Para PGR, mineração com impacto sobre meio ambiente ou terras indígenas não pode ser objeto de aprovação tácita

Em manifestação ao Supremo, procurador-geral defende que resolução da ANM receba interpretação conforme à Constituição

Foto: Antonio Augusto/Secom/MPF

Nenhum ato que possa gerar impactos sobre o meio ambiente ou territórios indígenas deverá ser autorizado sem prévia avaliação criteriosa dos órgãos competentes e à luz da legislação vigente. Esse é o entendimento defendido pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, em parecer enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF). A manifestação foi na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 921, proposta pelo partido Rede Sustentabilidade contra atos concessivos do poder público sobre a atividade de mineração em unidades de conservação da Amazônia e terras indígenas. A ação também questiona norma da Agência Nacional de Mineração (ANM) que trata da aprovação tácita de atividades mineradoras.

O partido político aponta a violação de diversos preceitos constitucionais na autorização por parte do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, à época comandado pelo general Augusto Heleno, para atividades de pesquisa e lavra de mineração na região denominada Cabeça do Cachorro, localizada no município de São Gabriel da Cachoeira (AM). Alega, ainda, a inconstitucionalidade da Resolução ANM 22/2020, que estabelece a aprovação tácita do exercício de mineração, quando decorrido o prazo legal sem que o órgão responsável tenha examinado o respectivo pedido. Para o partido, as autorizações caminham em sentido contrário à proteção dos povos indígenas e do meio ambiente.

No entendimento do procurador-geral, a ADPF 921 não deve ser conhecida. Uma das razões, segundo ele, seria a impugnação de ato de caráter secundário e não da norma primária. O parecer observa que a Resolução ANM 22/2020 regulamenta o disposto nos arts. 11 e 18 do Decreto 10.178/2019 sobre a fixação do prazo para aprovação tácita dos atos públicos de liberação das atividades econômicas sob competência da agência. Desse modo, o PGR entende que a ADPF não poderia ter por objeto ato normativo de caráter meramente regulamentar.

Vedação já existe – Ao analisar o mérito, Aras aponta que o texto da legislação deixa esclarecido que as atividades econômicas com alto potencial de degradação ambiental foram “expressamente ressalvadas do âmbito de incidência da regra de aprovação tácita”. Segundo ele, em exercício de compatibilização de normas – constitucionais, infraconstitucionais e infralegais –, é possível compreender que a resolução “não exime o administrador da obediência ao procedimento de licenciamento ambiental, quando cabível”.

No entanto, o procurador-geral entende que a diversidade de atos regulatórios no setor minerário pode conduzir a interpretações dúbias e, por isso, sugere ao STF a adoção de interpretação conforme à Constituição ao art. 2º da Resolução ANM 22/2020, deixando explícito que nenhum ato que possa ter impacto sobre o meio ambiente ou terras indígenas haverá de ser objeto de aprovação tácita pelo poder público, sem antes passar por criteriosas e responsáveis avaliações dos órgãos competentes, nos termos exigidos pelo regramento vigente.

No parecer, o procurador-geral da República justifica o não conhecimento da ADPF também pela perda de objeto, uma vez que parte dos atos impugnados foi cassada pelo poder público, permanecendo válido e passível de análise somente o Ato de Assentimento Prévio 285/2022. A norma surgiu a partir de procedimento encaminhado pela ANM ao Conselho de Defesa Nacional (CDN) por situar-se em faixa de fronteira. O documento aponta que a análise que resultou no deferimento do pedido considerou todos os critérios legais para obtenção de pesquisa mineral – ato que antecede a análise para a permissão da lavra garimpeira e não representa a autorização nesse sentido, que pode, ou não, ser fornecida pela agência reguladora posteriormente.

Segundo o PGR, as informações prestadas pelo CDN comprovam que a área de assentimento prévio situa-se no entorno de terras indígenas, sem sobreposição. “O receio do requerente é compreensível, muito especialmente considerado o contexto de crise humanitária que atingiu os indígenas Yanomami. Não há, porém, indicação nos autos de ato atual autorizativo de atividade exploratória com potencial impacto sobre a região que acenda alerta imediato, nem de que tenha havido atuação irregular, contrária às normas aplicáveis”, afirma Aras. Segundo o PGR, nas informações juntadas ao processo, a ANM deixa explícita a vedação à exploração mineral em terras indígenas, fato que tem embasado o automático indeferimento de pedidos dessa natureza e motivou a cassação dos atos impugnados na ADPF.

Íntegra da manifestação na ADPF 921