SDDH questiona diminuição da violência alegada pelo governo

A Secretaria de Estado de Segurança Pública (Segup) garante, com base em estatísticas, que reduziu os índices de criminalidade no Pará, mas a realidade tanto na capital quanto no interior suscitam ressalvas e, às vezes, a desconfiança da sociedade. “A população percebeu que caiu o índice de criminalidade? Se você perguntar a qualquer cidadão paraense, de qualquer classe social, religião, gênero ou idade, vai verificar que estes números ainda são pouco significativos”, diz a vice-presidente da Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH), Eliana Fonseca Pereira, que considera pouco convincente a afirmação baseada apenas nas estatísticas criminais.

“Pesquisas paralelas, principalmente as da universidade, que podem ser realizadas junto aos próprios órgãos de segurança pública, são importantes para que estes dados sejam analisados com maior acuidade e mais precisão”, diz ela, ao destacar que os índices oficiais são importantes, mas precisam de uma análise “pormenorizada dos fenômenos retratados aos interessados pelo tema, como a SDDH e outras instituições, ONGs, comunidade científica em geral e a própria população, que, no final das contas, é quem de fato percebe a redução ou o aumento do índice de criminalidade”.

Eliana diz que, se a população for ouvida, não dirá que houve redução, “pois os índices apresentados ainda são irrisórios e mesmo imperceptíveis para a comunidade em geral”. Por outro lado, ela pondera que os dados devem ser interpretados com prudência, pois estão sujeitos a limites de validade e confiabilidade e retratam mais o processo de notificação de crimes do que o universo dos crimes realmente cometidos num determinado local. Ela lembra, como exemplo, que, em média, os organismos policiais registram apenas um terço dos crimes ocorridos, percentual que varia de acordo com o delito.

“É o chamado fenômeno da subnotificação”, explica Eliana, para frisar que os governos têm em seus registros policiais uma estimativa dos crimes ocorridos, e bastante subestimada. “Na média dos 20 países pesquisados pelo Instituto Europeu de Criminologia da ONU, entre 1988 e 1992, levando em conta dez diferentes tipos de crimes, cerca de 51% dos crimes deixaram de ser comunicados à polícia, variando o percentual em função do tipo de delito”.

Eliana diz que identificar os motivos das vítimas para não notificar os crimes não deve ser deixado em segundo plano, pois em diversos países a taxa de subnotificação é reveladora quanto aos seguintes aspectos: a percepção da vítima quanto ao crime; a percepção da eficiência do sistema policial; a percepção social da confiabilidade do sistema policial; a seriedade ou o montante envolvido no crime; do crime implicar ou não numa situação socialmente vexatória para a vítima; do grau de relacionamento da vítima com o agressor; do bem estar ou não segurado contra roubo; de experiências passadas da vítima com a polícia; da existência de formas alternativas para a resolução do incidente. Dependendo do contexto, portanto, menor será o incentivo para o indivíduo acionar ou comparecer perante a polícia para reportar o crime do qual foi vítima.

Vice-presidente avalia metodologia

A redução das estatísticas oficiais de criminalidade pode refletir tão somente flutuações causadas pelos chamados patrulhões, ou por modificações de ordem legislativa ou administrativa. “Não se pode medir e nem afirmar categoricamente que, a partir da estatística criminal oferecida, é possível provar que de fato houve uma redução nos índices de criminalidade, principalmente no período analisado”, diz Eliana Pereira, para explicar que não contesta os dados da Segup, mas também não os reconhece como indicador para se concluir que a criminalidade está caindo. “Isso é simplista e não condiz com a real situação”, diz ela.

A SDDH atende vítimas de violência (e seus familiares) desde 2003. “Podemos analisar a partir desses atendimentos diários que algumas violações, como a violência contra a mulher, ou contra a criança e o adolescente, o racismo, a homofobia, os crimes por conflitos agrários, a violência policial/institucional ainda precisam ser objetos de políticas públicas eficientes. A situação é pior para a comunidade LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais), que sequer possui alguma salvaguarda legislativa quanto ao crime de homofobia”, destaca.

Para ela, a segurança pública não é só o combate à criminalidade pela polícia e deve incluir também ações preventivas e políticas de respeito aos direitos humanos. “O que é bom para a sociedade é a ampliação das delegacias da mulher, principalmente nos municípios do Pará que ainda não têm este serviço; uma segurança pública aliada à sociedade e participativa na comunidade; polícias preparadas e equipadas e bem remuneradas; garantia de plantões de atendimento nas delegacias em todo Estado; e que os órgãos de segurança pública, a Defensoria Pública, o Ministério Público e o Poder Judiciário de fato funcionem e tenham orçamento para atender as demandas da sociedade. O que é bom para a sociedade é que as políticas de educação, saúde, esporte e lazer sejam garantidas”, diz.

Organismos nacionais sinalizam crescimento da violência

Ouvidor geral da Ordem dos Advogados do Brasil, seção Pará, Oswaldo Coelho diz que não conhece a metodologia de pesquisa da Segup para avaliar a redução da criminalidade. “É que, em geral, as pesquisas de organismos internacionais e nacionais sinalizam que os problemas relacionados à criminalidade têm se agravado, significativamente, no mundo todo, ao longo das últimas décadas”, diz o ouvidor, também coordenador do Grupo de Estudos da Violência da entidade.

Nos países industrializados, explica, as taxas de crime têm aumentado de 300% a 400% desde o fim dos anos 1960. Na América Latina e na Europa Oriental e Ásia Central, as taxas de homicídios têm aumentado em mais de 50% e 100%, respectivamente, só a partir dos anos 1980.

O Pará, segundo o instituto Sangari, teve uma drástica elevação nos seus índices de homicídios de 1988 a 2008: passou de 19º lugar, com 13,3 homicídios por 100 habitantes, para 39,2/100 mil. É o 4º lugar entre os dez Estados mais violentos do Brasil. Itupiranga ocupa o primeiro lugar e Marabá e Goianésia do Pará estão entre os dez municípios mais violentos do Brasil, lembra Oswaldo Coelho.

Ainda segundo ele, Belém, na década citada, teve um incremento de 96% no seu número de homicídios – passou de 16º lugar, com 29,1 homicídios por 100 mil habitantes, para o 7º lugar, com 47,0. Na região Norte ocupa o segundo lugar na lista das cidades mais violentas, depois de Palmas. No Brasil, diz Oswaldo Coelho, os Estados onde os números apresentam queda são São Paulo, cujas estatísticas são acompanhadas por ONGs, diversos observatórios independentes e o Núcleo de Estudos da Violência, da Universidade de São Paulo; e o Rio Janeiro, cuja queda dos índices de criminalidade é impulsionada pelas estatísticas das regiões onde foram estabelecidas as UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora), que mostram sinais de instabilidade, pois necessitam que o governo do Rio de Janeiro comece a atuar com os serviços sociais naquelas áreas.

Ouvidor sugere acompanhamento de dados por órgãos autônomos

Na opinião do ouvidor geral da OAB, o questionamento que se deve fazer é se essa queda no índice da criminalidade, no Pará, terá sustentação. “É que o doutor Luiz Fernandes, o competente secretário de Segurança Pública, tem dito que esses resultados têm sido obtidos pela otimização de gestão, uma vez que, pelas péssimas condições financeiras que o atual governo recebeu a administração pública estadual, não houve condições, até o momento, de se fazer os investimentos necessários na área da segurança pública”, explica Oswaldo Coelho.

Nesse ponto, diz, há de se fazer uma indagação básica: “Qual a estratégia do atual governo para implementar uma política de Estado de segurança pública para obter resultados sustentáveis de combate ao crime a médio e a longo prazos?”. “Para o Estado combater, efetivamente, a criminalidade, precisa implantar políticas públicas de educação, saúde, trabalho, apoio às famílias vivendo à mercê do terror do crime, nas periferias das cidades. Os adolescentes nas comunidades populares estão imensamente expostos à atração pelas rentosas atividades criminosas em consequência da ausência de políticas preventivas, por exemplo, de inserção no primeiro emprego”, afirma Oswaldo.

Perguntado se a OAB tem informações para contestar os dados divulgados pela Segup, o ouvidor sugere que o Instituto de Desenvolvimento Econômico, Social e Ambiental do Pará (Idesp) e as universidades colaborem com pesquisas sobre violência criminal. Segundo ele, o grande desafio é formular e executar políticas de prevenção e redução do crime e da violência. “Para tanto, é de fundamental importância pesquisas que permitam avançar na compreensão das causas desses fenômenos, assim como a geração de bases de dados para monitorar e melhorar o nosso entendimento das tendências espaciais e temporais da criminalidade, na Região Metropolitana de Belém e no resto do Estado”.

Fatores que impulsionam o crime continuam inalterados

Ainda conforme Oswaldo Coelho, as condições materiais e os fatores que impulsionam o crime continuam inalterados: “Por óbvio, os números otimistas apresentados pela Segup não devem se sustentar. Mais cedo ou mais cedo, pode haver uma reversão das expectativas”. Segundo ele, os trabalhadores da segurança pública do Pará atuam em condições muito desfavoráveis: precisam de salários dignos, otimização das suas condições de trabalho, com infraestrutura decente nas unidades policiais e de valorização profissional, por meio de garantia de seus direitos e formação humanista.

No início de maio, o presidente da OAB, Jarbas Vasconcelos, em conjunto com o Grupo de Trabalho de Estudos da Violência da entidade, participou de audiência com o secretário de Segurança Pública e entregou-lhe, como colaboração, a proposta de um plano de segurança pública como política de Estado, fundamentado no Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania, cujos fundamentos são prioridade aos projetos de políticas públicas voltadas para a garantia dos direitos da criança, adolescentes e jovens; e relevo à prevenção da criminalidade, colocando-a no mesmo nível da repressão.

Fonte: O Liberal

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