Decisão obtida pelo MPF garante que valor arrecadado em leilão de cassiterita apreendida em Roraima vá para combate ao garimpo ilegal em terras indígenas

União e Funai têm 30 dias a partir da disponibilização dos recursos para apresentar à Justiça plano de aplicação do valor obtido no leilão

Arte: Comunicação/MPF

O Ministério Público Federal (MPF) obteve nova vitória na ação civil pública que obrigou a Agência Nacional de Mineração (ANM) a realizar o leilão da cassiterita extraída ilegalmente da Terra Indígena Yanomami (TIY), em Roraima. A nova decisão da Justiça Federal garante que o valor arrecado com o leilão de pouco mais de 205 mil kg de cassiterita seja destinado à Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e à União para fortalecer ações que garantam a segurança do território e de combate ao garimpo ilegal na região. O montante obtido no leilão – que alcançou a cifra de R$ 10,5 milhões – poderia acabar sob a tutela da própria AMN se não fosse a atuação do MPF.

A Justiça também determinou que Funai e União devem informar, em 15 dias a contar da decisão, se os recursos destinados já se encontram disponíveis. A partir da disponibilização dos recursos, União e Funai têm 30 dias para apresentar ao Poder Judiciário um plano de aplicação dos valores obtidos com o leilão em favor da preservação da Terra Indígena Yanomami e do combate ao garimpo ilegal na área.

Conforme explicam os procuradores da República em Roraima Alisson Marugal, Ana Carolina Tinelli e Matheus de Andrade Bueno, que assinam a ação do MPF, a Agência Nacional de Mineração já preparava, em abril de 2022, edital para desfazimento de cassiterita e outras substâncias minerais apreendidas em Roraima, com a pretensão de receber os valores levantados com a venda.

O MPF entende que isso representaria grave inversão de ônus dos crimes ocorridos nas terras indígenas, uma vez que cabe ao governo impedir a prática do garimpo ilegal, não podendo acabar se beneficiando dela.

De acordo com o MPF, a direção da ANM tentou aplicar indevidamente o regulamento atinente à generalidade da mineração ilegal como lastro para a destinação dos minérios extraídos de garimpos em terras indígenas. Os procuradores apontam que tal entendimento “implicaria reconhecer a União como espécie de sócia da indústria criminosa atuante nas terras indígenas que deveria proteger”.

Leilão – O próprio leilão da cassiterita extraída ilegalmente da Terra Indígena Yanomami também só foi realizado após decisão da Justiça, proferida em janeiro deste ano. Caso a ANM não realizasse o certame até a data definida pela Justiça (28/2/2023), teria de pagar multa de R$ 100 mil mensais. O leilão ocorreu no dia 24 de fevereiro.

Em julho de 2022, já havia decisão em liminar da Justiça Federal que determinava à agência a realização do leilão, bem como outras medidas contra o garimpo ilegal na TIY, entre elas, a retirada de não indígenas da área. Mas a ANM não cumpriu a decisão à época.

De acordo com o MPF, a agência se valeu de entraves burocráticos como ferramentas para paralisar a eficácia da decisão liminar, demonstrando descaso tanto com os povos indígenas quanto com o patrimônio público.

Garimpo ilegal – Os mais de 200 mil kg de cassiterita – importante subproduto do garimpo em Roraima devido à sua fácil extração e alta demanda de mercado – foram apreendidos entre 2021 e 2022. De agosto de 2020 a fevereiro de 2022, foram registrados mais de três mil alertas de garimpo ilegal na região que pertence à Reserva Indígena Yanomami, área que se estende por 10 milhões de hectares nos estados de Roraima e Amazonas.

A Constituição Federal proíbe o garimpo em terras indígenas, salvo em casos especiais e desde que sejam disciplinados por lei específica. Mesmo nesses casos, a população indígena deve ser beneficiada pela extração.

ACP 1004065-94.2022.4.01.4200 – Íntegra da inicial da açãoConsulta processual