Minha Aprendizagem – Parte I

Mais uma vez tenho a honra de repercutir um belo e oportuno artigo de meu caro Amigo, Irmão e Mestre Higino Veiga Macedo, editado em João Pessoa.

Minha Aprendizagem – Parte I
(Higino Veiga Macedo)

O que escrevo são minhas vivências e experiên­cias. Não cito fontes, não cito trabalhos e nem tem o formato oficial ou oficializado. Eu os fiz para chegar ao homem da ponta: Sargentos e Tenentes. Ou até mês­mo empresários [cujo étimo ([1]) é o mesmo de empre­endedor] que deseja entender algo que é cultuado nos quartéis, mas de uso universal. É muito mais inspirado no empirismo que no racionalismo.

Desde soldado, o que eu fui, escutava as refe­rências de Hierarquia e Disciplina. Como oficial ainda mais fui impregnado da necessidade de entender a Hie­rarquia e Disciplina porque eu seria um Líder. Daí eu ter necessidade de primeiro entender o que é e como se formam o líder. Depois entender o que seja Hierarquia e Disciplina. Como praticante da arte real criei mais um elemento importante nas organiza­ções militares: a Lealdade. Assim, deixo a díade, instá­vel, para ter a tríade, equilibrada para ter o equilíbrio de LIDER.

As definições do que tratarei, quando ia ao dicio­nário eram disparates: cada dicionário tem as suas; ca­da intelectual tem as suas; e em particular em tempos de forças ideológicas, a dialética “engeliana” deforma tudo.

Resolvi escrever o que entendi, vivenciei e prati­quei. Imagino que tenho razoável bagagem para saber usá-los nas minhas argumentações. Bom tudo isso é para dizer que tudo é fruto de observação muito parti­cularizada. Em momento de arrogância minha, digo que aceito discordância, mas o discordante teria que ter fei­to o mesmo caminho que eu. Ou, no mínimo, pareci­do…

Montei o meu perfil em espelhos. Busquei luz nos reflexos da dos gênios. Acho que nem foi de perfil: foi montagem em verdadeira grandeza. Claro, não cheguei a chorar, como Alexandre, por invejar Aquiles, segundo Plutarco. Invejei Aquiles por ele ter o centauro Quiron por mestre. Os grandes combatentes e conquistadores seguiram e foram seguidos. Assim, não diminui o valor de combatente pelo fato de seguir e se mirar em gênios. Não pelo número de sucesso, mas pelo comportamento de líder, de comandante, que permitiram seus sucessos.

Aníbal seguia a Dario; Alexandre a Aquiles; Júlio César a Alexandre; Napoleão a Júlio César. Sem pes­quisar, imagino que Caxias, Osório e Rondon se espe­lharam em todos eles. Patton admirava a Napoleão… Todos, estrelas cósmicas. Eu admirei a todos, à medida que aprendia seus feitos nas suas biografias.

Alexandre montava sua barraca, domava seu cavalo, dormia ao relento com a tropa. A sua guarda era iniciada no Templo de Apolo, Oráculo de Delfos.

Júlio César mantinha a convivência com a tropa nos acampamentos. Cada soldado não era um soldado. Era um companheiro de combate. Júlio era um soldado que combatia com os soldados, nas legiões. Entretanto, não admitia fraqueza, titubeio, acovardamento. Sua tropa jurava fidelidade a ele, por ser Comandante, Chefe de Estado, Imperador. Como eu fiz, à Nação Brasil, perante a Bandeira Nacional.

Osório vê a luz militar como soldado. Dou o tes­temunho de que, parafraseando Castro Alves: “Não co­ra a espada do oficial ao ombrear com o fuzil do solda­do, nem cora o fuzil de pedir luz à espada”. Afinal, em combate, a dependência é mútua. Osório, um iniciado na Arte Real, tal qual Alexandre e Júlio Cesar, em seu castro tomava chimarrão no acampamento e à frente de sua barraca, para ser visto por todos os seus com­batentes – oficiais e praças. No Passo da Pátria, atravessou com a vanguarda. Como ele foi, eu fui soldado e sou iniciado na Arte Real.

Já bem antigo, fui confirmar que eu estava certo. Instintivamente, colhi as luzes de Guderian, na linguagem rude, simples, direta e objetiva, dispensando a formalidade fútil, inútil e “bajulativa”. Na lida militar, eu sempre preferi o TRATO CASTRENSE leal à FIDALGUIA PRAGMÁTICA cínica.

Em livro, descobri o “Tenente-Coronel Chukwu­meka Odumegwu OJUKWU, que tentou resistir, com a Biafra, contra a Nigéria”. “Compelido a depender de si mesmo e de mais ninguém, Ojukwu desenvolvera uma filosofia pessoal de confiança em si mesmo, uma inaba­lável autossuficiência interna que não exigia o apoio externo de outros”.

Assim também fiz, ser autossufi­ciente, ao transferir um Batalhão de Construção sem ônus para o Exército.

Fundamentei em Maquiavel uma moral: “ao rei a vida e os bens devem ser dados, mas a honra é patri­mônio da alma e pertence somente a Deus”. Segui Gonçalves Dias: …”A vida é combate, Que os fracos, abate, Que os fortes, os bravos, Só pode exaltar”.

Ouvi Kipling – “Se… És capaz de, entre a plebe, não te corromperes; E entre reis, não perder a naturali­dade; E de amigos, quer bons, quer maus, te defen­deres…”.

        • Nunca comandei soldados: comandei jovens inexperientes na arte da guerra;
        • Nunca comandei oficiais: comandei futuros Coronéis Comandantes;
        • Nunca cultuei pessoas: respeitei superiores co­mo mais experientes e, de momento, mais bem informados;
        • Nunca tive subordinados: colecionei amigos;
        • Assim agi; assim pratiquei; assim fui “espelho”, também;
        • É verdade, no cosmo fui micro, sempre reconheci;
        • Sempre fui BOM, fazendo bem-feito o BOM.

O texto, que pretensiosamente chamo de cartilha, terá quatro partes: o que eu tendi o que é ser Líder, o que é Hierarquia, o que é Disciplina e o amál­gama de delas – “A Lealdade” elementos necessários ao Líder.

Um Líder

A arte da guerra é governada por cinco fatores constantes, que devem ser levados em conta. São: a Lei Moral; o Céu; a Terra; o Chefe; o Método e a Disciplina.  A Lei Moral faz com que o povo fique de completo acordo com seu governante, levando-o a segui-lo sem se importar com a vida, sem temer perigos.
(A Arte de  Guerra – Sun Tzu)

Há na literatura clássica referência aos motivos que um homem segue outro: “Os atenienses declara­ram serem três dos mais fortes motivos para aceitar a proposta espartana: medo, interesse e honra” ([2]); Maquiavel: “Na verdade, os homens ofendem ou por medo ou por ódio”. (Capítulo XII). Longe de me comparar aos clássicos, meu “pitaco”, por não ser um estudioso, mas apenas um praticante de liderança, é: “um homem segue outro por um dos três motivos: por medo ou por corrupção ou por ideal”. Por medo, se estiver sob o mando de alguém tirano e déspota; por propina, se tiver personalidade gananciosa; e por ideal, se estiver sob o mando de quem se crê as intenções, capacidade e disposição.

Necessariamente, nem sempre a liderança, acontece só por motivos honrados. Há líderes em todos os espectros da sociedade: do sacro ao vil. Mas em qualquer espectro, o líder reúne qualidades que lhe permitem conduzir outros homens. Liderança tem um objetivo a ser conquistado. Não há liderança para não fazer nada. Aprendi cedo a identificar um superior, um igual e até mesmo um subordinado, como líder respon­dendo a mim mesmo: eu gostaria que tal pessoa me comandasse?

    1. Minha Definição de Líder

Elemento que assume a responsabilidade de conduzir um “determinado grupo social” para uma “determinada ação” em um “determinado ambiente”.

    1. Tipos de Homens.

Em qualquer grupo humano, existem dois tipos de homens – “homem que não quer…” e “homem que quer…”.  Dentre o “homem que quer...”, e há poucos, há o homem que “nasceu para ser segundo” e o que “nasceu para ser primeiro”, de elevada minoria.

O “homem que não quer...” ([3]) é um ser que não tem ideias próprias. Sempre está atento à ideia do seu chefe. Dificilmente aceita ideias de subordinados. Não tem luz própria e viceja à sombra de alguém. Culmina por acomodar-se em algum canto e reza para que nunca se lembrem dele até que a morte o livre dos compromissos. No mais das vezes é um mercenário da sua atividade.

O “homem que quer…”, mas que “nasceu para ser segundo”, sendo inteligentes, será grande e exímio, cumpridor de ordens; diligente e criativo execu­tor de ideias alheias; espectador de fatos consumados. Nunca espere um ato ou ideia de sua iniciativa. Se expuser ideia nova, não será sua e, sendo sua, o fará somente depois de ungida pelo chefe. ([4])

O “homem que quer…” e “nasceu para ser primeiro” tem a iniciativa como primeira atitude. Mes­mo sendo de inteligência menos brilhante, sempre es­tará em vanguarda, pois a sua impulsividade contagiará os que o cercam e, assim, a máquina da vida será impulsionada para frente. Mesmo com ideias de brilho menor e alcance prospectivo limitado, um “homem que quer” e nasceu para ser primeiro:

          • Tem ideia própria;
          • É receptivo à ideia nova;
          • Valoriza sempre os subordinados;
          • É LEAL nas três direções – superior, subordinados e semelhantes – isto é, pratica os três “S” da lealdade, e
          • Julga os homens pelos números de acertos e não pelos de erros.

O “homem que quer” e “nasceu para ser primeiro” – é LÍDER.

    1. Líder

A força do líder reside na força moral e equilíbrio emocional.

Moral é o compromisso da pessoa, consigo mesma, de respeitar os códigos de valores vigentes que seu íntimo avalia como sensato. Podem até ser estabe­lecidos pelos liderados e introjetados pelo líder. Tais va­lores codificados recebem uma quantificação: é a dife­rença entre o que “o Líder quer, para si e para os lide­rados” e o que “o Líder não quer, para si e para os lide­rados”. Esta quantificação é o “valor em moral”, como se moeda fosse. Esse “valor em moral” é que gera uma força, um poder, uma energia transformadora no líder.

Força Moral, portanto, é a crença de que os valores morais, quantificados e estabelecidos; são inalienáveis em qualquer negociação de conflito. A autodisciplina será fundamental para o fortalecimento da força moral. A força moral será tanto maior quanto maior for a autodisciplina do Líder.

A Força Moral gera uma Vontade Resistente, que sublima cansaço, dores, fadigas, fome… E a Vontade Resistente se chama “IDEAL”. O Ideal justifica a motivação (motivo que convence perto do limiar da euforia).

O Equilíbrio Emocional é fundamental para manter os liderados confiantes nas decisões do Líder. O destemperamento, a agressão gratuita, a busca de culpados deságua na perda da Força Moral.

Em resumo: o líder e seus liderados buscam um ideal alimentado pela motivação, motivação gerada por uma vontade resistiva vinda da força moral cujo valor dessa força é a diferença do que se quer e do que não se quer sem a perda do equilíbrio emocional. A lide­rança é uma atividade de altruísmo. O líder não pode esperar recompensa, pagamento ou reconhecimento. Se acontecer alguma dessas manifestações, deverá ser de forma espontânea e por iniciativa de seus liderados.

Muitas literaturas existem sobre: formação de líderes; qualidades dos líderes; tipos de lideranças; as­pectos psicológicos: do líder, da liderança e dos lidera­dos e, até aspectos metafísicos, genéticos, ambien­tais… dos líderes. A psicologia, a psiquiatria, a neuro­logia produzem montanhas de literatura a respeito de Líderes e Liderança.

Entretanto, são sempre considerações estabele­cidas por pessoas sem experiência de liderança na prá­tica. No mais das vezes repetem conceitos alheios, também teóricos.

Quando os liderados querem algo ou alguma coisa, o Líder conhece muito bem o “o que, o como, o quando e o porquê” de esse querer. O Líder então: conhece seus liderados e conhece e interpreta o desejo, a esperança e a vontade dos que o rodeiam. Conhece a Vontade Social, do grupo. Convence com seu equilíbrio emocional.

Conhece também, e muito bem, o local, o terreno, onde atua, isto é o ambiente físico, a geografia. (Continua…)

(Higino Veiga Macedo)

Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 20.04.2023 – um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;  

  • Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
  • Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
  • Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
  • Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
  • Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
  • Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
  • Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
  • Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
  • Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
  • Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
  • Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
  • Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
  • Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
  • E-mail: hiramrsilva@gmail.com.

[1]    Étimo: verdadeiro significado de uma palavra, de acordo com a sua origem. (Hiram Reis)

[2]    A Origem da Guerra no Ocidente – Doyne Dawson – pág. 169 – Blibliex 1999. (Higino)

[3]    … “cumpria seus deveres de subordinados com maior prazer que os de Chefes”. (Leon Tolstoi – Guerra e Paz – Segunda Parte – Cap II – 6° §); Araktcheiev era um fiel executor, observador da ordem e guarda pessoal do imperador. (Idem, ibidem – Nona Parte – Cap IX – § 10). (Higino)

[4]    HONORÉ DE BALZAC – Alguns indivíduos são como o zero. Eles precisam de um algarismo que os preceda e sua nulidade adquire, então, um valor decuplicado. (Higino)

Nota – A equipe do EcoAmazônia esclarece que o conteúdo e as opiniões expressas nas postagens são de responsabilidade do (s) autor (es) e não refletem, necessariamente, a opinião deste ‘site”, são postados em respeito a pluralidade de ideias