Salvar a Amazônia requer mudança no Brasil, mas também nos EUA e Europa

O Brasil — assim como outros países em desenvolvimento — precisa urgentemente de mais recursos para promover efetivamente o desenvolvimento sustentável, protegendo os principais ecossistemas.

Foto: Valter Campanato – Agência Brasil

A eleição presidencial no Brasil decidiu não só o destino do maior país da América Latina, mas também o do mundo. O Brasil abriga cerca de metade da floresta amazônica, bioma responsável pelo transporte do Oceano Atlântico, grande parte das chuvas que alimentam a vigorosa produção de energia hidrelétrica e agrícola sul-americana. Mais importante, a Amazônia é um grande sumidouro de carbono que armazena décadas de emissões de CO2 dos Estados Unidos e da China, combinados.

Sob a presidência de Jair Bolsonaro (2018-2022), as taxas de desmatamento na Amazônia brasileira aumentaram quase duas vezes, empurrando a região perigosamente perto de um ponto de inflexão que dificultaria irreversivelmente os serviços ecossistêmicos da região. A vitória apertada de Lula da Silva no segundo turno presidencial de domingo trouxe esperança de que ele pudesse replicar o sucesso observado entre 2004 e 2012, quando o Brasil reduziu o desmatamento na região em mais de 80%. Sob a nova administração, a cooperação internacional com os Estados Unidos e a Europa também precisa ser definida em termos favoráveis. Em suma, os países amazônicos precisarão de muito mais respeito, dinheiro e coerência de seus parceiros internacionais para salvar a floresta tropical. 

Tornou-se comum que líderes políticos nos Estados Unidos e na Europa critiquem a destruição contínua da floresta tropical, referindo-se à região como “nossa” Amazônia. Embora a Amazônia seja um símbolo global da natureza, é também o território soberano do Brasil e de outros oito países sul-americanos. É claro que o desmatamento na Amazônia tem impactos globais e a floresta deve ser protegida em benefício de todos. No entanto, o mesmo se aplica às reservas de petróleo nos Estados Unidos e no Mar do Norte que devem permanecer inexploradas se quisermos evitar mudanças climáticas catastróficas. No entanto, ninguém chama de “nosso petróleo”.

Declarações políticas em desrespeito à soberania dos países amazônicos têm alimentado desde a década de 1980 preocupações de que os países ricos estariam planejando internacionalizar a região. Da mesma forma, movimentos ambientais e cientistas têm sido frequentemente vistos por nacionalistas de direita e de esquerda como potenciais conspiradores que trabalham para evitar a ascensão do Brasil como uma superpotência agrícola, enquanto as notícias falsas se espalham como fogo. Embora essas preocupações possam parecer absurdas para a maioria fora do Brasil, elas têm efeitos muito práticos no terreno. Quando, em 2019, o presidente Emmanuel Macron, da França, disse a Bolsonaro que “a floresta amazônica é um assunto para todo o planeta”, e que “não podemos permitir que você destrua tudo”, as críticas ao governo Bolsonaro foram rapidamente abafadas por gritos nacionalistas contra a intervenção internacional.

O Brasil — assim como outros países em desenvolvimento — precisa urgentemente de mais recursos para promover efetivamente o desenvolvimento sustentável, protegendo os principais ecossistemas. A política de controle florestal anteriormente bem sucedida do Brasil teve um custo anual de US$ 1 bilhão, quase inteiramente financiado pelos contribuintes brasileiros. A cooperação internacional desempenhou um papel importante no apoio técnico e financeiro a áreas específicas do governo e da sociedade civil. Em particular, destaca-se a contribuição de US$ 1,2 bilhão da Noruega em uma década para apoiar as políticas de controle do desmatamento, bem como os grandes projetos de cooperação do Reino Unido e da Alemanha com diferentes governos estaduais.

Em comparação, durante o mesmo período, a USAID investiu pouco mais de US$ 100 milhões em programas ambientais brasileiros, longe dos US$ 20 bilhões prometidos pelo presidente Biden durante sua campanha. Na luta para mitigar as mudanças climáticas e ajudar a restaurar a vitalidade da floresta amazônica, é essencial que as nações mais ricas cumpram sua promessa aos países mais pobres feita durante a cúpula climática das Nações Unidas em Copenhague em 2009 para fornecer os US$ 100 bilhões em financiamento anual. 

Finalmente, para que os Estados Unidos e a Europa se tornem parte da solução, primeiro devem deixar de fazer parte do problema. De acordo com o Instituto do Meio Ambiente de Estocolmo, a crescente demanda de produtos agrícolas e florestais pelos consumidores americanos e europeus é responsável por 7 e 16%, respectivamente, pelo desmatamento associado ao comércio internacional. Esses países estão discutindo legislação para proibir importações ligadas ao desmatamento, enquanto o Reino Unido tem uma nova lei em vigor com o mesmo propósito. Mas o escopo dessas políticas deve ser ampliado para incluir também a ação de empresas sediadas nos EUA e na UE no exterior, pois são responsáveis por grande parte da soja de risco florestal produzida no Brasil e exportada para a China.

“O Brasil está de volta”, disse Lula em seu discurso de vitória. Agora é hora do mundo apoiar o Brasil.

Por Raoni Rajão 

Raoni Rajão é professor da Universidade Federal de Minas Gerais e bolsista do Programa Latino-Americano do Wilson Center e do Instituto Brasil.

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