A Terceira Margem – Parte DCVII

Jornada Pantaneira

Mulheres Guerreiras – Parte X

Valquírias Americanas

Guerra do Paraguai
(Franklin Dória)

Um dia tu soubeste, ó povo brasileiro,
Da afronta que lançou-te o bárbaro estrangeiro
Num ímpeto de orgulho e indômita ambição.
Ouviste a nova infanda ([1]) entre magoado e pasmo,
Mas logo após, aceso em santo entusiasmo,
Dos lábios irrompeu-te irosa exclamação.

‒ Que! Somos nós, ‒ disseste, ‒ o pueril joguete
De um vizinho infiel, que assim nos acomete
Sem causa, à falsa fé, como um salteador?
Toldou-se-lhe a razão? Persegue-o uma quimera?
Que pretende de nós? De nós o que é que espera?
A palma da conquista?! Os foros de senhor?

Há muito que em silêncio o seu olhar dilata
Das raias da república até a foz do Prata.
Sonhando o predomínio em outras regiões.
Seus lances disfarçado há muito que calcula;
Nos grandes arsenais petrechos acumula;
Bélicos planos traça e engrossa batalhões.

Sua intenção funesta anima a negra ofensa,
Que, para doer mais, parece a recompensa
De preciosos bens que ingrato recebeu.
E, começando infrene a obra da maldade.
Não lembra que a conquista à luz da liberdade
É hoje o espectro vão de Atila ou de Pompeu!

Do servilismo o preito acaso não lhe basta?
Nem sua autoridade imperiosa e vasta,
Que simboliza a lei, o direito, o poder?
De uma bela nação intolerante dono,
Dos súditos verdugo em vez de seu patrono,
Quer a seus pés prostrado um povo livre ter?

Não! Para castigar o déspota arrojado
Cada um cidadão transforme-se em soldado
De vontade constante e de ânimo viril!
A Pátria envergonhada exige nosso culto.
Às armas! Corresponda a vingança ao insulto!
Às armas! Já e já, por nós, pelo Brasil!

Então do Sul a Norte e de Leste a Ocidente,
Voando o eco longe, agreste e docemente
Na Cidade e na Vila e na Aldeia soou.
E ao mesmo tempo o velho, o levou, o menino,
Como se repetisse o estribilho do um hino,
Por nós, pelo Brasil, às armas! Replicou.

Cada dia depois, desde o raiar da aurora,
Se ouvia um longo adeus e saudação sonora
Onde se erguia um teto e crepitava um lar.
Era um vivo alvoroço ostentando-se fausto!
Prenúncio encantador do celeste holocausto
Que ia ser ofertado, ó Pátria, em teu altar

Do pomposo Palácio e da casa modesta,
Entre bênçãos de amor e júbilos de festa,
Saíram campeões sempre a mais e a mais.
Todos quantos mover puderam sem tardança
Uma espingarda, um sabre, uma espada, uma lança,
Oh! Todos o dever associou leais.

Já ergue o colo a guerra e temerosa estruge,
Como revolto mar que enfurecido ruge
Quando à praia deserta em tempestade aflui.
Já fere-se a primeira, inaugural batalha!
Relâmpago sinistro anuncia a metralha!
Armada contra armada entre pelouros ([2]) rui.

Sobre o rio, que tinto em rubro sangue estua ([3]),
Morto o contrário tomba ou trêmulo flutua,
Ao troar dos canhões da Frota Imperial!
Tremendo pelejar! combate peregrino,
Que faz Riachuelo igual a Navarino ([4]),
E arroja um turbilhão ao líquido cristal!

Entanto, quando o crime, o incêndio e a pilhagem
Pelo chão brasileiro abriram a passagem
À tropa canibal do trêfego ([5]) invasor.
Vendo a Pátria em perigo, um ínclito ([6]) soldado,
Pelos heróis de Homero acaso modelado,
A súbitas partiu. Quem foi? o Imperador!

No incruento prélio, altíloquo ([7]) poema,
Um laurel lhe esmaltou o puro diadema.
Herança gloriosa, imenso cabedal.
E volvendo a seu trono, ai majestosa sede
Onde ao rei virtuoso o sábio não excede,
O cinge o resplendor do triunfo imortal!

Por uma região do mundo sequestrada
Empreendeu-se após aspérrima jornada
De cruas privações e de penoso afã.
Em seu peregrinar, sem exemplo na história,
Os lidadores vão, de vitória em vitória,
Desde o Passo da Pátria até Aquidabã!

Nas batalhas campais, nas mínimas contendas,
Obraram mil e mil façanhas estupendas,
Que a fama proclamou e altiva redirá.
Foi-lhes mister até mais que valor e tino,
Sobre-humano labor, quase esforço divino,
Pra galgarem além da fera Humaitá!

Lutaram sem cessar! Bateram-se temíveis!
Tiveram muita vez recontros impossíveis,
Novos Bayards ([8]), mostrando a sua impavidez!
Dizei que fez Ozório, o herói legendário,
Quando o primeiro abriu o longo itinerário,
E dizei Porto Alegre em Tuiuti que fez!

Chegando tu por fim, lhes tomas a vanguarda

Como seu General e seu Anjo da Guarda,
Tu, príncipe gentil! Tu, jovem Conde D’Eu!
Se ateia o entusiasmo acrisolado, ardente,
No grande Capitão, de Marrocos valente,
O poderoso Exército inteiro se revê.
E teu gládio o conduz a ínvias cordilheiras;

E ele avança, avança em cerradas fileiras,
Peleja aqui, além; cerca, assalta, destrói!
Teu exemplo o transporta e a coragem lhe expande.
Em Pirebebuí, depois em Campo Grande,
Sublime sobressais entre os heróis, herói!
As tuas legiões, que o perigo inebria,

Sustentaram assim a renhida porfia.
Na Pátria o pensamento, a esperança no céu!
Tendo Câmara à frente, em seu extremo abrigo
Somente deram trégua ao pérfido inimigo
Quando foi sua espada o último troféu!
Ele expiou com a morte a afronta e o louco intento.

Em seu próprio País, sem pranto nem lamento,
Em erma sepultura ei-lo! execrado jaz.
E, enquanto um povo irmão desperta à liberdade.
Refulge em nosso céu com doce claridade
A aurora festival de gloriosa paz!

(A VIDA FLUMINENSE N° 125)

Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 03.07.2023 – um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.

Bibliografia  

A Vida FLUMINENSE N° 125. Poema – Guerra do Paraguai, Franklin Dória – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – A Vida Fluminense: Folha Joco-Séria Illustrada n° 125, 21.05.1870.   

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;    

  • Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
  • Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
  • Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
  • Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
  • Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
  • Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
  • Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
  • Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
  • Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
  • Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
  • Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
  • Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
  • Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
  • E-mail: hiramrsilva@gmail.com

[1]    Infanda: torpe. (Hiram Reis)

[2]    Pelouros: projetís de pedra. (Hiram Reis)

[3]    Estua: arde. (Hiram Reis)

[4]    Navarino: Batalha Naval (20.10.1827), durante a Guerra da Indepen­dência Grega, na Baía de Pilos (antiga Baía de Navarino). (Hiram Reis)

[5]    Trêfego: manhoso. (Hiram Reis)

[6]    Ínclito: ilustre. (Hiram Reis)

[7]    Altíloquo: eloquente. (Hiram Reis)

[8]    Bayards: Pierre Terrail LeVieux, Senhor de Bayard, militar francês, herói na Guerra Italiana (1521 a 1526) e conhecido como o “cavaleiro medieval ideal, sem medo e irrepreensível”. (Hiram Reis)

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