USP assina acordo com associações indígenas para colaborar em escolas no Amazonas

Acordo de cooperação é resultado de 14 anos de parceria entre Faculdade de Educação e povos baniwa-koripako, da região do Rio Negro; atividades servirão à formação docente, assessoria local em política educacional e produção de novos conhecimentos de base intercultural

Foto postada em: Jornal da USP

A Faculdade de Educação (FE) da USP celebrou um termo de cooperação técnica, não com universidades, mas com dois órgãos indígenas sediados em São Gabriel da Cachoeira, no estado do Amazonas. Trata-se da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn) e da Organização Baniwa e Koripako Nadzoeri – integrante da Foirn e responsável pelo Içana, território dos povos baniwa-koripako na região do Rio Negro. O foco da cooperação são ações de educação escolar indígena nessa região do Brasil.

Publicado no Diário Oficial em 2 de setembro de 2022, o acordo foi idealizado pelas associações indígenas em parceria com o Centro Universitário de Investigações em Inovação, Reforma e Mudança Educacional (Ceunir), da FE. Prevendo intercâmbios com docentes, pesquisadores, estudantes, técnicos e líderes das três entidades, o acordo também propõe ações conjuntas de pesquisa, ensino e extensão. Essas atividades servirão à formação docente, à assessoria local em política educacional e à produção de novos conhecimentos de base intercultural, em colaboração com as comunidades federadas à Nadzoeri e à Foirn.

Para o professor Elie Ghanem, coordenador do Ceunir, a importância da iniciativa é dupla. “Além de estender a capacidade de atuação da Feusp para fazer interlocuções, extensão e pesquisa no Alto Rio Negro brasileiro, traz para a atenção da faculdade a riqueza e atualidade dos conhecimentos, problemas e inovações que se podem encontrar nas escolas indígenas contemporâneas – objetos de atenção crescente nas mais diversas áreas de pesquisa científica”, afirma. Além disso, o professor ressaltou que “enquanto a cooperação acadêmica costuma se limitar aos arranjos entre instituições de educação superior, a parceria da FE com a Foirn e a Nadzoeri intensifica relações entre a USP e as organizações da sociedade civil, beneficiando uma rede com dezenas de escolas indígenas municipais e estaduais”.

O acordo tem duração de cinco anos, podendo ser renovado. “[O ato] reflete a intenção de uma parceria científica duradoura com esses grupos indígenas, já que as relações de colaboração que o documento reconhece foram impulsionadas – e impulsionaram – linhas de pesquisas em Educação Escolar Indígena”.

Parceria formalizada

São Gabriel da Cachoeira, já alcunhada “a cidade mais indígena do Brasil”, situa-se no extremo noroeste do Amazonas (na região apelidada Cabeça do Cachorro) e faz fronteira com a Colômbia e a Venezuela. É o município de referência da chamada área etnográfica do Alto Rio Negro. Ali, vivem mais de 20 etnias e falam-se 19 línguas, num complexo sistema regional. Essa variedade de povos configura redes ancestrais de relações e trocas culturais, econômicas, matrimoniais, linguísticas, ecológicas, sociais e cosmológicas.

A colaboração da FE com órgãos indígenas e indigenistas de São Gabriel em temas de educação escolar e política educacional remonta a 2008, quando o professor Elie Ghanem, hoje coordenador do Ceunir, prestou assessoria à elaboração do Plano Municipal de Educação local. De acordo com informações do centro, havia intenso e qualificado apoio da prefeitura e de parceiros nacionais e internacionais para a criação de projetos escolares experimentais. Na época, a discussão se dava em nível comunitário para que os projetos fossem implantados nas escolas – todas indígenas – da ampla rede pública municipal. Essa experiência, com seus sucessos, dificuldades e transformações, veio a se tornar emblemática entre os casos-modelo da chamada “educação escolar indígena diferenciada”, bandeira reivindicada pelos grupos originários desde a Constituição de 1988.

Seguiram-se, a partir de 2011, pesquisas coordenadas por Ghanem, com fomento da Fapesp e do CNPq, das quais resultaram as primeiras dissertações, teses e artigos produzidos na convivência com escolas e comunidades kotiria, tuyuka, baniwa-koripako. O mais recente ciclo, realizado entre 2018 e 2021, destinado a identificar atores e condições-chave na seleção dos saberes a ensinar, envolveu cinco escolas baniwa-koripako do rio Içana e afluentes, além de ampliar comparações para escolas guarani de São Paulo e guarani-kaiowá, do Mato Grosso.

“As conversações levaram ao todo cinco anos. Os trâmites foram reanimados depois que se atravessaram os períodos mais difíceis da pandemia no Amazonas e em São Paulo. À distância, os laços se fortaleceram no enfrentamento solidário da crise e no luto diante da perda de eminentes lideranças do rio Negro pela covid-19, como foi o caso do diretor da Foirn Isaías Fontes, baniwa, que estivera presente e ativo nas reuniões preliminares sobre a cooperação”, afirmam os pesquisadores do Ceunir.

Tabita Said / com informações de Diana Pellegrini e Elie Ghanem

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