Os Modismos e o Dinossauro

Uma Mensagem de Meu Caro Mestre
Amigo e Irmão Cel Eng Higino Veiga Macedo 

Como pesquisador e leitor compulsivo de livros histórico e raros sempre fui avesso aos modismos que desfazendo de nossos heróis e fastos pretéritos tentam adaptar datas históricas, letras de hinos consagrados e até os nomes de batismo de personagens relevantes atendendo aos reclames momentâneos do “politicamente correto” ou atualizações ortográficas totalmente irrelevantes.

Hiram Reis e Silva – O canoeiro

Concordando em gênero, número e grau com meu Mestre Higino apresento mais um de seus contundentes artigos.

OS MODISMOS E O DINOSSAURO 

(Por Cel Eng Higino Veiga Macedo) 

Nos últimos trinta anos, vivemos momentos de modismo. Alguém fala alguma coisa, que soa agradável aos ouvidos, ou que é retumbante na defesa de ideologia e a fala se torna a palavra da moda. É o que Gramsci nomeia de a “luta pela hegemonia”, ou seja, repete-se até que a ideia seja hegemônica: gera uma verdade que não resta argumento contra. Depois, “lenta e gradual utiliza-se dos instrumentos legais e políticos da democracia para, de forma pacífica e sorrateira, minar e enfraquecer as principais trincheiras democráticas: Executivo, Legislativo, Judiciário, Forças Armadas, Religião e Família. Usando a propaganda subliminar, o populismo e a demagogia, as consciências são entorpecidas e é criada a sociedade massificada para a luta pela hegemonia” ([1]). A mesma técnica que Goebbels usou.

Ouvi ou li certa vez que as coisas estatais, ou, as não privadas, não se podem dar ao luxo de modismos passageiros e fúteis. O privado, se não der certo, repassa o prejuízo ao cliente final. O Estado não tem cliente final para repassar erros. Em particular a Força Armada ([2]). Qualquer história nacional, de qualquer povo, começa pelos feitos de sua Força Armada. E muitas nações tem sua história na história de suas forças. O Estado, e junto sua força armada, há que ser como dinossauro: a ordem começa no cérebro e leva uma década para chegar à cauda. É o tempo de amadurecer a coisa concebida e entender se é boa ou má e eliminá-la ou aplicá-la.

E onde entra Gramsci e Goebbels nisso? Eles praticavam a dialética “materialística”: dê um nome qualquer, pois logo aparecerá outro de antítese e o nome velho, ideia, conceito morrerá antes de amadurecer e ser avaliada se boa ou má. Exemplo?  negacionismo… sustentável… preconceito reverso… pulmão do mundo… genocida… relação tóxica…

Por falta de pensadores, e por pertencer à sua sociedade, no Brasil o Exército tem praticado vários modismos. Pior: abraçado ao que o “gramscismo” concebeu como “politicamente correto”. Mesmo que isso permita mutilar tradições, criações, histórias (até pátria). Há que se lembrar que até o cerimonial de Incorporação da Bandeira Nacional à tropa e a Desincorporação da Bandeira, em nome da agilidade, não é feita com rito, mas ao bel prazer que o momento permite. Lembro-me de um bem recente modismo inventado no Japão: sistema 5S… Em Manaus se resolvia tudo com 3S: Sim, senhor! Selva!… Esse 5S foi uma desgraça para os arquivos históricos de OM.

Mas o fulcro que quero chegar é dos modismos de mutilação de canções. Sem muita informação de autores e compositores, restrinjo-me ao que eu assisti e ou ouvi. Inicio com a Canção do Soldado; passo pela Canção Soldado da Amazônia; pela Canção do 5º BEC e encerro com a Canção da Academia Militar das Agulhas Negras.

CANÇÃO DO SOLDADO. 

A canção, a música, já tinha sua vida como a marcha Capitão Cassulo, ou Caçulo – há as duas grafias. Uma música com autoria confusa e letra do Coronel Alberto Augusto Martins. O título da letra, inicialmente, teve nome de “Da Pátria Guardas”; depois: Amor febril, Canção do Soldado… Em entrevista em 1949, o Coronel Augusto Martins disse que a música foi usada em “prol da instituição do serviço militar obrigatório para todos os brasileiros, que foi iniciada em 1916, e que contou com a colaboração dos mais destacados intelectuais, jornalistas e poetas da época, inclusive do grande bardo Olavo Bilac ([3])”. A canção foi usada para “alavancar” (palavra fora de moda) o Serviço Militar. Fora cantada, pelo Brasil todo: em todos os quartéis, Grupos Escolares, Ginásios e Colégios como Canção do Soldado. Foi gravada em disco por cantores renomados. Acho a melhor gravação com Inezita Barroso.

Penso que foi na década de setenta, do século passado, que passou a ser oficialmente a Canção do Exército. Mas, para serem linguisticamente correto… mexeram na letra… As justificativas, eu nunca as vi.

Pelo que se vê, apenas para ajustar a rima entre “encerra” e “terra”.

CANÇÃO SOLDADO DA AMAZÔNIA 

Quando cheguei a Porto Velho, em 1974, se cantava a Canção da Fronteira. Letra: TC OSWALDO DO PAÇO MATTOSO MAIA; a autoria da música, sem muita certeza, deve ser dele também. Era a canção com que se rompia a marcha, para o avanço na bela e ritualíssima formatura matinal do 5º BEC. Rompias, com forte batida do calcanhar esquerdo no solo no tempo da palavra EIA!

Mais tarde foi adotada como Canção Soldado da Amazônia. Para isso, mexeram na letra. Eia! Foi substituído por Vamos… Também não havia o Selva! Este termo foi criado pelo então comandante do COSAC (Curso de Operações na Selva e Ações de Comando), hoje CIGS (Centro de operações de Guerra na Selva) Jorge Teixeira de Oliveira. Na década de setenta do século passado, SELVA! passou a ser um bordão de cumprimentos formais e informais.

Também pronome interrogativo, afirmativo, interjeição… Pela dificuldade de pesquisa, consegui, com ajuda de amigo estudioso, que a Canção inicialmente não seria regularizada porque os órgãos técnicos não a consideravam adequada. Foi, posteriormente aprovada como Canção do Comando Militar da Amazônia. Isso pela Portaria Nº 18 – SGEX de 08 de julho de 1986; foi alterada pela Portaria Nº 04 SGEX de 29 de abril de 1987, passando a ser Canção do Soldado da Amazônia.

Qual a importância havida na mudança? Difícil de entender.

CANÇÃO DO 5º BEC 

Mexeram também na Canção do 5º BEC. Talvez tenha sido esta canção que me fez definir ser um Sapador de Engenharia. Para ser politicamente correto e contentar os governos marxistas que assaltaram o Brasil, a partir de Collor de Melo, mexeram na letra. Esta canção custou, para ser oficializada por ser a música do Panzer (canção panzerlied – em português, “hino dos blindados”), que o universo marxista coloca no mesmo saco do nazismo. Havia o que a tropa chama de “cagaço”, palavra chula, mas pertinente por se ter dela uma definição matemática. ([4]) Sei apenas a autoria da letra – o então Capitão de Engenharia Pastor (Lauro Augusto Andrade Pastor Almeida). Para a aprovação da música, para retirar seu ranço nazista e não chocar os governantes, diminuíram o andamento da música tornando-a arrastada, de modo a fugir do tom vibrante e altamente marcial que a canção em alemão produz.

Como se para DESBRAVAR não necessitasse DERRUBAR!!!

Não consegui os documentos de aprovação e alteração.

CANÇÃO DA ACADEMIA MILITAR DA AGULHAS NEGRAS. 

Também sem precisar a data, mexeram na Canção da Academia Militar das Agulhas Negras. Em vaga lembrança o é pela Segunda vez. A letra inicial do Cadete Hildo Rangel, tinha alguma coisa da incipiente aviação militar. Com a criação do Ministério da Aeronáutica, foi retirado o verso da aviação e ficou a lacuna completada com ASSOBIO.

Como Cadete aprendi cantá-la assim: com assobio. Já bem depois de eu tenente, mexeram de novo, para acrescentar na letra a Material Bélico e as Comunicações, especialidades que não existia quando o autor compôs a letra. Para cantar ficou difícil, hoje. O ritmo da música não casa com o ritmo da poesia, da letra. Logo, logo mexerão novamente, pois agora se tem o seguimento feminino das armas operacionais. E há quem defende a criação da Logística (arma ou serviço), unificando Intendência e Material Bélico. Mais uma mexida provável.

Finalizando, a discografia, de canções militares, ainda é bastante deficiente. É difícil se ter o histórico de letras e músicas, bem como a biografia dos autores.

Assim, sem respeitar a obra, vão mutilando tudo. Claro, dirão os burocratas: “com o devido consentimento do autor ou dos familiares descendentes”. De fato: ou deixa mudar ou não será mais a canção. Argumento curto e convincente.

Ainda bem que a obra de Leonardo da Vinci está longe dos nossos burocratas. Logo apareceria um “especialista” para sugerir que se mudasse um pouco a boca da Mona Lisa que mantem aquele sorriso enigmático que a personaliza. Talvez até diminuir sua careca. Ou, as pirâmides egípcias e assim desmonta-las; ou quem sabe pintá-las nas cores heráldicas de alguém. Para arma de engenharia determinaram a camuflagem de uma usina de asfalto.

E o que levanto refere-se às letras. Não duvido que as notas e arranjos das músicas tenham sido mutilados também. Disso nada entendo.

Tudo poderia ficar como era. Foi uma pena que pseudo-intelectuais tenham tanto poder capaz de fazer tais mutilações e apenas para se portar como defensor da língua portuguesa, língua que a todo o momento, sofre mudanças ridículas, sem nenhum sentido prático. Se as letras continham erros, que tais erros fossem seu registro de nascimento e sua marca característica. Os portugueses, proprietários do idioma que falamos, idioma aqui defendido por tais intelectuais, tem como seu Hino Nacional uma canção, de marinheiros, medieval. A idade dessa canção se perde no tempo quando nem oficial e pura era a língua portuguesa. “A Portuguesa”, hino nacional Português, só em 1910 foi oficialmente adotada, pelo Governo da República, como HINO NACIONAL.

Algum politicamente correto poderá alegar que as mudanças foram pequenas e não tiraram a pureza da canção. Se foram pequenas, então porque não mantê-las? Esqueceram que um Exército é permanente, perene e as autoridades estão autoridades não são autoridades e de passagens efêmeras; as ideologias são cíclicas e dialéticas. As obras, estas são perenes. Se um Exército não consegue resguardar tradições, o que esperar do povo!

Os modismos não podem vencer o dinossauro.

Higino

Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 31.05.2021 –  um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem. 

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;  

  • Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
  • Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA) (2000 a 2012);
  • Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
  • Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
  • Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
  • Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
  • Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
  • Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
  • Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
  • Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
  • Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
  • Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
  • Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
  • E-mail: [email protected].