A Terceira Margem – Parte DXCI

Jornada Pantaneira

Hiram Reis e Silva – O canoeiro

Francisco Solano López (Biografia)
Parte VI

VI

Depois da funesta ação de Curupaití, quatro meses decorreram sem que nenhum novo ataque fosse tentado de parte a parte. Apenas a Esquadra Bra­sileira não cessava os formidáveis bombardeios, ten­do havido dias em que laçou mais de quatro mil projetis sobre as fortificações paraguaias. O Gen Diaz costumava galhofar desse fogo contínuo, e, aprego­ando a inocuidade do divertimento dos brasileiros, afrontava, sentado nas muralhas das fortificações bombardeadas, a chuva das granadas que caiam por toda a parte e que ele dizia inofensivas e impres­táveis mesmo para dar lume ao seu cigarro.

Na manhã de 20.01.1867, em companhia de alguns ajudantes embarcou o arrogante oficial em uma pequena canoa e foi pescar no Rio Paraguai nas pro­ximidades de Curupaití que a esquadra bombarde­ava. Logo que a canoa foi vista, de bordo de um dos navios brasileiros rebentou a fumarada de tiro e um projétil enorme explodiu sobre a embarcação que espedaçou, ferindo gravemente a dois oficiais e arrojando Diaz no meio da corrente. Salvo pelo seu ordenança José Cuti, foi o General, tendo na perna direita grave ferimento, levado à sua barraca. López, logo que teve ciência do desastrado sucesso, fez cercar o amigo de todos os cuidados médicos, entregando-o ao Dr. Skiner, o melhor cirurgião do país, que procedeu à amputação da perna ferida.

Logo que se tornou possível foi Diaz trasladado em carruagem para o Quartel General, em Passo Pucú, onde foi tratado com especial atenção, aos olhos de López que velava horas inteiras junto do seu leito.

Duas semanas se passaram na alternativa da esperança e da dúvida. Ao fim desse tempo porém, graves sintomas sobrevieram e a morte tornou-se inevitável.

Aos 7 de fevereiro, pediu o moribundo que o deixassem só com o fiel Cuti, que ainda lhe não havia abandonado a cabeceira um só instante. Ao velho ordenança comunicou suas disposições de última vontade, recomendando que no caixão fúnebre colocasse, no lugar próprio, a perna amputada que havia sido convenientemente embal­samada.

Dadas todas as instruções ao caboclo, pediu que o vestisse todo com a farda de General e logo que foi satisfeito esse desejo mandou chamar o Marechal. López compareceu imediatamente e, alguns minutos depois, Diaz expirava, tendo comunicado ao seu amigo e senhor que ordenara ao Sargento Cuti que depois dos seus funerais lhe fizesse entrega da espada que ele ainda trazia à cinta. Havia sido presente de López, após a batalha de Corrales e ele a tinha desembainhado em 2 e 24 de maio, em Sauce, em Curupaití. Era tudo o que possuía.

Seu último desejo foi despedir-se do Exército que devia desfilar ante seu corpo, logo em seguida à sua morte. López porém, contrariou essa póstuma vonta­de, com o intuito, talvez, de ocultar o desapare­cimento do prestimoso guerreiro, como sistemati­camente costumava fazer em relação aos mais notá­veis sucessos da Campanha.

Às duas horas da madrugada, foi o corpo do General transportado a ombro até Humaitá, seguindo pelo Rio para Assunção, onde lhe foram feitos os mais solenes e opulentos funerais que jamais se realiza­ram naquela terra. Nem igual os haviam tido o ditador Francia e o presidente Carlos Antonio López.

Conta-se que as Forças Aliadas quando entraram triunfantes em Assunção, após cinco anos de um pelejar sem tréguas, entregaram-se aos mais conde­náveis excessos, não respeitando mesmo o sagrado retiro em que repousam os mortos.

O mausoléu que recolhia o corpo do legendário caudilho foi porém, religiosamente respeitado. A soldadesca embriagada pela vitória, na sua infrene ([1]) destruição, não ousou tocar no sarcófago do valente inimigo. Posteriormente porém, esse monu­mento fúnebre que havia merecido o respeito de adversários triunfadores, foi profanado irreverente­mente pelo próprio governo do Paraguai.

D. Candido Barreiro, quando Presidente, fez abrir o mausoléu sagrado e nele colocou, junto ao corpo do morto batalhador, o cadáver de Francisco Lino Cabriza, um sicofanta ([2])…

Rodrigo Octavio (LANGGAARD MENESES)

Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 26.05.2023 – um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.

Bibliografia 

LANGGAARD MENESES, Rodrigo Octavio de. Homens e Coisas do Paraguai – Solano López e José Diaz – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Revista Brasileira – Sociedade Revista Brasileira – Segundo Ano – Tomo VI, 1896.

 (*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;   

  • Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
  • Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
  • Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
  • Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
  • Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
  • Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
  • Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
  • Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
  • Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
  • Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
  • Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
  • Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
  • Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
  • E-mail: hiramrsilva@gmail.com.

[1]    Infrene: descontrolada. (Hiram Reis)

[2]    Sicofanta: mentiroso, patife, velhaco. (Hiram Reis)

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