Contrarrevolução de 1964 – Parte III

Temos a honra de continuar repercutindo o arti­go do Advogado, Escritor e Consultor Jurídico Jacinto Sousa Neto.

A História Secreta e Real da Revolução de 1964
(Jacinto Sousa Neto – jus.com.br, 10.08.2022)

[…] Ademar de Barros teve a sua ação recom­pensada por calorosa manifestação popular. Pouco dias antes da eclosão do movimento revo­lucionário, o Governador Ademar de Barros sen­sibilizou o país com o decidido apoio que prestou a realização da monumental Marcha da Família, em São Paulo. Em seguida, manifestando sua adesão a Magalhães Pinto. Ademar praticamente decretou a vitoriosa sorte da revolução. Na noite do triunfo, a população paulista promoveu-lhe grandes homenagens, no Palácio dos Campos Elísios. (Imagem 25)

O mais impressionante espetáculo cívico até ho­je registrado no Brasil foi totalmente organizado pela Campanha da Mulher pela Democracia. A bandeira brasileira foi empunhada por pessoas de 8 a 80 anos. Se, por acaso, faltava haste, o guarda-chuva resolvia o problema. As senhoras responsáveis pela organização da passeata can­tavam hinos religiosos. Embaixo, o Marechal Augusto Magessi e Ângelo M. de Morais. Apesar da ameaça de chuva, as ruas centrais da cidade estavam lotadas desde cedo. Muitos participa­ram da marcha com velas acesas. (Imagem 26)

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Nem o tempo chuvoso impediu que os cariocas dessem o testemunho público de seu amor às liberdades públicas e de seu espírito sincera­mente cristão. A figura apostolar do grande Papa João XXIII, cujo espírito ficou perenemente ligado às encíclicas “Mater et Magistra” e “Pacem in Terris”, foi lembrada pelos fiéis reunidos na grande demonstração. Sobre a massa dos guar­da-chuvas abertos, elevam-se as centenas de faixas, cujas inscrições traduziam os sentimen­tos da imensa multidão. Ao lado: o grande cor­tejo avança na Avenida Rio Branco. Bandeiras, umas imensas, outras menores, eram agitadas no ar, em manifestações de entusias­mo. Por isso longo tempo se sucederam esses testemunhos de fé e de civismo.

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O General Juraci Magalhães, ex-governador da Bahia, e sua esposa, participaram da marcha cristã. Muitos automóveis conduziam bandeiras ao lado e impressos de propaganda da demons­tração de fé. Entre os cartazes anticomunistas exibidos, havia alguns de inspiração caricatural. Enquanto muitas pessoas, de seus escritórios, na Avenida Rio Branco, acenavam com lenços brancos para a multidão em desfile, outras convertiam edifícios em construção em postos de observação ou faziam o “V” da vitória. (Imagem 29)

Os chefes e líderes do movimento armado que depôs João Goulart mostram-se, agora, preocu­pados em ganhar a segunda etapa da rebelião: a instalação de um governo com autoridade políti­co-militar e dotado de cobertura parlamentar a fim sobreviver aos próximos meses, decerto os mais difíceis.

A ascensão do Sr. Ranieri Mazzili, para quem presenciou os dramáticos lances desenrolados na madrugada de quarta-feira em Brasília, teve a marca nítida do fato consumado. A posse do novo presidente foi o resultado de uma sucessão de atitudes decididas do grupo político que se dispusera a entregar-lhe o poder o mais depressa possível. Até o último instante da posse pairavam no terceiro andar do Palácio do Planalto os anseios de que uma derradeira resistência dos remanescentes do governo de Jango presentes em Brasília, ainda pudesse modificar o rumo da solução adotada pelo Congresso. (Imagem 30)

Às três horas da madrugada, sobrepondo-se aos protestos dos partidários de Jango no Congresso, o Senador Auro de Moura Andrade, sob sua responsabilidade, declarou vaga, a presidência da República e anunciou a decisão de transmitir o cargo ao presidente da Câmara dos Deputados. Na véspera da deposição de Jango, o Sr. Tancredo Neves foi um dos parlamentares mais ativos em favor do ex-presidente. Depois, nada mais pode fazer. O Deputado Doutel de Andrade, líder do PTB, tentou obstar a proclamação da posse de Mazzilli, mas nada conseguiu. (Imagem 31)

A grande maioria do Congresso aceitou a posse do Presidente Ranieri Mazzili com um fato consumado, sem dar ouvido aos protestos dos setores esquerdistas. O Deputado Adauto Lúcio Cardoso, irredutível adversário de Jango, discursa na noite em que o governo havia mudado. (Imagem 32)

À esquerda o Deputado Bocaiúva Cunha tenta impugnar a posse de Mazzilli. Em cima, Francisco Julião na tribuna. O ex-ministro do Trabalho e antigo líder do PTB, Almino Afonso, foi veemente nas palavras bem como nos gestos. (Imagem 33)

O empenho de Ranieri Mazzili em construir um ministério politicamente estável revela, de certa forma, a perspectiva de que ele próprio seja o presidente escolhido pelo Congresso para completar o quinquênio iniciado por Jânio. Ranieri Mazzilli assume a presidência na presença do Ministro Ribeiro da Costa e do Senador Auro de Moura Andrade.

Foi aos brados que o senador Auro de Moura Andrade foi aos brados, sobrepondo-se aos desesperados protestos dos deputados trabalhistas, proclamou vago o cargo de presidente da República, declarando nele empossar Ranieri Mazzilli.

O novo chefe do governo entrou no Palácio do Planalto através da garagem, usando de hábil estratagema e viajando num carro particular fortemente guardando. Logo em seguida ali chegaram dezenas de deputados e senadores que viveram duas horas de enorme apreensão, por julgarem que não contavam com suficiente cobertura militar para garantir a solenidade de posse. Mazzili foi investido no posto de supremo mandatário do país em cerimônia surpreenden­temente rápida.

Valeu-lhe, no caso, a experi­ência adquirida em situações anteriores para agir com presteza.

O novo presidente empossou o General André Fernandes na chefia do seu Gabinete Militar e nomeou o General Costa e Silva, o Almirante Augusto Radmacker e o Brigadeiro Correia de Melo para ministros da Guerra, Marinha e Aeronáutica. Sem saber o rumo tomado pelo avião de Jango, o governo recém-constituído prosseguiu na tática do fato consumado para revelar ao país decisões positivas e imediatas.

Apesar de já ter nomes em cogitações para as demais pastas ministeriais, Mazzili achou que não deveria fazer novas nomeações sem antes consultar as forças políticas e militares, cuja sublevação o guindara ao poder. Encarregou, então, o Senador Moura Andrade de realizar consultas em Minas, Guanabara e São Paulo, junto aos Governadores Magalhães Pinto, Carlos Lacerda e Ademar de Barros. (Imagem 34)

Mesmo correndo os riscos do retardamento na complementação do ministério, Mazzili julgou que devia somar o mais possível em torno de seu governo. A rigor, não necessitaria ele de tantos cuidados e preocupações de segurança na constituição de um ministério interino. A eleição do presidente encarregado de completar este atribulado quinquênio e de presidir o pleito de 65 terá que verificar-se dentro dos próximos trinta dias. Isto quer dizer que, eventualmente, a eleição dentro do parlamento poderá ter lugar na próxima semana. Mas o empenho do Sr. Ranieri Mazzili em constituir um ministério politicamente estável revela, de certa forma, a perspectiva de que ele próprio seja o escolhido para a alta investidura.

Apesar dos últimos acontecimentos, que poderiam tê-lo desgastado pelo menos junto ao PTB, sua aceitação em todas as bancadas continua inalterada. Resta apenas uma dúvida: sendo ele o presidente em exercício, poderá ser eleito para concluir o mandato? O caso é inédito e a hipótese não estava prevista. Seus partidá­rios argumentam desde já que ele está na chefia do governo apenas na qualidade de presidente da Câmara e, portanto, é elegível. De resto, o PSD tudo fará para conservar o poder em suas mãos através de Mazzili, para uma solução pacífica, ou então através de Moura Andrade, para uma fórmula de luta aberta contra o PTB. A rigor, não necessitaria ele de tantos cuidados e preocupações de segurança na constituição de um ministério interino. A eleição do presidente encarregado de completar este atribulado quinquênio e de presidir o pleito de 65 terá que verificar-se dentro dos próximos trinta dias. Isto quer dizer que, eventualmente, a eleição dentro do parlamento poderá ter lugar na próxima semana. Mas o empenho do Sr. Ranieri Mazzili em constituir um ministério politicamente estável revela, de certa forma, a perspectiva de que ele próprio seja o escolhido para a alta investidura. Apesar dos últimos acontecimentos, que poderiam tê-lo desgastado pelo menos junto ao PTB, sua aceitação em todas as bancadas continua inalterada. Resta apenas uma dúvida: sendo ele o presidente em exercício, poderá ser eleito para concluir o mandato? O caso é inédito e a hipótese não estava prevista. Seus partidários argumentam desde já que ele está na chefia do governo apenas na qualidade de presidente da Câmara e, portanto, é elegível.

De resto, o PSD tudo fará para conservar o poder em suas mãos através de Mazzili, para uma solução pacífica, ou então através de Moura Andrade, para uma fórmula de luta aberta contra o PTB. Esta seria a solução civil. A militar inclui os nomes dos Generais Castelo Branco e Amauri Kruel e dos Marechais Dutra e Lott. Já a solução udenista e mineira conta com um nome único e absoluto: Magalhães Pinto. O governador mineiro cresceu muito nos recentes episódios, tanto para a eventualidade de ser eleito indiretamente pelo Congresso, como também para disputar as preferências da convenção da UDN.

Deixando de lado as conjecturas de nomes e as cogitações políticas, o certo é que a nova estrutura dominante, com amplo controle do Executivo e maioria tranquila do Congresso, está consciente de que necessita fazer algo de concreto e urgente no sentido das reformas. A primeira providência será mesmo a de votar o projeto do Deputado Aziz Badra que possibilita a reforma agrária sem necessidade de alterar a Constituição. O PTB vai opor-se ao projeto, por considera-lo mistificador. Partindo rapidamente para a desmobilização dos espíritos, para a instauração de uma atmosfera mais tranquila e para a votação de alguns projetos reformistas, o novo governo visa a diluir a imagem do presidente deposto. Está receoso de que o imobilismo ou uma posição conservadora possam fazer crescer perigosamente uma imagem de saudosismo. A sombra que se projeta do Sul leva o novo governo a empenhar-se na sua rápida dissipação. (Imagem 35)

Quando o Governador Magalhães Pinto, em Mi­nas convocou a nação para o movimento revolu­cionário, as tropas do II Exército começaram a marchar, de São Paulo, para o vale do Paraíba. De Minas, convergiam para o Estado do Rio outras forças. Tudo fazia prever uma verdadeira hecatombe, ao longo do vale do Paraíba, se a ordem de fogo chegasse a ser dada. Todas as tropas em marcha eram de elite, aparelhadas com armas modernas.

Na fria manhã, os transportes militares avançavam pelo planalto, conduzindo homens dispostos a invadir o Estado da Guanabara. Patrulhas avançadas tomam posição para garantir o avanço do II Exército. Embaixo composições ferroviárias conduzem tanques e jipes de São Paulo, para o vale do Paraíba. (Imagens 36 e 37)

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Imagem 37

Eles vêm de Juiz de Fora e de São João Del Rei para o vale da Paraíba, sob o comando do General Murici. Em determinado momento, o choque pareceu inevitável: foi quando as forças que partiram do Rio ocuparam Areal, a 3 km das linhas avançadas dos mineiros. (Imagem 38)

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Carros de combate da força comandada pelo General Murici chegam ao ponto de quase estabelecer contato com os carros blindados do General Cunha Melo. Mas estes regressaram, ao verem a disposição de luta dos mineiros. Enquanto as forças de São Paulo seguiam na direção da Guanabara, já em território fluminense, as que vinham de Minas Gerais, comandadas pelo General Murici, também progrediam rumo ao Rio.

Os mineiros eram 15 mil homens, fortemente armados e municiados, pertencentes, em sua maioria, às guarnições de Juiz de Fora e de São João Del Rei. A perspectiva era de um encontro de tragédia consequências, entre essas tropas e as paulistas, contra as que tinham partido em defesa do governo João Goulart, comandadas pelo General Cunha Melo. Reuniam essas tropas o Regimento Sampaio, de gloriosas tradições, e o 1º Batalhão de Caçadores, de Petrópolis. Mas todos os contingentes em manobras acabaram por se congraçar, evitando à hecatombe e encontrando uma saída sem sangue para a crise. Nas imediações do vale da Paraíba (na frente mineira) oficiais confabularam sobre a atitude de assumir. Na foto acima poderosas peças de artilharia prontas para entrar em ação. Se tivesse havido resistência, a guerra civil começaria. (Imagem 39)

O General Amauri Kruel, comandante do II Exército, passou em revista os cadetes e prestou continência a bandeira da tradicional Academia de Agulhas Negras, que já havia, aliás, ocupado. (Imagem 40)

Em seu breve encontro com Morais Âncora em Resende foi decisivo. Assim, em Resende, o General Kruel teve uma grata surpresa: os 600 cadetes da Academia Militar de Agulhas Negras aderiram ao II Exército e, de metralhadora, dominavam a rodovia. Depois, ali chegou de automóvel, o recém-empossado ministro da Guerra, General Morais Âncora. Tiveram, os dois, um breve encontro. “O senhor veio apenas me dizer boa noite! Já não é mais ministro e não pense em resistir!”.

Disse-lhe Kruel. O General Morais Âncora fez meia volta e regressou. Sua tropa, que estacionara a 30 km de Resende, regressou também, inclinando-se à vitória da rebelião.

Flagrante da histórica reunião entre o General Kruel (ao centro) e o General Morais Âncora (à direita), último ministro da Guerra de Jango, estando também presente o General Aluísio Miranda Mendes, que exerce a função de comandante da Segunda Divisão de Infantaria. À esquerda: General Emílio Garrastazu Médici, comandante da Escola Militar de Agulhas Negras, escolta o General Morais Âncora à porta do estabelecimento. Em cima: o comandante do II Exército, General Amauri Kruel, em palestra com outros generais, em Resende. (Imagem 41) (Continua…)

Bibliografia: 

Dr. Jacinto Sousa Neto: A história secreta e real da revolução de 1964 – Jus.com.br | Jus Navigandi

MOURÃO FILHO. A História Secreta da Revolução. Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Manchete Revista Semanal, Edição Histórica, Abril de 1964: Manchete (RJ) – 1952 a 2007 – DocReader Web (bn.br) 

Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 11.04.2023 – um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.

 (*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;  

  • Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
  • Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
  • Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
  • Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
  • Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
  • Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
  • Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
  • Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
  • Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
  • Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
  • Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
  • Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
  • Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
  • E-mail: hiramrsilva@gmail.com

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