A Terceira Margem – Parte DLXXXVI

Jornada Pantaneira

Revista Brasileira – Segundo Ano – Tomo VI, 1896

Francisco Solano López (Biografia)
Parte I

Rodrigo Octavio (Rodrigo Octavio de Langgaard Meneses), advogado, professor, magistrado, contista, cronista, poeta e memorialista, nasceu em Campinas, SP, em 11 de outubro de 1866, e faleceu no Rio de Janeiro, RJ, em 28 de fevereiro de 1944.

Rodrigo Octavio de Langgaard Meneses

Participou, desde o início, do grupo de escritores que fundaram a Academia. É o fundador da cadeira n. 35, que tem como patrono Tavares Bastos. Na sessão inaugural da Academia, em 20 de julho de 1897, como primeiro-secretário, leu a “Memória histórica dos atos preparatórios”.

Foram seus pais o Dr. Rodrigo Otávio de Oliveira Meneses, advogado e homem público filiado ao Partido Liberal, e d. Luísa Langgaard, filha do médico dinamarquês Dr. Theodoro Langgaard, estabelecido no Brasil. Aos cinco anos veio, com sua família, para o Rio de Janeiro. Fez seus estudos de Direito na Faculdade de São Paulo, onde se formou aos 20 anos, em 1886.

Iniciou a vida pública na magistratura, tendo sido nomeado, em 1894, secretário da Presidência da República no governo de Prudente de Morais (1894-1896). Posteriormente, exerceu a advocacia até 1929, data em que foi nomeado, pelo presidente Washington Luís, ministro do Supremo Tribunal Federal, cargo em que se aposentou em 1934.

Foi, desde 1896, professor da Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais da Universidade do Brasil. Fez conferências nas universidades de Paris, Roma, Varsóvia e Montevidéu, e um curso sobre os selvagens americanos perante o Direito, na Academia de Direito Internacional de Haia. Doutor Honoris Causa das universidades do México, La Plata, Buenos Aires, Lima, Arequipa e Havana.

Foi consultor-geral da República (1911-1929); delegado plenipotenciário do Brasil em diversas conferências Internacionais, como as de Haia, para o Direito relativo à Letra de Câmbio (1910 e 1912); de Bruxelas, para o Direito Marítimo (1909, 1910 e 1912); a Conferência Científica Pan-Americana de Washington (1916); da Paz, de Paris (1919), tendo assinado o Tratado de Versalhes; foi vice-presidente na I Assembleia da Liga das Nações (1920); membro da Comissão Internacional de Jurisconsultos Americanos, reunida no Rio de Janeiro (1927); presidente da Seção de Direito Internacional Privado; membro da Comissão Permanente para a Codificação do Direito Internacional e da Comissão Brasileira de Cooperação Intelectual.

Foi subsecretário de Estado das Relações Exteriores no governo Epitácio Pessoa (1920-1921). Por diversas vezes foi presidente do Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros; presidente da Sociedade Brasileira de Direito Internacional; membro honorário e vice-presidente do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.

Na Academia Brasileira, além de primeiro-secretário (1897-1908), foi secretário-geral (1915-1924) e presidente (1927). Fez parte da Comissão de Bibliografia (1909-1910); da Comissão de Redação da Revista (1911-1912 e 1915-1916) e da Comissão de Publicações (1919).

Nos anos iniciais, as sessões ordinárias da Academia se realizavam no escritório de advocacia de Rodrigo Otávio, à rua da Quitanda 47.

Em 13 de novembro de 1905 Rodrigo Otávio propôs a criação da Biblioteca que hoje tem o nome de Biblioteca Acadêmica Lúcio de Mendonça.

Recebeu o acadêmico Alcides Maia. (www.academia.org.br)

Rodrigo Octavio publicou na Revista Brasileira, em 1896, uma interessante biografia do controverso líder paraguaio baseado na obra “Monografias Histó­ricas”, publicada em 1893, pelo Sr. D. Juan Silvano Godoy que fazemos questão de repercutir. O introvertido e antipático Déspota tinha no carismático General José Eduvigis Díaz Vera um de seus raríssimos amigos e confidentes.

Revista Brasileira – Segundo Ano – Tomo VI
Rio de Janeiro, RJ – 1896
Sociedade Revista Brasileira
Homens e Coisas do Paraguai
Solano López e José Diaz

Um ilustre literato e homem público do Paraguai, que ultimamente esteve entre nós, o Sr., retirando-se para a sua terra, teve a gentileza de me oferecer o interessante livro das “Monografias Históricas” que publicou em 1893 na cidade de Buenos Aires. É um farto volume belamente impresso e intercalado de fototipias, em que o autor reuniu vários capítulos do história escritos em épocas diversas.

É escusado dizer que a maior parte das páginas do livro se ocu­pa da grande campanha Sul-americana em que a pe­quena e valorosa república se empenhou com heroísmo impetuoso e fanático.

Não foi pois, sem receio que tomei do livro para o ler. Era natural que fosse pouco agradável ao amor próprio brasileiro, a leitura de episódios de nossa Guerra narrados por um patriota paraguaio. É bem conhecida a “História” de Thompson que mereceu a valente e vitoriosa contradita do bravo e malogrado Senna Madureira. Breve, porém, se me dissipou tal expectativa. O autor, dotado de notável espírito de justiça, soube reconhecer a bravura dos nossos soldados e a tática dos nossos Capitães, como não deixou de assinalar os erros do seu General e mesmo as culpas de seus oficiais, aliás de não contestado valor.

E muitas coisas interessantes se respiga ([1]) no livro de D. Silvano Godoy. Especialmente, sobre as figuras proeminentes de López e Diaz, encontrei pelas páginas das “Monografias Históricas” informações e notas que oferecem bastante curiosidade ao leitor brasileiro. Essas notas e informações forneceram os elementos para o estudo que se vai ler.

I

Francisco Solano López, Marechal do Exército do Paraguai, foi investido do supremo e absoluto poder em sua terra natal por verba testamentaria manifes­tada em artigo de morte por seu pai, Carlos Antonio López, que durante vinte anos exercera o poder discricionário, conquistado após as perturbações que se seguiram, em 1841, à morte do ditador José Gaspar Francia, cujo Governo, singular, retrógrado e sanguinolento durara desde 1814…

A autoridade do Marechal-Presidente era constituída pela soma dos poderes públicos que ele enfeixava autoritariamente em sua vontade omnímoda ([2]), prestigiada pela submissão incondicional e unânime de súbditos que cinquenta anos de tirania haviam acostumado a obedecer. Nem o povo, nem a nação, nem Deus, nesse país de religião, estavam acima dela.

López era o todo poderoso. Nos quarenta templos espalhados pelo território da república o sacerdote católico todos os dias pronunciava humilde, no momento santo do sacrifício da missa, o nome augusto do moderno César, pedindo à providência divina graças, honras e uma existência venturosa e longa para o General e Senhor.

Assim, no espírito inculto, quase selvagem do povo cuja educação primitiva foi obra exclusiva do jesuíta, López não era somente o chefe temporal, visível, mas também elemento necessário do culto religioso.

Não havia, pois, receio de que conjurações e shismas ([3]) pudessem vir perturbar essa tranquilidade oni­potente contra a qual ninguém se atrevia a revoltar-se mesmo em pensamento.

Ele era um autocrata que governava sem parla­mento, nem tribunais de justiça; por si só ditava as leis e decidia os pleitos judiciários; era senhor da vida dos seus súditos e da fortuna pública e particular, e os seus patrícios pagavam-lhe tudo isso com uma confiança absoluta, uma sujeição sem limites.

Tendo todos a vida e os bens pendentes dos lábios do ditador, estavam dispostos entretanto a sacrifícios sem nome, não desejando senão penetrar em seu oculto pensamento, para correr à morte com a impávida e serena vontade do estoico se assim ele quisesse.

López era a todos os respeitos a primeira figura de sua terra. Em ilustração só lhe excedia D. José Bergés, Ministro das Relações Exteriores no início da Guerra e que havia sido plenipotenciário junto ao Governo Brasileiro.

O Paraguai nesse tempo jazia no mais completo atraso cultural; não tinha um só estabelecimento de ensino superior, apenas possuindo escolas de primeiras letras. Pode dar uma ideia do seu deplorável estado a circunstância extraordinária de não haver a esse tempo um só paraguaio advogado, médico ou engenheiro, nem um só homem de ciência com título universitário. A Solano López, entretanto, não haviam faltado os elementos precisos para a cultura da nativa e exuberante vivacidade intelectual.

Desde a mais tenra idade, criado entre as adulações, as homenagens dos que formavam a Corte do severo pai, não lhe faltaram carinhos e cuidados de todo o gênero.

Aos 18 anos, em 1846, era General de Brigada e comandava um Exército de sete mil homens sob as ordens superiores do General Paz.

Em 1853, na qualidade de enviado extraordinário e Ministro Plenipotenciário acreditado junto às cortes europeias, percorreu, dispondo de recursos ilimita­dos, as principais capitais do velho mundo, acom­panhado de numerosa comitiva.

Em Paris, sobretudo, achou-se bem em meio das suntuosas festas da Corte imperial que o acolhia festivamente nos esplêndidos salões das Tulherias. Assim, em contato com as sumidades da política europeia, e viajando com o espírito instintivamente observador, López, sem dedicar-se com seriedade a estudos e práticas universitárias adquiriu boa cópia de conhecimentos convenientes para o homem que se destina ao Governo autoritário de uma nação.

No velho mundo, cercado da atmosfera oficial que lhe criava a sua posição singular, em meio dos cortejos e pompas das festas dos paços de reis e imperadores, avolumou-se nele o desmarcado orgu­lho, a ambição desarrazoada que constituíam os pre­dicados principais do seu espírito. Sobre todos os vultos da humanidade o vulto de Napoleão I impressionava-o principalmente. Perdia-se durante longas horas, esquecido sob o dourado Zimbório ([4]) dos Inválidos ([5]), na contemplação absorta do túmulo marmóreo do grande capitão.

Era nessas contemplações místicas que a imaginação doentia se desdobrava nas perspectivas incoerentes de grandezas e poderio que lhe atormen­tavam o espírito febril.

Ora via-se ele o fator da homogeneidade republicana em todo o solo da livre América; ora não se con­tentava já com ser um Cônsul vitalício, absoluto e todo poderoso; ambicionava mais… Bonaparte, tam­bém Cônsul e poderoso, ambicionou mais e fez-se imperador; Luiz Napoleão, príncipe e presidente de um grande pais, também ambicionou mais e fez-se imperador… Por que não faria ele outro tanto? … (LANGGAARD MENESES) (Continua…)

Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 15.05.2023 – um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.

Bibliografia  

LANGGAARD MENESES, Rodrigo Octavio de. Homens e Coisas do Paraguai – Solano López e José Diaz – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Revista Brasileira – Sociedade Revista Brasileira – Segundo Ano – Tomo VI, 1896.   

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;  

  • Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
  • Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
  • Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
  • Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
  • Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
  • Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
  • Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
  • Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
  • Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
  • Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
  • Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
  • Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
  • Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
  • E-mail: hiramrsilva@gmail.com.

[1]    Respiga: percebe. (Hiram Reis)

[2]    Omnímoda: ilimitada. (Hiram Reis)

[3]    Shisma (latim) ou cisma: falta de acordo diante de um assunto, divergência. (Hiram Reis)

[4]    Zimbório: espaço onde se alojam os astros. (Hiram Reis)

[5]    Carta 253 – Hotel dos Inválidos.

     Paris. Fui hoje visitar o Hotel Real dos Inválidos. Este magnifico edifício foi levantado por Luiz XIV, para os antigos militares. Mais de dois mil velhos guerreiros ai gozam de um retiro honroso e de um tratamento conforme a seus postos respectivos. O Zimbório dos Inválidos é considerado como uma obra prima, e também a igreja é belíssima. Cada soldado tem no jardim uma porção sua de terreno de que ele mesmo trata, ai é que ele vai fumar seu cachimbo e beber sua garrafa de cerveja. É um espetáculo grandioso ver esses velhos guerreiros rabugentos, mutilados a maior parte deles, cobertos todos de cãs, com o rosto sulcado de cicatrizes, gozando enfim de um descanso comprado tão caro.

     De ordinário, é um Marechal da França que é o governador dos Inválidos. Os doentes são tratados pelos médicos os mais hábeis.

     A entrada dos Inválidos é defendida por um largo fosso e guarnecida de peças. Os velhos soldados é que estão encarregados de dar as salvas de alegria, e experimentam uma espécie de felicidade ao cheiro dessa pólvora que ainda lhes lembra seus anos de juventude. Adeus, (NOVO SECRETÁRIO, 1874)

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