A exaltação devaneante ao Pai-da-mata ­

Foto – Marquelino Santana

O caboclo beiradeiro, raiz do chão amazônico, atento aos varadouros da mata e protegido pelas encantarias mitológicas que espiritualmente invade a sua imaculada alma, é um guardião ancestral da exuberância cósmica da terra que chega a divinalmente sentir os impetuosos malefícios que atuam em desfavor do sentimento de generosidade pela natureza inefável.

Certo dia, várias crianças dos seringais brasivianos do rio Abunã saíram para pescar. Felizes, eles narravam as histórias noturnas que aprenderam com as narrativas de deus pais e avós, sobre o poder transcendental dos seres encantados que moravam no esplendor da mata e nas dádivas das águas embelecidas. De repente surgiu um conturbado e desmedido banzeiro que provocou o desaparecimento das crianças e das canoas em que navegavam.

Meio ao estado de infortúnio e balbúrdia, as vozes foram ceifadas, as forças foram debilitadas, e aquele momento de dor e desespero, fez com que uma brisa maviosa caísse em profundo desânimo. Mesmo triste e esmaecida, a brisa conseguiu entrar em cada lar ribeirinho, provocando um sentimento de angústia na alma dos pais das crianças que haviam saído para pescar. O vento manso assobiava uma sonoridade aguda vindo do meio da mata, como que anunciando o acontecido às famílias ribeirinhas. Era um chamado divinal-ritualístico das árvores.

Angustiadas, as famílias adentraram em seus batelões e foram percorrer o rio Abunã à procura dos filhos, até então, desaparecidos. Como sustentáculo espiritual, as embarcações foram misteriosamente guiadas por uma imensa revoada de Garças-brancas-grandes (Ardea alba), orquestrada com o original som de um canto de chamado e apelo. Depois de navegarem por aproximadamente três horas, os batelões pararam e atracaram às margens da copa de uma mata, onde curiosamente todas as Garças-brancas pousaram sob um silêncio jamais visto.

Mas o silêncio foi imensuravelmente rompido pelo esplendor formidável e encantador do assobio poético-estetizante da verde mata. O assobio ecoava vindo de um antigo varadouro que dava acesso a colocação Baturité e as suas tradicionais estradas de seringa. Quanto mais o assobio aumentava, mais as árvores se balançavam, enquanto os ribeirinhos caminhavam incansavelmente à procura dos filhos, percorrendo os seringais do rio Abunã.

Mas repentinamente a mata fica em silêncio profundo, e os ribeirinhos imediatamente param de caminhar. A briosa mata na espiritualidade impoluta e suntuosa de suas árvores, utilizou-se de sua transcendental imaterialidade benevolente para preservar a volúpia da vida humana. Tudo ficou quieto e nenhum barulho se ouvia, até que uma criança gritou em voz alta: – estamos aqui!

Todos correram para o local do grito, e naquele lugar sagrado estavam as crianças, vivas, com saúde e todas sentadas ao redor de uma linda seringueira. Naquele momento um velho seringueiro de 92 anos, fechou os olhos, ajoelhou-se, ergueu os braços, e em agradecimento e devoção, fez a sua exaltação devaneante ao Pai-da-mata.

Por: Marquelino Santana

FONTE: Correio Eletrônico (e-mail) recebido do autor

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