A Terceira Margem – Parte DLX

Jornada Pantaneira 

Hiram Reis e Silva -um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.

Anacronismo Pertinaz

Aprendi quando criança que o Comunismo era um sistema político, social e econômico baseado no princípio da igualdade, onde supostamente não existi­riam classes sociais distintas e onde o Estado assumiria um papel preponderante na distribuição igualitária da riqueza. A prática e a história, porém, mostraram que se tratava apenas de uma ideologia ultrapassada, retrógrada e utópica.

É deprimente verificar o que professam os historiadores de hoje, comportando-se como legítimos órfãos do muro de Berlim, insistindo em manter vivo um sistema político desde há muito morto, enterrado e putrefato. São sociólogos, ideólogos, filósofos, profes­sores, clérigos e políticos que procuram moldar os corações e mentes de jovens e despreparados estu­dantes, de uma população onde impera o analfabetismo funcional e anestesiada pelas benesses patrocinadas por uma máquina pública corrupta através de fami­geradas, virulentas e aliciadoras bolsas assistenciais.

A historiografia moderna está de tal forma impregnada pela ideologia ParTidária que se torna cada vez mais difícil ter acesso à versão real dos fatos. Os novos “historiadores” se preocupam, por demais, em atrelar suas convicções ideológicas aos eventos históricos comprometendo, com isso, a veracidade dos acontecimentos.

Felizmente alguns jornalistas, mais esclarecidos, cuja vivência e estudo lhes apresentou uma realidade diferente daquela apregoada por pseu­do-salvadores da Pátria, surgem e se destacam desta massa ignara que domina os órgãos de comunicação e de ensino de nosso pobre País. Reproduziremos um interessante artigo do Jornalista, Filósofo e Cientista Político Olavo de Carva­lho publicado no dia 31.12.2000 no seu Blog oficial ‒ www.olavodecarvalho.org:

Militares e a Memória Nacional

Como todos os meninos da escola na minha época, eu não podia cantar o Hino Nacional ou prestar um juramento à bandeira sem sentir que estava parti­cipando de uma pantomima. A gente ria às escon­didas, fazia piadas, compunha paródias escabrosas. Os símbolos do patriotismo, para nós, eram o su­prassumo da babaquice, só igualado, de longe, pelos ritos da Igreja Católica, também abundantemente ridicularizados e parodiados entre a molecada, não raro com a cumplicidade dos pais. Os profes­sores nos repreendiam em público, mas, em segre­do, participavam da gozação geral. Cresci, entrei no jornalismo e no Partido Comunista, frequentei rodas de intelectuais. Fui parar longe da atmosfera da minha infância, mas, nesse ponto, o ambiente não mudou em nada: o desprezo, a chacota dos símbolos nacionais eram idênticos entre a gente letrada e a turminha do bairro. Na verdade, eram até piores, porque vinham reforçados pelo prestígio de atitudes cultas e esclarecidas. Graciliano Ramos, o grande Graciliano Ramos, glória do Partidão, não escrevera que o Hino era “uma estupidez”? ([1])

Mais tarde, quando conheci os EUA, levei um choque. Tudo aquilo que para nós era uma palhaçada hipócrita os americanos levavam infinitamente a sério. Eles eram sinceramente patriotas, tinham um autêntico sentimento de pertinência, de uma raiz histórica que se prolongava nos frutos do presente, e viam os símbolos nacionais não como um convencionalismo oficial, mas como uma expressão materializada desse sentimento.

E não imaginem que isso tivesse algo a ver com riqueza e bem-estar social. Mesmo pobres e discrimi­nados se sentiam profundamente americanos, orgu­lhosamente americanos, e, em vez de ter raiva da pátria porque ela os tratava mal, consideravam que os seus problemas eram causados apenas por maus políticos que traíam os ideais americanos.

Correspondi-me durante anos com uma moça negra de Birmingham, Alabama. Ali não era bem o lugar para uma moça negra se sentir muito à vontade, não é mesmo? Mas se vocês vissem com que afeição, com que entusiasmo ela falava do seu país! E não só do seu país: também da sua igreja, da sua Bíblia, do seu Jesus. Em nenhum momento a lembrança do racismo parecia macular em nada a imagem que ela tinha da sua pátria. A América não tinha culpa de nada. A América era grande, bela, generosa. A maldade de uns quantos não podia afetar isso em nada. Ouvi-la falar me matava de vergonha.

Se alguém no Brasil dissesse essas coisas, seria exposto imediatamente ao ridículo, expelido do ambiente como um idiota-mor ou condenado como reacionário um integralista, um fascista. Só dois grupos, neste país, falavam do Brasil no tom afetuoso e confiante com que os americanos falavam da América.

O primeiro era os imigrantes: russos, húngaros, po­loneses, judeus, alemães, romenos. Tinham esca­pado ao terror e à miséria de uma das grandes tiranias do século [alguns, das duas], e proclama­vam, sem sombra de fingimento:

– Este é um país abençoado!

Ouvindo-nos falar mal da nossa terra, protestavam:

– Vocês são doidos. Não sabem o que têm nas mãos.

Eles tinham visto coisas que nós não imaginávamos, mediam a vida humana numa outra escala, para nós aparentemente inacessível. Falávamos de miséria, eles respondiam:

– Vocês não sabem o que é miséria.

Falávamos de ditadura, eles riam:

– Vocês não sabem o que é ditadura.

No começo isso me ofendia. “Eles acham que sabem tudo”, dizia com meus botões. Foi preciso que eu estudasse muito, vivesse muito, viajasse muito, para entender que tinham razão, mais razão do que então eu poderia imaginar. A partir do momento em que entendi isso, tornei-me tão esquisito, para meus conterrâneos como um estoniano ou húngaro, com sua fala embrulhada e seu inexplicável entusiasmo pelo Brasil, eram então esquisitos para mim.

Digo, por exemplo, que um país onde um mendigo pode comer diariamente um frango assado por dois dólares é um país abençoado, e as pessoas querem me bater. Não imaginam o que possa ter sido sonhar com um frango na Rússia, na Alemanha, na Polônia, e alimentar-se de frangos oníricos.

Elas acreditam que em Cuba os frangos dão em ár­vores e são propriedade pública. Aqueles velhos imi­grantes tinham razão: o brasileiro está fora do mundo, tem uma medida errada da realidade. O outro grupo onde encontrei um patriotismo autêntico foi aquele que, sem conhecê-lo, sem saber nada sobre ele exceto o que ouvia de seus inimigos, mais temi e abominei durante duas décadas: OS MILITARES. Caí no meio deles por mero acaso, por ocasião de um serviço editorial que prestava para a Odebrecht que me pôs temporariamente de editor de texto de um volumoso tratado “O Exército na História do Brasil”. A primeira coisa que me impressionou entre os militares foi sua preocupação sincera, quase obsessiva, com os destinos do Brasil. Eles discutiam os problemas brasileiros como quem tivesse em mãos a responsabilidade pessoal de resolvê-los.

Quem os ouvisse sem saber que eram militares te­riam a impressão de estar diante de candidatos em plena campanha eleitoral, lutando por seus progra­mas de governo e esperando subir nas pesquisas junto com a aprovação pública de suas propostas.

Quando me ocorreu que nenhum daqueles homens tinha outra expectativa ou possibilidade de ascensão social senão as promoções que automaticamente lhes viriam no quadro de carreira, no cume das quais nada mais os esperava senão a metade de um salário de jornalista médio percebi que seu interesse pelas questões nacionais era totalmente indepen­dente da busca de qualquer vantagem pessoal. Eles simplesmente eram patriotas, tinham o amor ao território, ao passado histórico, à identidade cultural, ao patrimônio do país, e consideravam que era do seu dever lutar por essas coisas, mesmo seguros de que nada ganhariam com isso senão antipatias e gozações.

Do mesmo modo, viam os símbolos nacionais – o Hino, a Bandeira, as Armas da República – como condensações materiais dos valores que defendiam e do sentido de vida que tinham escolhido. Eles eram, enfim, “americanos” na sua maneira de amar a pátria sem inibições. Procurando explicar as razões desse fenômeno, o próprio texto no qual vinha trabalhando me forneceu uma pista.

O Brasil nascera como entendida histórica na Batalha dos Guararapes, expandira-se e consolidara sua unidade territorial ao sabor de campanhas militares e alcançara pela primeira vez, um sentimento de unidade autoconsciente por ocasião da Guerra do Paraguai, uma onda de entusiasmo patriótico hoje dificilmente imaginável.

Ora, que é o amor à Pátria, quando autêntico e não convencional, senão a recordação de uma epopeia vivida em comum?

Na sociedade civil, a memória dos feitos históricos perdera-se, dissolvida sob o impacto de revoluções e golpes de Estado, das modernizações desacultu­rantes, das modas avassaladoras, da imigração, das revoluções psicológicas introduzidas pela mídia.

Só os militares, por força da continuidade imutável das suas instituições e do seu modo de existência, haviam conservado a memória viva da construção nacional.

O que para os outros eram datas e nomes em livros didáticos de uma chatice sem par, para eles era a sua própria história, a herança de lutas, sofrimentos e vitórias compartilhadas, o terreno de onde brotava o sentido de suas vidas.

O sentimento de “Brasil”, que para os outros era uma excitação epidérmica somente renovada por ocasião do carnaval ou de jogos de futebol [e já houve até quem pretendesse construir sobre essa base lúdica um grotesco simulacro de identidade nacional], era para eles o alimento diário, a consciência permanentemente renovada dos elos entre passado, presente e futuro. Só os militares eram patriotas porque só os militares tinham consciência da história da pátria como sua história pessoal.

Daí também outra diferença. A sociedade civil, desconjuntada e atomizada, é anormalmente vulnerável a mutações psicológicas que induzidas do Exterior ou forçadas por grupos de ambiciosos intelectuais ativistas apagam do dia para a noite a memória dos acontecimentos históricos e falseiam por completo a sua imagem do passado.

Ternuma

De uma geração para outra, os registros desapa­recem, o rosto dos personagens é alterado, o sentido todo do conjunto se perde para ser substituído, do dia para a noite, pela fantasia inventada que se adapte melhor aos novos padrões de verossimilhança impostos pela repetição de slogans e frases-feitas. Toda a diferença entre o que se lê hoje na mídia sobre o regime militar e os fatos revelados no site de Ternuma ([2]) vem disso.

Até o começo da década de 80, nenhum brasileiro, por mais esquerdista que fosse, ignorava que havia uma revolução comunista em curso, que essa revolu­ção sempre tivera respaldo estratégico e financeiro de Cuba e da URSS, que ele havia atravessado maus bocados em 1964 e tentara se rearticular mediante as guerrilhas, sendo novamente derrotada.

Mesmo o mais hipócrita dos comunistas, discursando em favor da “democracia”, sabia perfeitamente a nuance discretamente subentendida nessa palavra, isto é, sabia que não lutava por democracia nenhuma, mas pelo comunismo cubano e soviético, segundo as diretrizes da Conferência Tricontinental de Havana.

Passada uma geração tudo isso se apagou. A juventude, hoje, acredita piamente que não havia revolução comunista nenhuma, que o governo João Goulart era apenas um governo normal eleito constitucionalmente, que os terroristas da década de 70 eram patriotas brasileiros lutando pela liberdade e pela democracia.

No Brasil, a multidão não tem memória ppria.

Sua vida é muito descontínua, cortada por súbitas mutações modernizadoras, não compensadas por nenhum daqueles fatores de continuidade que preservava a identidade histórica do meio militar. Não há cultura doméstica, tradições nacionais, símbolos de continuidade familiar.

A memória coletiva está inteiramente à mercê de duas forças estranhas: a mídia e o sistema nacional de ensino. Quem dominar esses dois canais mudará o passado, falseará o presente e colocará o povo no rumo de um futuro fictício.

Por isso o site de Ternuma é algo mais que a reconstituição de detalhes omitidos pela mídia. É uma contribuição preciosa à reconquista da verda­deira perspectiva histórica de conjunto, roubada da memória brasileira por manipuladores maquiavélicos, oportunistas levianos e tagarelas sem consciência. Perguntam-me se essa contribuição vem dos milita­res? Bem, de quem mais poderia vir? (Olavo de Carvalho – www.olavodecarvalho.org)

Gaúcho

Sabe, Moço
(Chico Alves)

Sabe, moço
Que no meio do alvoroço
Tive um lenço no pescoço
Que foi bandeira pra mim
Que andei em mil peleias
Em lutas brutas e feias
Desde o começo até o fim.

Sabe, moço
Depois das revoluções
Vi esbanjarem brasões
Pra caudilhos coronéis
Vi cintilarem anéis
Assinatura em papéis
Honrarias para heróis.

É duro, moço
Olhar agora pra história
E ver páginas de glórias
E retratos de imortais.

Sabe, moço
Fui guerreiro como tantos
Que andaram nos quatro cantos
Sempre seguindo um clarim.

E o que restou? Ah, sim
No peito em vez de medalhas
Cicatrizes de batalhas
Foi o que sobrou pra mim […]

Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 15.03.2023 – um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;

  • Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
  • Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
  • Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
  • Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
  • Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
  • Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
  • Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
  • Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
  • Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
  • Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
  • Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
  • Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
  • Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
  • E-mail: hiramrsilva@gmail.com.

[1]    Como Diretor da Instrução Pública de Alagoas foi demitido por suprimir das escolas estaduais o canto do Hino Alagoano, que considerava “uma estupidez com solecismos” (vícios de linguagem). (Hiram Reis)

[2]    Ternuma: Terrorismo Nunca Mais. (Hiram Reis) 

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