Abril Indígena: Seminário debate violações de direitos humanos contra trabalhadores e povos indígenas na Amazônia

Durante três dias, membros do Ministério Público, pesquisadores e lideranças indígenas discutiram dados e estratégias para responsabilização e reparação das violações identificadas

Foto: Fabiana Araújo/MPF/AM

Apresentar à sociedade e, sobretudo, às populações indígenas afetadas, dados parciais levantados em projeto de pesquisa que apura a participação de mineradora nas violações de direitos humanos durante a ditadura militar no Brasil. Esse foi um dos objetivos do seminário Violações de Direitos Humanos cometidos contra Trabalhadores e Povos Indígenas na Amazônia, que terminou na última sexta-feira (14), em Manaus. A iniciativa faz parte da programação do Abril Indígena, campanha do Ministério Público Federal (MPF) que busca reforçar direitos e discutir problemas enfrentados pelos povos originários.

Com duração de três dias, o evento também buscou debater estratégias e instrumentos para responsabilização e reparação das violações, dialogando com lideranças e ouvindo representantes dos povos indígenas impactados, como os Tenharim, Waimiri Atroari e Tukano. Além de membros do MPF e do Ministério Público do Trabalho, participaram do encontro pesquisadores, especialistas e lideranças indígenas do Amazonas.

Durante a abertura do seminário, a coordenadora da Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do MPF (6CCR), Eliana Torelly, reiterou o compromisso do Ministério Público em levar adiante as investigações acerca das violações de direitos contra indígenas e trabalhadores. Ressaltou que a 6CCR dispõe de assessoria antropológica, econômica e jurídica, e que a Secretaria de Perícia, Pesquisa e Análise utiliza tecnologias de ponta em termos de georreferenciamento, busca de informações e levantamento de dados de toda natureza, inclusive cruzamento de informações bancárias e financeiras. “Desde já, colocamos à disposição a nossa estrutura para tudo que possa auxiliar esta investigação que é, na verdade, um débito histórico do nosso país”, declarou.

A subprocuradora-geral da República afirmou ainda que o resgate histórico das violações cometidas durante a ditadura é imprescindível para que o país encontre a paz social. “A memória do país não se estabilizará sem a Justiça. São investigações complexas e que esbarram em diversos interesses, mas o MPF tem condições de colocar à disposição uma estrutura que permita uma investigação bem-sucedida e uma reparação histórica mais do que necessária”, pontuou.

A mesa de abertura do seminário, realizado na Universidade Federal do Amazonas, também contou com a participação do ministro do Superior Tribunal de Justiça Mauro Campbell, via transmissão on-line, e com a presença dos procuradores da República Steven Zwicker e Fernando Merloto e da procuradora do Trabalho Ana Luiza Noronha.

Violações – O projeto de pesquisa, realizada com o apoio do Centro de Antropologia e Arqueologia Forense da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), é um desdobramento de inquérito civil público que apura a participação da empresa Paranapanema nas violações de direitos humanos cometidas durante o regime militar. A investigação – iniciada no âmbito da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) – é conduzida pelo MPF em São Bernardo do Campo (SP), onde a empresa é sediada.

Responsável pelo inquérito, o procurador da República Steven Zwicker explica que a pesquisa, apontou uma série de violações cometidas pela Paranapanema nos estados do Amazonas, Pará, Roraima e Rondônia. “As violações estão vinculadas à mineração, especialmente de cassiterita, em áreas como as Minas do Pitinga e do Igarapé Preto, no sul do Amazonas, onde há presença dos povos indígenas Tenharim e Waimiri Atroari, extremamente impactados pela atuação da mineradora. Estamos descobrindo vários momentos em que o governo ditatorial e essas empresas trabalharam em simbiose: um entregando vantagens para o outro”, pontuou.

O coordenador do projeto de pesquisa, professor Gilberto de Souza Marques, da Universidade Federal do Pará (UFPA), detalhou as descobertas. “Foram violações que consideramos gravíssimas, como a utilização de trabalho em condições análogas à escravidão, transgressão de cemitérios indígenas, agressões à cultura como o deslocamento de aldeias, fraudes de documentos, repressão violenta à atividade sindical e torturas no ambiente do trabalho. Acreditamos que essas violações devam ser levadas a uma responsabilização no mesmo nível”, defendeu o pesquisador.

Segundo o procurador Steven Zwicker, a partir da finalização da pesquisa, prevista para junho deste ano, o MPF prosseguirá com o andamento das tratativas no âmbito do inquérito cível. “O MPF requisitou vasta documentação aos órgãos, instituições e empresas e agora está trazendo a Paranapanema para buscar uma solução acordada ou propor um pedido de responsabilização em âmbito judicial”, esclareceu.

Histórico – A Paranapanema foi fundada em São Paulo em 1961 como empresa da construção civil. Entrou na mineração quatro anos depois e, a partir do golpe de 1964, passou a atuar na Amazônia brasileira. Dados levantados pela pesquisa apontam que pessoas vinculadas ao grupo empresarial assumiram postos de destaque no governo, que chegou a contratar a Paranapanema para abrir estradas.

Em 1969, a empresa adquiriu as minas de cassiterita do Igarapé Preto, no sul do Amazonas, onde seria contratada para construir um trecho da rodovia Transamazônica no início dos anos 1970. Isso teria facilitado a apropriação do território do povo Kagwahiva-Tenharim e permitido a construção de estrada particular até a mina de cassiterita do Igarapé Preto.

Segundo a pesquisa, durante a construção das estradas, teria ocorrido deslocamento de cemitérios e aldeias, agressões à cultura do povo e utilização de trabalho indígena em condições análogas ao trabalho escravo, entre outras violações.

A rodovia federal Perimetral Norte, em Roraima, também foi construída pela Paranapanema. Juntamente com a BR-174, que liga Manaus a Boa Vista, sua construção teria permitido a invasão e apropriação do território Waimiri-Atroari, causando agressão física com assassinatos, disseminação de doenças e queda no número da população, em função da estrada e da extração de cassiterita no leito de rio e igarapés.

A Paranapanema passou por reestruturações de capital no decorrer dos anos 1990 e seguintes. Sua principal subsidiária em solo amazonense, a Mineração Taboca, foi vendida ao grupo Minsur em 2008, e permanece em plena atividade de extração mineral no que foi, anteriormente, território indígena.