A Terceira Margem – Parte DLXII

Jornada Pantaneira

Marcha dos Dez mil

A Marcha dos Dez Mil

Hino de Mato Grosso
(Dom Francisco de Aquino Corrêa)

[…] Ouve, pois, nossas juras solenes
De fazermos em paz e união
Teu progresso imortal como a Fênix
Que ainda timbra o teu nobre Brasão. […]

O Hino foi oficializado pelo Decreto N° 208, de 05.09.1983, adotando a letra do poema “Canção Mato-grossense” de autoria do augusto prelado. O Brasão, por sua vez, criado pela Resolução n° 799, de 14.08.1918, traz, sobre o escudo, ao estilo português, a emblemática imagem de uma Fênix, lendária ave que personifica o renascimento, e apresenta sob o escudo o memorável e inspirador dístico latino “Virtute Plusquam Auro” ‒ “Pela Virtude Mais que Pelo Ouro”.

Brasão do Mato Grosso

Dom Aquino Corrêa criou, em 1919, o Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso, do qual foi eleito Presidente Perpétuo, tendo publicado na Revista do Instituto, no mesmo ano, o soneto intitulado “A Retirada da Laguna”. Fundou, também, em 1921, a Academia Mato-grossense de Letras na qual foi aclamado, por unanimidade, Presidente de Honra. Dom Aquino compara a Retirada da Laguna à Marcha dos Dez Mil mercenários gregos que realizaram aquele que ficou conhecido como o primeiro e mais famoso Movimento Retrógrado da história.

A Retirada da Laguna
(Dom Francisco de Aquino Corrêa)

Fora tão bela e heroica essa avançada!
Trazíeis tantos louros ao Brasil,
Quando eis que o céu e o fogo e a peste irada,
Tudo vos assaltou com fúria hostil!

Martírio atroz! Toda essa terra amada
Banhou-se em vosso sangue tão gentil!
Ah! Fostes mais heróis na Retirada
Do que batendo a fera em seu covil!

Qual outrora os Dez Mil, vendo raiar,
Ao longe, o azul da imensidade equórea (alto mar),
Romperam neste grito: O Mar! O Mar!
Assim vós, ao entrardes para a História,
Que então se vos abriu, de par em par,
Fostes cantando: a Glória! a Glória!

A Marcha dos Dez Mil

Marcha dos Dez mil

Os “Dez Mil Gregos”, que haviam seguido o estan­darte do ambicioso príncipe persa, achavam-se a mais de 600 léguas distantes da Grécia, num país inimigo, sem provisões, sem dinheiro, sem chefes, e cercados por toda a parte de um inimigo vitorioso. Xenofonte foi eleito numa junta de oficiais para diri­gir a retirada dos “Dez mil” soldados, e salvá-los de tão perigosa situação; a eloquência persuasiva, ativi­dade, valor, e talentos de Xenofonte acreditaram o acerto da eleição.

Em toda a ocasião se mostrou superior aos perigos, na passagem de Rios caudalosos, nos vastos deser­tos, sobre cadeias de montanhas, e nos contínuos ataques de um inimigo orgulhoso e vigilante, triun­faram os talentos do herói grego.

Sem mais recursos que a sua prudência, e a afetuosa obediência das suas tropas, conseguiu, no fim de uma marcha perigosa de 215 dias, conduzir os seus companheiros à Grécia, onde se julgava que todos haviam perecido. (O ARQUIVO POPULAR)

Marcha dos Dez mil

A fantástica Marcha, Retirada ou Avançada, como preferem alguns, é relatada pelo historiador, mili­tar e filósofo Xenofonte no épico “Anábasis”, que conta a história dos “Dez Mil” mercenários gregos comanda­dos por Ciro, “o Jovem”, e que após a sua morte na Batalha de Cunaxa e a traiçoeira execução, pelos per­sas, do espartano Clearcus e de vários chefes helenos se veem obrigados a recuar e atravessar o Império Persa, comandados por Xenofonte e Cheirisophus. Os expedicionários empreenderam uma jornada de 600 léguas ([1]), em apenas 215 dias, cruzando os territórios hoje conhecidos como Armênia, Geórgia, Curdistão, Macrônia chegando à colônia helênica de Trapezus, às margens do Mar Negro. Neste trajeto os combatentes, durante toda a jornada, enfrentaram as forças persas, sofreram emboscadas promovidas por tribos rivais, arrostaram afanosos obstáculos naturais, suportaram o cansaço, a neve, o frio e tiveram de tomar de assalto várias Fortalezas e Vilas para debelar a fome que os assediava. Ao, finalmente, avistarem as praias do Ponto Euxino ([2]), do alto do monte Theches, os 6.000 guer­reiros gregos sobreviventes, gritaram: “Thalassa! Thalassa!” ‒ “O Mar! O Mar!” (Anábasis, IV).

Manifestação singular que se transformou em um brado que evoca a superação dos limites humanos, digno apenas dos mais fortes, audazes, disciplinados e acima de tudo determinados. O heroísmo dos Expedi­cionários helenos e brasileiros ganhou, nas suas res­pectivas épocas, merecidas páginas de glória em prosa e verso. Affonso Celso de Assis Figueiredo Júnior, professor, poeta, historiador e político brasileiro, no seu livro “Porque me Ufano do meu País”, dedica um capítulo especial à “Retirada da Laguna” onde compara, também esta odisseia com a marcha dos Dez Mil:

XXXV
A Retirada da Laguna

Um dos feitos mais gloriosos da história universal é a retirada através da Ásia Menor, quatro séculos antes de Cristo, de dez mil gregos que tinham ido comba­ter a favor de Ciro, o jovem. Vendo-se sem recursos em país estrangeiro, à grande distância da sua pátria, rodeados de inimigos que lhes assassinam traiçoeiramente os generais, prestes estavam a render-se, quando lhes assume o comando o moço Xenofonte e lhes dirige a viagem de 600 léguas, em 122 dias, por países bárbaros e desconhecidos, supe­rando os mil obstáculos acumulados pela perfídia de gentes adversas, pelas intempéries de rigorosos climas e pela natureza aspérrima.

Graças à coragem, prudência e sabedoria dos chefes, bem como à perseverança e disciplina dos soldados, atravessam vales, montanhas, rios; vencem traições, assaltos, falta de víveres, discórdias, toda sorte de perigos; chegam enfim a salvamento. E Xenofonte se imortaliza escrevendo os episódios do cometimento em que fora parte importante.

A nossa história regista sucesso análogo, em que as tropas brasileiras mostraram constância e heroísmo, iguais, senão superiores, aos dos gregos, sustentando luta mais terrível, passando por maiores riscos, arrostando piores provações. (CELSO)

É importante rememorar os feitos do passado para que um dia, passados os melancólicos e vergo­nhosos momentos presentes, fundamentados nos mais probos exemplos pretéritos possamos encontrar nova­mente nosso caminho rumo ao futuro depois de um longo, sinistro e desqualificado período que ficará conhecido “ad æternum” como essas últimas hodiernas “três décadas perdidas”.

Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 20.03.2023 –  um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.

Bibliografia   

O ARQUIVO POPULAR (Volume 5). Leituras de Instrução e Recreio – Semanário Pitoresco ‒ Portugal ‒ Lisboa ‒ Tipografia de A. J. C. da Cruz, 1841. 

CELSO, Affonso. Porque me Ufano do meu País ‒ Brasil ‒ Rio de Janeiro, RJ ‒ H. Garnier, Livreiro-Editor, 1918. 

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;  

  • Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
  • Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
  • Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
  • Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
  • Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
  • Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
  • Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
  • Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
  • Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
  • Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
  • Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
  • Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
  • Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
  • E-mail: hiramrsilva@gmail.com.

[1]    600 léguas, 1 légua terrestre antiga = 6.660 metros, donde 600 léguas = 3.996 km. (Hiram Reis)

[2]    Ponto Euxino: o Mar Negro, ou Mar Maior, assim chamado de “Pontus”, que poeticamente significa qualquer Mar, “Exochis”, que no Grego vale o mesmo que excelência; por que, segundo Estrabão, o Ponto Euxino merece o nome de Mar por excelência. (MARQUES).

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