A Terceira Margem – Parte DCC

Bacia Hidrográfica da Lagoa Mirim – Parte I

Bacia Hidrográfica da Mirim (Machado, G.)

A Luz dos Afogados
(Mello Moraes Filho)

[…] Num barco tisnado vulto
Vai de pé na correnteza;
Ampara com a mão a vela
Que tem na outra mão acesa. […]

A canoa ia de manso,
O pedestal da figura,
Que sobre o peito curvava
A fronte rugosa, escura. […]

A Mirim localiza-se no Extremo Sul do Brasil entre os Paralelos 33°37’08” S e 32°08’48” S, e Meridianos 52°35’05” O e 53°39’50” O. Suas margens Meridionais Ocidentais fazem fronteira com o Uruguai, desde a Foz do Jaguarão até a Boca do Arroio San Miguel.

É o segundo maior manancial lacustre do Brasil e a nossa maior Lagoa com 175 km de comprimento, uma largura média em torno dos 21,5 km e máxima de 41 km. A Lagoa Mirim interliga-se, através do Canal de São Gonçalo, com o maior corpo lagunar do país – a Laguna dos Patos. As profundidades médias de suas águas Setentrionais variam de 1 a 2 m, chegando a 4 m na parte central e oscilando entre 5 e 6 m na região Meridional, atingindo, ainda que muito pontualmente, 12 m.

A Lagoa Mirim possui uma superfície da ordem de 3.750 km2 sendo um terço deste total de águas uruguaias constituindo-se, portanto, em um corpo hídrico fronteiriço em que prevalece o regime de águas compartilhadas. Os níveis mais baixos são observados no trimestre março-abril-maio, agravados consideravel­mente pela irrigação intensiva. O período menos chuvo­so é o de outubro a dezembro, e o de menores afluências entre dezembro e fevereiro.

– Estrutura da Planície Costeira do RS

Na Margem Ocidental da Lagoa concentra-se o maior número de afluentes e os de maior caudal. A Bacia da Lagoa Mirim subdivide-se em oito Bacias, totalizando uma superfície de 58.500 km² que, somadas à superfície da Lagoa Mirim (3.750 km²), resultam em 62.250 km².

a) No Brasil (19.642 km²):

            1. Bacia do Canal São Gonçalo (9.147 km²), tendo como principal afluente o Rio Piratini;
            2. Bacia do Arroio Grande (4.080 km²), formada pelos Arroios Grande e Chasqueiro;
            3. Bacia do Litoral (6.415 km²), onde estão localizados o Banhado do Taim e a Lagoa Mangueira, dentre outras de menor expressão.

b) No Uruguai (30.670 km²):

            1. Bacia do Tacuarí (5.143 km²);
            2. Bacia do Cebollatí (17.328 km²);
            3. Bacia do Sarandí (1.266 km²);
            4. Bacia do San Miguel (6.933 km²), integrada pelo San Miguel e por outros Rios menores.

c) Fronteira Brasil/Uruguai (8.188 km²):

            1. Bacia do Rio Jaguarão, na divisa entre o Brasil e o Uruguai (8.188 km²);

O exutório ([1]) natural da Lagoa Mirim, o Canal São Gonçalo, que a liga à Lagoa dos Patos (próximo à Praia do Laranjal, Pelotas, RS), encontra-se, atualmen­te, controlado através de uma eclusa, cuja finalidade é impedir as intrusões de fluxos salinos de jusante. A Rede Hidrográfica da Mirim é composta pelos seguintes cursos d’água:

Brasil:

Margem Ocidental da Lagoa Mirim (Fozes do Sul para o Norte):

            • ‒  Rio Jaguarão (32°39’11,0” S/53°10’54,1” O);
            • ‒  Arroio Juncal (32°38’26,4” S/53°05’15,6” O);
            • ‒  Arroio Arrombados (32°32’24,8” S/52°59’57,9” O);
            • ‒  Arroio Bretanhas (32°29’21,6” S/52°58’08,6” O);
            • ‒  Arroio Grande (32°20’43,3” S/52°47’21,6” O);
            • ‒  Arroio Canhada Grande (32°18’59,6” S/52°48’29,7” O);
            • ‒  Arroio Chasqueiro (32°16’05,3” S/52°47’14,4” O) e
            • ‒  Arroio Palmas (32°10’15,3” S/52°43’32,1” O).

Margem Esquerda do Canal S. Gonçalo (Fozes de Montante para Jusante):

            • ‒  Arroio Contrabandista (32°01’03,0” S/52°25’15,3” O);
            • ‒  Rio Piratini (32°00’57,1” S/52°25’14,5” O);
            • ‒  Arroio do Pavão (31°58’02,0” S/52°25’10,3” O);
            • ‒  Arroio Fragata (31°47’54,6” S/52°22’16,4” O) e
            • ‒  Arroio Pelotas (31°46’23,4” S/52°16’51,0” O).

Margem Oriental da Lagoa Mirim (Fozes do Sul para o Norte):

            • ‒  Arroio dos Afogados (33°07’47,0” S/53°22’29,7” O);
            • ‒  Arroio Capão da Canoa (33°06’33,2” S/53°16’33,6” O);
            • ‒  Arroio Del Rey (32°52’09,7” S/52°55’45,0” O);
            • ‒  Sangradouro do Taim (32°33’35,2” S/52°35’24,7” O);
            • ‒  Arroio Gamela (32°15’09,5” S/52°40’26,0” O) e
            • ‒  Arroio Sangradouro (32°08’48,7” S/52°37’21,5” O).

Uruguai:

Margem Ocidental da Lagoa Mirim (Fozes do Sul para o Norte):

            • ‒  Río San Miguel (33°36’29,3” S/53°31’56,7” O);
            • ‒  Río San Luís (33°31’40,0” S/53°32’44,3” O);
            • ‒  Arroyo de Pelotas (33°27’31,0” S/53°35’29,5” O);
            • ‒  Río Cebollatí (33°09’12,2” S/53°37’47,7” O);
            • ‒  Arroyo Sarandí Grande (33°02’02,6” S/53°34’04,5” O);
            • ‒  Arroyo Zapata (33°56’55,4” S/53°29’51,1” O) e
            • ‒  Río Tacuarí (32°46’17,0” S/53°18’36,4” O).

Gênese e Morfologia das Lagoas Costeiras do RS

A Mirim sofreu uma série de eventos paleogeo­gráficos. Antes de assumir sua forma atual, ela foi sendo moldada lenta e progressivamente pelas “barreiras de­positadas ao longo da faixa costeira, originadas de sedi­mentos trazidos por correntes de litoral e acumuladas pela dinâmica praial” (VIEIRA & RANGEL). Relata-nos Schwarzbold, na sua “Gênese e Morfologia das Lagoas Costeiras do Rio Grande do Sul”:

Há 230 mil anos o degelo elevou o nível do Mar a 20 m acima do atual, fazendo com que as águas entrassem continente adentro. Essa extensa área submersa foi retrabalhada em condições praiais e marinhas rasas, tendo contribuição do material sólido erodido continental, configurando um perfil de fundo e iniciando a formação de uma Barra na direção Sul [a partir de Pelotas]. O Período Glacial seguinte criou as condições para a ocorrência de sequências de deposição de emersão. Posteriormente, o Interglacial Yarmouth ([2]) originou nova submersão continental, mas em menor intensidade do que a anterior, sendo que a reinundação da região ocorreu através da Barra ao Sul. A ação erosiva sobre a barreira originou uma segunda deposição de águas rasas, originando uma segunda barreira e obstruindo a Barra ao Sul e isolando a Laguna Mirim do oceano. Há 150 mil anos, o fundo da Laguna foi aplainado pelo assoreamento dos sedimentos marinhos. Há 80 mil anos, na última transgressão marinha pleistocênica ([3]), a elevação do nível do Mar foi menos intensa [cerca de 8 metros acima do nível atual], não permitindo a ultrapassagem das barreiras formadas anteriormente. Neste evento, a Laguna Mirim permaneceu isolada do Mar, sem a ocorrência de ingressão marinha.

O Glacial Wiscosin, que ocorreu de 60 mil até 16 mil anos, provocou um rebaixamento no nível do Mar para 100 metros. Neste evento houve o rompimento e a erosão parcial da restinga, servindo de vertedor à Laguna Mirim, onde hoje se encontra o Banhado do Taim e as Lagoas Nicola e Jacaré. Já no Holoceno ([4]), quando as oscilações de nível do Mar são restritas, a Transgressão Flandriana ([5]) atingiu seu máximo há 6 mil anos, com o nível do Mar elevando-se a 5 m acima do atual e havendo intrusão na laguna Mirim através do Taim.

Ocorreram amplas deposições na margem litorânea, apesar de baixas, construindo feixes de restinga sobrepostos aos depósitos pleistocênicos, em linhas paralelas à costa, na direção Sul.

Este processo foi repetido durante as 3 próximas transgressões holocênicas. O crescimento dos feixes de restinga, para o Sul, desviou o vertedor da Laguna Mirim, no Taim, originando um longo canal de escoamento semilagunar. A continuação desse processo culminou com o fechamento da ligação da Laguna com o Mar, pelo Taim, originando a L. Mirim, que permanece isolada até a atualidade.

A Lagoa Mirim, auxiliada pelos fortes processos erosivos impostos pela Lagoa dos Patos aos terraços pleistocênicos, acabou por estabelecer um canal de interligação, atualmente denominado de São Gonçalo, e que constitui, hoje, o estuário da Lagoa Mirim para a Laguna dos Patos. (SCHWARZBOLD)

– Antigo vertedor da então “Laguna” Mirim

Eurípedes F. Vieira e Suzana Rangel, no seu estudo denominado “Planície Costeira do Rio Grande do Sul”, endossam a tese de Albano Schwarzbold de que a Mirim, entre 60 mil e 16 mil anos atrás, em decorrência do rebaixamento no nível do Mar, teve sua restinga erodida progressivamente até que sofreu um rompi­mento parcial que deu origem a um canal que a interli­gava ao Oceano Atlântico onde hoje se encontra o Banhado do Taim e as Lagoas Nicola e Jacaré:

A antiga Laguna Mirim tinha, portanto, uma embocadura com o Oceano Atlântico, entre o Norte da Lagoa Mangueira e o Taim, formando um ambiente estuarino. Estudos paleoambientais atestam a presença de ambiente mixohalino ([6]), em condições lagunares de deposição, caracterizando uma Barra de maré de baixa energia entre os segmentos de Ilhas de barreiras já formadas. (VIEIRA & RANGEL)

Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 09.02.2024 – um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.

Bibliografia: 

SCHWARZBOLD, Albano. Gênese e Morfologia das Lagoas Costeiras do Rio Grande do Sul – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Revista Amazoniana – Volume 9, 1984.

VIEIRA & RANGEL, Eurípedes F. e Suzana. Planície Costeira do Rio Grande do Sul: Geografia Física, Vegetação e Dinâmica Sócio-demográfica – Brasil – Porto Alegre, RS – Sagra, 1988.  

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;  

  • Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
  • Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
  • Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
  • Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
  • Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
  • Ex-Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
  • Ex-Vice-Presidente da Federação de Canoagem de Mato Grosso do Sul;
  • Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
  • Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
  • Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
  • Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
  • Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
  • Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
  • Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
  • Membro do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós (IHGTAP)
  • E-mail: hiramrsilva@gmail.com

[1]   Exutório: ponto de menor altitude de uma Bacia Hidrográfica para onde converge todo o seu escoamento superficial. (Hiram Reis)

[2]   Interglacial Yarmouth: a Penúltima interglaciação ocorrida a 435 mil anos. (Hiram Reis)

[3]   Pleistocênica: divide-se em Pleistocena Inferior (1.806 mil <P.Inf< 781 mil anos), Média (781 mil <P.Md< 126 mil anos) e Superior (126 mil <P.Sup< 11,5 mil anos). Foi nesse período que aconteceram as variações climáticas mais radicais. (Hiram Reis)

[4]   Holoceno: o Holoceno inicia-se logo após a última era glacial principal – Idade do Gelo, há cerca de 11.500 anos e se estende até hoje. (Hiram Reis)

[5]   Transgressão Flandriana: nesse período, ocorrido entre 4.000 a 5.000 anos AP. [antes do presente], o Mar, num rápido avanço, em decorrência das mudanças climáticas ocorridas durante o Glacial Würm [ou Wiscosin] e o princípio do degelo das calotas polares, trabalhou a parte superficial dos sedimentos continentais antes depositados, resultando na formação de uma camada de areias litorâneas transgressivas. (Instituto Meridionalis)

[6]   Mixohalino: águas ricas em sais de cloreto de sódio. (Hiram Reis)  

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