A Terceira Margem – Parte DCIV

Jornada Pantaneira

Antônia (Jovita) Alves Feitosa

Mulheres Guerreiras – Parte VII

Valquírias Americanas

Antônia (Jovita) Alves Feitosa – Parte IV

Vamos, a seguir, repercutir algumas reportagens dedicadas à nossa “Voluntária da Pátria”:

Correio Paulistano n° 2.843
São Paulo, SP – Sexta-feira, 17.11.1865
O Brado da Virgem
(Recitativo Patriótico, Oferecido às Senhoras Brasileiras por Francisco Muniz Barreto)

À Guerra, à Guerra meu Brasil ingente!
Oh! Não desmente o teu passado, não!
À Guerra, à Guerra! lá no Sul teu povo
Levante um novo marcial padrão!

Ouve, a bombarda ([1]) a combater te chama…
Bem alto a fama te apregoa já:
De Riachuelo e Paysandu na história
Já tua glória eternizada está.

Teus bravos filhos à peleja corram;
Vençam, ou morram; que assim quer o céu:
Quem os gemidos da mãe Pátria escuta,
E foge à luta, de alto crime é réu.

Rompa, espedace o brasileiro gládio,
Dos seus paládio, ao paraguaio arnês ([2])!
Brazil! A afronta, que hás sofrido, prava ([3]),
No sangue lava do feroz López!

Com essa de Palas ([4]), multidão galharda,
Que vai a farda da Milícia honrar,
Voa às muralha Humaitá derruba
Com a crespa juba, meu leão sem par!

Perigos, refregas denodado arrosta!
Castiga, prostra de Assunção o bei ([5])!
Para ensinar-te da vitória os trilhos,
Com seus dois filhos lá está teu Rei.

Rasgo sublime de amor santo e fundo
Pedro Segundo praticou por nós
Lá troca o cetro pela régia espada,
Que herdara honrada, de seu Pai e Avós.

À sua Pátria sacrifica a vida,
Vendo-a invadida pelo inimigo audaz;
Esposa, filhas, tudo esquece, e parte,
Anjo de Marte, como o é da Paz.

Pátria, os teus brios mais e mais se expandam!
Ao Sul nos mandam Natureza e Deus:
À voz de ‒ Guerra ‒ que nos vem de cima,
Nenhum se exima dos bons filhos teus.

Êmulos surjam de Marcílio Dias
Nessas porfias de mavórcio ([6]) ardor;
Cada um dos nossos, na naval peleja,
Barroso seja no imortal valor.

Virgens e donas da Brasileia terra,
Também à guerra devereis correr,
Se por ventura masculinos braços
Forem escassos pra o Brasil vencer.

Mães, vossos filhos, exortai, no entanto,
Ao prélio Santo, que nos vai remir
Dessa invasão do paraguaio corvo,
Que a fome, torvo ([7]), quer em nós nutrir.

Irmãs, esposas, ao combate, ardidos.
Vossos maridos, deixai ir e irmãos!
Oh! pelo Céu! não vos tomeis de amores,
Nem de temores pueris e vãos!

Eia, patrícias! Varonil pujança.
Não conte a França em suas filhas só;
Dela e de Roma feminis proezas
Obrai, acesas do Brasil em pró!

Segui o exemplo, que, valente, abre
Jovita, o sabre a manear gentil;
Ide com ela, de clavina ([8]) ao ombro,
Fazer o assombro do gaúcho vil!

Brasília ([9]) guarda nacional briosa,
Que já famosa em teu civismo és,
Vai retomar ao Paraguai teu solo,
Da hidra o colo, machucar aos pés ([10])!

Vai! Lá te espera o nosso sábio e justo
Irmão augusto e desvelado pai…
Por ti milícia cidadã bendita,
A Pátria grita: defendê-la vai!

Brazil! Ao insulto inesperado, amargo,
Do teu letargo despertaste enfim…
Em ti não mais inércia tal se aponte;
Não mais te afronte o estrangeiro assim!

Não mais te oprimam dolorosas fases,
Formoso Oásis dos amores meus!
Longe discórdias e fatal cobiça!
Pátria! Justiça, Monarquia e Deus! (CP N° 2.843)

O escritor Joaquim Maria Machado de Assis mani­festou sua sexista opinião, concorde com a sociedade da época, a respeito da participação das mulheres na Guerra do Paraguai:

Diário do Rio de Janeiro n° 32
Rio de Janeiro, RJ – Terça-feira, 07.02.1865
Folhetim – Ao Acaso (Revista da Semana)

Dedico este folhetim às Damas. […]
Mas não é neste ponto de vista que eu venho hoje falar das damas. Deixemos em paz os amantes e os moralistas. Não entrais hoje neste folhetim, minhas senhoras, como Julietas ou Desdemonas ([11]), e sim como Espartanas, como Filipas de Vilhena ([12]), como irmãs de caridade.

A bem dizer é uma reparação. Já falei dos “Voluntários”; já consagrei algumas palavras de homenagem aos corações patrióticos que, na hora do perigo, esqueceram-se de tudo, para correr à defesa da Pátria. Mas, nada escrevi a respeito das damas, e quero hoje reparar a falta, começando por aí e dedicando às damas estas humildes colunas.

Não nascestes para a Guerra, isto é, para a guerra da pólvora e da espingarda. Nascestes para outra Guerra, em que a mais inábil e a menos valente vale por dois Aquiles. De qualquer modo, ajudais os ho­mens. Uma como mãe espartana, arma o filho e manda para a Batalha; outras bordam uma bandeira e entregam aos soldados; outras costuram as fardas dos valentes; outras dilaceram as próprias saias para encher cartuchos; outras preparam os fios para os hospitais; outras juncam de flores o caminho dos bravos.

Voltará aquele filho antes da desafronta da Pátria? Deixarão os soldados que lhes arranquem aquela bandeira? Entregarão as fardas que os vestem? Sentirão os ferimentos quando aqueles fios os vão curar? […] Não tendes uma espada, tendes uma agulha; não comandais um regimento, formais coragens, não fa­zeis um assalto, fazeis uma oração; não distribuis medalhas, espalhais flores, e estais, podeis estar certas, haverão de lembrar quando forem secas, os feitos passados e as vitórias do País. (DRJ N° 32)

A negativa da Secretaria de Estado dos Negócios da Guerra, em 16.09.1865, enuviou a imagem da destemida “Voluntária” imergindo sua sedutora e deste­mida figura em uma série de eventos que culminaram com um fim trágico.

Publicador Maranhense n° 253
São Luís, MA – Terça-feira, 05.11.1867

Suicídio – Lê-se no Jornal do Commercio: – Suici­dou-se anteontem de tarde, na casa da praia do Russell n° 43, Jovita Alves Feitosa, natural do Ceará, a mesma que viera para esta Corte com o posto de Sargento em um Batalhão de Voluntários daquela Província, e que tendo depois tido baixa, aqui ficou. A respeito deste trágico acontecimento e dos motivos que levarão aquela infeliz a dar fim aos seus dias, comunicou-nos a autoridade competente o seguinte:

Jovita entretinha há algum tempo relações com Guilherme Noot, engenheiro da companhia “City Improvements” morador com outro engenheiro da mesma companhia na casa acima. Tendo finalizado o tempo do contrato que Noot tinha com a companhia, e devendo ele partir anteontem para à Inglaterra, escreveu, no domingo, à Jovita um bilhete em inglês, no qual despedia-se participando-lhe aquela sua intenção.

Desconhecendo a língua inglesa, e na suposição de que aquele bilhete não continha mais do que a repetição de cumprimentos que o mesmo lhe havia mais de uma vez dirigido em outros escritos em português, Jovita não se deu pressa em procurar quem lho traduzisse.

Anteontem de manhã, indo alguém à rua das Mangueiras n° 36, onde morava a infeliz, disse-lhe que Noot havia partido no paquete inglês “Oneida”, notícia esta que causou-lhe surpresa e desassossego tais que uma mulher que com ela morava, temendo algum desatino da sua parte, procurou tranquilizá-la, dizendo-lhe que talvez não fosse Verdade.

Pouco depois de 2 horas da tarde fez Jovita chamar um carro, e vestida com todo o esmero, nele entrou, mandando que a conduzissem à casa indicada na praia do Russell, onde chegando e sabendo de uma preta que com efeito Noot havia partido e que seu companheiro não se achava em casa, entrou no quarto que fora habitado por aquele a quem procurara, e tendo pedido um envelope nele meteu alguns papeis endereçados a Noot, entregou-os pre­ta com a recomendação de remetê-lo, e sentou-se na cama que ali havia, retirando-se a preta.

Às 5½ horas, vendo a preta que a moça ainda se conservava no quarto, ali penetrou e encontrando-a deitada na cama com a mão direita sobre o coração e parecendo presa do algum ataque, tentou reanimá-la chegando-lhe ao nariz um vidro com água de colônia, depois do que procurou levantá-la e viu então que a mão colocada sobre o coração apertava um punhal nele cravado até às guardas. Foi então chamado o Dr. Façanha, subdelegado da Glória, o qual ajudado pelo respectivo médico verificador dos óbitos, Dr. Goulart, procedeu à autopsia no cadáver, verificando ter o punhal penetrado na região precordial, entre a 4ª e a 5ª costela, ferindo ligeiramente o bordo do pulmão esquerdo o indo penetrar na cavidade esquerda do coração. No bolso esquerdo do vestido da suicida foi encontrado um bilhete por ela escrito, declarando que ninguém a havia ofendido e que matava-se por motivos que só dela e de Deus então conhecidos. Ao sair de sua casa Jovita despedira-se da mulher que com ela morava, dizendo-lhe: “Adeus até nunca mais nunca”. (PUBLICADOR MARANHENSE N° 253)

Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 26.06.2023 – um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.

Bibliografia  

CP, N° 2.843. Notícias da Expedição de Mato Grosso ‒ Brasil – São Paulo, SP ‒ Correio Paulistano, n° 2.843, 17.11.1865.

DRJ N° 32. Folhetim – Ao Acaso – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Diário do Rio de Janeiro n° 32, 07.02.1865.

PUBLICADOR MARANHENSE n° 253. Suicídio – Brasil – São Luís, MA – Publicador Maranhense n° 253 05.11.1867   

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;  

  • Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
  • Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
  • Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
  • Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
  • Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
  • Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
  • Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
  • Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
  • Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
  • Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
  • Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
  • Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
  • Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
  • E-mail: hiramrsilva@gmail.com.

[1]    Bombarda: morteiro que arremessava grandes pedras. (Hiram Reis)

[2]    Arnês: armadura. (Hiram Reis)

[3]    Prava: cruel. (Hiram Reis)

[4]    Palas Arena: deusa da sabedoria, da estratégia em batalha… (Hiram Reis)

[5]    Bei: Governador de província muçulmana. (Hiram Reis)

[6]    Mavórcio: marcial. (Hiram Reis)

[7]    Torvo: terrível. (Hiram Reis)

[8]    Clavina: carabina utilizada pela tropa de cavalaria no século XVIII. (Hiram Reis)

[9]    Brasília: brasileira, brasiliana, brasílica. (Hiram Reis)

[10]  “Aos pés do vencedor obediente” “O colo oferece a áspera corrente” ‒ Ode a Afonso de Albuquerque – João Ignácio da Silva Alvarenga, 1811. (Hiram Reis)

[11]  Peça baseada em Otelo ‒ O Mouro de Veneza, de William Shakespeare escrita nos idos de 1603. (Hiram Reis)

[12]  D. Filipa de Vilhena, Marquesa de Atouguia, considerada, pelos portugueses, um dos seus maiores símbolos do patriotismo. (H. Reis)

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