Tamaniquá, margem direita do Solimões, 7 km a jusante da Foz do Rio Juruá, que no mapa do DNIT está representada a montante da dita boca ou ainda a denominação do Rio Jaquirana como Javari. Por isso nossos mapas institucionais apresentam tantas falhas! Como aperfeiçoá-los se não se consegue equacionar estes intermináveis problemas burocráticos?
Uma equipe pequena com equipamentos relativamente simples pode corrigir esses pequenos erros, percorrendo trilhas e Rios e entrevistando a população local, mas às autoridades só interessam projetos de alto custo, desde que possam justificar seus gastos dentro das normas legais.
Prossiga na Missão! (Gen Ex Silva e Luna)
O desânimo começava a querer tomar conta de todo o meu ser quando do recente pretérito uma voz tonitruante vociferou: Prossiga na Missão! Aqueles que me conhecem sabem que a palavra desistir nunca fez parte do meu cotidiano. Felizmente a experiência, patriotismo e boa vontade prevaleceram e foram, finalmente, afastadas de vez as brumas que toldavam o horizonte e pouco a pouco pude vislumbrar a “Terceira Margem”.
Nas tuas águas afogo meus desesperares, meus desencantos, meus amores sofridos. No aconchegante embalo de tuas ondas encontrei forças para perseverar e enfrentar minhas angústias e meu desânimo. Tua imensidão me abraça e conforta, tuas tranquilas águas me acalmam e me aproximam da Terceira Margem. Tuas águas revoltas mostram a rota da humildade que devo seguir e a névoa que te cobre nas frígidas manhãs de inverno trazem sinais de esperança nos horizontes que aos poucos se revelam.
(Hiram Reis)
Há mais de dois anos, o 8° BEC tem-nos apoiado Mar. Desta feita, o Tenente-Coronel Sérgio Henrique Codelo, além de providenciar o transporte do caiaque e de uma voadeira de apoio, permitiu que dois membros de seu Grupo Fluvial participassem da Expedição.
Às 13h30, de 07.12.2012, desembarcaram em Cruzeiro do Sul os valorosos nautas MÁRIO Elder Guimarães Marinho e MARÇAL Washington Barbosa Santos.
Acontecimento
(Vinicius de Moraes)
Haverá na face de todos um profundo assombro e na face de alguns, risos sutis cheios de reserva.
Muitos se reunirão em lugares desertos e falarão em voz baixa em novos possíveis milagres como se o milagre tivesse realmente se realizado.
Muitos sentirão alegria. Porque deles é o primeiro milagre. Muitos sentirão inveja e darão o óbolo do fariseu com ares humildes.
Muitos não compreenderão, porque suas inteligências vão somente até os processos e já existem nos processos tantas dificuldades…
Alguns verão e julgarão com a alma, outros verão e julgarão com a alma que eles não têm, ouvirão apenas dizer… Será belo e será ridículo.
Haverá quem mude como os ventos, e haverá quem permaneça na pureza dos rochedos.
No meio de todos eu ouvirei calado e atento, comovido e risonho escutando verdades e mentiras, mas não dizendo nada.
Só a alegria de alguns compreenderem bastará, porque tudo aconteceu para que eles compreendessem que as águas mais turvas contêm, às vezes, as pérolas mais belas.
Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 18.02.2021 – um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
- Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
- Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
- Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
- Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
- Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
- Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
- Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
- Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
- Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
- Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
- Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
- Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
- Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
- E-mail: [email protected].