PGR defende endurecimento da fiscalização para impedir comercialização de ouro procedente de garimpo ilegal

Manifestação foi em parecer por inconstitucionalidade de dispositivo legal que isenta empresas de comprovar origem do metal adquirido para revenda

O procurador-geral da República, Augusto Aras, defendeu o endurecimento da fiscalização e do controle de ouro extraído de garimpos ilegais ao manifestar-se pela inconstitucionalidade de norma que trata da prova da regularidade da aquisição do metal. O dispositivo da Lei 12.844/2013 estabelece presunções de legalidade da origem do ouro e de boa-fé da empresa compradora quando as informações relacionadas à identificação do vendedor e à regularidade da operação estiverem arquivadas na sede da instituição compradora devidamente autorizada. Na avaliação do PGR, o parágrafo 4º do artigo 39 da lei federal enfraquece a atuação fiscalizatória ao criar barreira à responsabilização das Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários (DTVMs), únicas instituições autorizadas a adquirir ouro proveniente de garimpos.

Ao defender a inconstitucionalidade do dispositivo, o procurador-geral destaca que presumir a legalidade do ouro e a boa-fé da instituição adquirente significa eximir as empresas do papel que lhes atribuiu a Lei 9.613/1988 “sem justificativa plausível, contemplando-se com regramento mais brando setor historicamente marcado por ilicitudes, com grande circulação de dinheiro, em retrocesso legislativo na repressão de ilícito dessa natureza”.

A manifestação foi na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7.273, ajuizada pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB) e pela Rede Sustentabilidade. As legendas apontam que a norma questionada afeta o sistema de monitoramento da extração de ouro e, em consequência, incentiva ilicitudes em atividade reconhecidamente exposta a irregularidades, com efeitos devastadores sobre o meio ambiente e as comunidades indígenas do entorno.

Com a declaração de inconstitucionalidade do parágrafo 4º do artigo 39 da Lei 12.844/2013, os autores da ação pretendem que as Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários sejam compelidas a desenvolver sistema próprio de fiscalização direcionado a checar a veracidade das informações fornecidas pelo vendedor quanto à regularidade da atividade de garimpo. Dessa forma, se evitaria o escoamento do metal proveniente de atuação ilícita em sua origem e se ampliaria a proteção do meio ambiente e dos direitos das comunidades indígenas afetadas.

Para o procurador-geral, o pedido deve ser julgado procedente. Segundo Aras, a norma em análise atinge a própria atividade fiscalizatória da regularidade da operação e da licitude da conduta dos atores envolvidos. Nesse contexto, o PGR cita publicação da Câmara de Meio Ambiente e do Patrimônio Cultural do Ministério Público Federal (4CCR), na qual o colegiado aponta que a “norma serve ao afrouxamento do controle e da fiscalização de mercado sensível, em benefício dos comerciantes de ouro, sem que tenha havido preocupação com a proteção do meio ambiente, de comunidades indígenas e do patrimônio público”.

Fiscalização – O PGR salienta ainda que a declaração de inconstitucionalidade desse sistema de presunções estabelecido pela norma questionada implicará o retorno da responsabilização ordinária por danos decorrentes de eventual atividade ilícita de garimpo, com alcance geral aos integrantes da cadeia exploratória e comercial, e sem o abrandamento gerado pela previsão. Dessa forma, o procurador-geral afirma que é “imprescindível ao combate à circulação de ouro ilegal reconhecer as DTVMs como partes integrantes da função fiscalizatória” – ou ao menos impedir que fiquem isentas de responsabilização nesse caminho –, seguindo tendência proposta na Lei de Lavagem de Dinheiro (Lei 9.613/1988).

Para Augusto Aras, as distribuidoras – na qualidade de instituições autorizadas a participar da comercialização de ouro – devem ter obrigações e estar comprometidas com a licitude da operação, seja quanto ao seu aspecto fiscal, seja em relação aos impactos socioambientais gerados por atividade ilegal de garimpagem em área proibida e por pessoas sem a respectiva autorização. Segundo o PGR, a redução de mecanismos de fiscalização e de controle, por norma que exime de responsabilidade as DTVMs – quanto à procedência do ouro que inserem no mercado – além de representar proteção insuficiente, consubstancia afronta ao princípio da vedação de retrocesso na proteção ambiental.

O PGR alerta que, na situação tratada nos autos, “não há mera especulação sobre os riscos sugeridos advindos da criação de complicador fiscalizatório”. Para exemplificar, cita o recente caso da crise humanitária vivenciada pelos indígenas Yanomami, em Roraima, consequência de conjunto de fatores em que, certamente, se insere a atividade garimpeira ilegal e outras ilicitudes praticadas em áreas ocupadas por indígenas.

Íntegra do parecer na ADI 7.273/DF