Quando arte e ciência caminham juntas, a Amazônia revive

Gabriela Albergaria apresenta no MAC a poética da natureza através de expedição coordenada pela botânica Lúcia Lohmann, da USP

Foto: Marcos Santos/ USP Imagens – Postada em: Jornal da USP

As folhas secas, as sementes, os troncos, ramos e folhas secas, os reflexos nos rios Negro e Branco. É a grandeza da paisagem da Amazônia que a artista portuguesa Gabriela Albergaria foi captando e transformando em arte. Porém, uma arte sintetizada pela natureza de um olhar sensível que, aliada à ciência, compartilha a importância de observar e resgatar a Amazônia.

As 16 imagens da mostra Para Onde Agora? Where to Now? Aller où Maintenant?, de Gabriela Albergaria, com a curadoria de Marta Vieira Bogéa, é apresentada no Museu de Arte Contemporânea (MAC) da USP. As obras foram criadas a partir da viagem de estudo realizada em 2016 Expedição Amazônia: Buscando Entender a Maior Diversidade do Planeta, coordenada pela botânica Lúcia Garcez Lohmann, professora do Instituto de Biociências da USP.

“Apesar das conexões históricas entre arte e ciência, vivemos em um mundo cada vez mais dividido e compartimentalizado, onde essas disciplinas passaram a seguir trajetórias paralelas, nos privando da riqueza dessas interações e impedindo uma apreciação mais profunda da natureza”, explica Lúcia. “Enquanto cientistas geralmente realizam suas pesquisas em laboratórios, muitos artistas se fecham em seus ateliês, buscando inspiração para seu trabalho criativo.”

O encontro entre a botânica e a artista foi, como elas definem, mágico. “Sempre tive interesse em arte, especialmente em arte associada à natureza. É uma forma muito importante para comunicar para o público em geral a importância da biodiversidade e conservação. Conheci a Gabriela em uma exposição que ela fez na Embaixada de Portugal, em São Paulo, em 2015″, lembra Lúcia. “Nessa conversa ela me contou mais do seu trabalho e a convidei para participar da nossa expedição. Ela aceitou prontamente. Seis meses depois, estávamos embarcando para o Rio Negro. Nessa viagem também nos acompanharam Léo Ramos Chaves, fotógrafo da Fapesp, e Gustavo Almeida, documentarista que produziu o filme, além dos meus alunos.”

O objetivo central da expedição era coletar material de diversas espécies de plantas visando a testar a hipótese dos “rios como barreiras”, apresentada pelo britânico Alfred Wallace em 1854. “Essa hipótese postula que rios largos como o Amazonas e seus tributários reduzem o fluxo gênico entre populações localizadas em margens opostas do rio, levando à especiação. Segundo essa hipótese, os rios amazônicos representariam um dos aspectos geradores da alta diversidade encontrada na Amazônia hoje em dia. Diversas publicações resultaram dos dados coletados durante essa expedição”, conta Lúcia.

Gabriela  viajou com a equipe de cientistas buscando uma referência comum para a arte e a ciência. “Enquanto focávamos nas particularidades do desenho amostral de nossos estudos, Gabriela fazia registros e observava atentamente, ao mesmo tempo em que fazia questionamentos sobre nossa metodologia de trabalho”, acrescenta Lúcia.

Assista no link abaixo a um trecho do vídeo Expedição Amazônia.

“Apesar das conexões históricas entre arte e ciência, vivemos em um mundo cada vez mais dividido e compartimentalizado”

Gabriela Albergaria traz a natureza para a sua arte desde 1990. “Na Expedição Amazônia, ao lado dos cientistas, a artista aderiu ao ritmo das jornadas e turnos coletivos nas expedições às margens durante as manhãs e todas as tardes e, com a organização do material recolhido, produziu a maioria das obras aqui apresentadas”, conta Marta Bogéa, curadora e vice-diretora do MAC. “Envolvida com modos de percorrer, registrar jardins e poéticas visuais, a expedição é um marco inédito para a artista em relação aos procedimentos e rotinas ocorridos no barco laboratório. Habituais no Brasil desde o século 18, as expedições científicas com a participação de artistas esperavam, naquele tempo, o compromisso de registros fidedignos de representações reais. Qual seria o papel do artista-viajante em tempos atuais, com uma infinidade de máquinas capazes de registrar imagens com tamanha precisão?”

A exposição de Gabriela Albergaria é uma das respostas sobre esse papel da arte aliada à ciência que vai muito além da infinidade de máquinas, despertando o sensível ser humano. “Durante todo o processo científico de catalogação, fui observando que a cor e a forma iniciais das plantas são as duas características que se perdem mais facilmente. Qualquer herbário tradicional apresenta sempre as folhas secas e sem a sua cor natural. O que eu quis acrescentar foi algo que esse processo não poderia dar. E por isso fiz o meu próprio caderno de cores e dimensões das espécies”, explica a artista.

Essa catalogação de cores das plantas resultou em uma peça exposta na mostra, em que só as cores estão presentes. Réune todos os tons de verde, amarelo, laranja, cinza, trazendo o olhar, a vivência e a percepção da artista. A impressão é se deparar com as cores da floresta no decorrer do dia. Em uma das paredes, há um papel com a frase: “A árvore, como ser vivo ou os ecossistemas, não tem valor próprio nem direitos”.

A exposição de Gabriela Albergaria é uma resposta sobre o papel da arte aliada à ciência

“As obras foram agrupadas em três modos poéticos a partir dos procedimentos utilizados por Albergaria”, conta Marta Bogéa. Há as sementes que reúnem o material recolhido na expedição. Também tem os desenhos que destacam, em cores e formas,  a vivência nas margens dos rios. E, por último, a matéria, que apresenta uma peça inédita com madeira coletada de podas de árvores em São Paulo e recoberta com barro.  Essa peça fica do lado de fora do museu, recepcionando os visitantes. “O barro, aqui, é terra que potencialmente se beneficia dos restos das árvores para ser fértil, capaz de ser semeada. E como não reconhecer na peça rastros do trágico imaginário brasileiro recente, o colapso da terra contaminada por minério, barragem rompida que recobriu nossas paisagens: já ruína ou nova germinação?”, observa a curadora.

“O que me interessou nesse conjunto de sementes foi trabalhá-las como objetos e esculturas até elas perderem as suas características reais e passarem a ser outra coisa, numa espécie de combate entre a natureza e o homem, em que os processos de transformação da natureza nos conduzem a pensamentos éticos sobre a nossa própria condição e o nosso papel neste lugar que é a Terra”, destaca Gabriela. “O nome desta exposição, Para Onde Agora? Where to Now? Aller où Maintenant?, é uma frase que encontrei no livro Direitos da Natureza, Ética Biocêntrica e Políticas Ambientais, de Eduardo Gudynas. E é exatamente a pergunta que me fiz após a expedição, repetida nas três principais línguas da colonização, e que se falam em lugares recônditos, mesmo não sendo língua do povo do lugar.”

A exposição Para Onde Agora? Where to Now? Aller où Maintenant?, de Gabriela Albergaria, com a curadoria de Marta Bogéa, fica em cartaz até 25 de setembro, de terça-feira a domingo, das 10 às 21 horas, no Museu de Arte Contemporânea (MAC) da USP (Avenida Pedro Álvares Cabral, 1.301, Ibirapuera, em São Paulo). Grátis. São obrigatórios o uso de máscara e o comprovante de vacinação contra a covid-19. Mais informações podem ser obtidas pelo telefone (11) 2648-0254.

Texto: Leila Kiyomura   –   Arte: Ana Júlia Maciel

PUBLICADO POR:   JORNAL DA USP 

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