A Terceira Margem – Parte CDXLIX

Descendo o Rio Branco

O Pará, n° 71, 23.02.1898

Michael Mac Turck (1898)
Parte II  

Relatório Apresentado ao Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil pelo Ministro de Estado das Relações Exteriores Gen-Bda Dionísio E. de Castro Cerqueira

Rio de Janeiro, RJ ‒ Terça-feira, 12.07.1898 

Imprensa nacional, Rio de Janeiro, 1898

Território à Margem Direita do Tacutu.
O Governador da Guiana Britânica diz que Nele Pasta Gado Brasileiro. Reclamação 

O Governador da Guiana não tem razão. Dá como assentado que Território de que se trata é inglês, quando é apenas litigioso.

Essa reclamação foi iniciada por Lord Salisbury em 14.07.1897 passado e pouco depois tivemos de re­clamar contra fato grave ocorrido no mesmo terri­tório, como consta do que exponho em outra parte deste Relatório e dos respectivos documentos. Digo – fato grave – porque neste caso há exercício de autoridade por parte de um agente do dito Gover­nador. Provavelmente esse agente foi o autor das informações em que o Governo Britânico fundou a sua reclamação.

Território à Margem do Tacutu. Atos aí Praticados por um Comissário do Governo da Guiana Britânica.  

Já expus em poucas palavras uma reclamação apresentada pelo Governo Britânico e fundada em informações recebidas pelo Governador da sua Guiana, segundo as quais os Brasileiros tinham invadido o território à margem atreita do Tacutu e neste faziam pastar o seu gado. Agora referirei um caso ocorrido no mesmo território e contra o qual reclamamos.

Segundo um telegrama do Governador do Estado do Amazonas, que confirmava notícias anteriormente recebidas, no 1° de janeiro ocuparam os ingleses oficialmente toda a margem direita do Rio Tacutu até a bifurcação Surumu. Telegrafei logo para Londres e o nosso Ministro respondeu-me que nada constava nos Ministérios dos Negócios Estrangeiros e das Colônias e que se ia pedir informação ao Governador da Guiana.

Isso não bastava: era necessário que o Governo ordenasse a desocupação do território, e assim o disse pelo telégrafo ao Sr. Souza Corrêa, que aliás já me tinha prevenido, como depois me referiu.

Segundo novas informações do Governador do Esta­do do Amazonas, Michael Mac Turck apresentou-se no território à margem direita do Tacutu, hasteou a bandeira civil da Colônia, declarou aos fazendeiros que deviam obedecer à lei Inglesa e prometeu de­marcar-lhes as terras.

Lord Salisbury, segundo me referiu o Sr. Souza Corrêa em telegrama de 5 de março, disse-lhe que o Sr. Turck, oficial da Colônia, foi encarregado de visi­tar os distritos da fronteira para informar sobre re­clamações de súbditos britânicos, que não hasteou bandeira, nem proclamou a soberania inglesa; e fi­nalmente que o Governo tinha ordenado a evacuação de um único posto que fora ocupado.

O Governo inglês não estava bem informado. As notícias que recebi são confirmadas pelo súbdito inglês Henry Melville, fazendeiro residente no lugar chamado “Arara” à margem direita do Tacutu, o qual disse ainda que foi intimado para pagar impostos e no princípio do ano recebeu a nomeação de Post-Holder. Lord Salisbury, quando fez a sua reclamação, lembrou a conveniência de se não alterar o “status quo” durante a negociação para um acordo sobre os limites em que estão empenhados os dois Governos. De certo S. Exª ignorava então o procedimento do agente Turck.

Estou, portanto, persuadido de que o Governo Britâ­nico procederá de conformidade com o seu próprio desejo. Todavia não me descuido do que me cumpre fazer para que a República não seja prejudicada em seus direitos.

Território à Margem do Tacutu.
Atos aí Praticados por um Comissário do Governo da Guiana Britânica

N° 62

Nota da Legação Brasileira em Londres ao Governo Britânico

Legação dos Estados Unidos do Brasil
Londres 21 de fevereiro de 1898 

Senhor Marquês – Em 9 do corrente mês tive a honra de informar verbalmente ao “Foreign Office” que conforme telegrama que o Governo Federal re­cebera do Governador do Estado do Amazonas, a margem direita do Tacutu até à sua confluência no Cotingo, acabava de ser ocupada por súditos britâni­cos, que se diziam oficialmente autorizados a proce­derem desse modo.

Recebi então a segurança de que o Governo de Sua Majestade Britânica, ignorando o fato, não o julgava verdadeiro e que por intermédio do Ministério das Colônias se pediu informação ao seu delegado em Georgetown.

A 20, entreguei ainda particularmente cópia de uma comunicação ulterior do Ministro das Relações Exte­riores remetendo-me um telegrama de 16 do corren­te, pelo qual o Governador do Estado do Amazonas confirmava a primeira notícia, acrescentando que a ocupação fora efetuada sob a direção de Mr. Mac Turck, que se dizia comissário britânico, o qual arvo­rara a bandeira da Colônia, exigindo dos habitantes da localidade que prestariam obediência às leis bri­tânicas.

Esta infração do acordo de 23 de agosto e de 04.09.1842 certamente não poderia ser autorizada pelo Governo de Sua Majestade Britânica, o qual até ao presente parece não ter conhecimento dos fatos em questão, como me foi assegurado; mas por isso mesmo tenho o dever de renovar, por meio da presente nota, o pedido que ontem tive a honra de fazer verbalmente a Vossa Senhoria para que o Governo de Sua Majestade Britânica tome, pelo telé­grafo, as medidas que julgar necessárias com o fim de desaprovar a invasão praticada por autoridades subalternas da Colônia, ordenando a sua retirada imediata do Território em litígio.

Não hesito em acreditar, Senhor Marquês, que Vossa Senhoria terá a bondade, com a sua resposta, de habilitar-me a tranquilizar desde já o meu Governo e o do Estado do Amazonas.

Tenho a honra de ser, com a mais alta consideração, Senhor Marquês,

Vosso mui humilde e mui obediente servo.

A. de Souza Corrêa.

Ao muito Honrado

Marquês de Salisbury, K. G.

N. 63 

Documento fornecido pelo Governo do Estado do Amazonas:

Auto de perguntas feitas a Henry Melville.

Aos nove dias do mês de fevereiro do ano de mil oitocentos e noventa e oito, nesta cidade de Manaus, capital do Estado do Amazonas, na chefatura de Segurança Pública, presente o Desembargador Chefe de Segurança Pública do mesmo Estado, Doutor Gui­do Gomes de Souza, compareceu o cidadão Henry Melville, súdito inglês, de trinta e três anos de idade, fazendeiro na margem do Rio Tacutu e ali residente.

‒ Interrogado, disse que, há cinco anos é fazendeiro no Rio Branco, no lugar Arara, margem do Tacutu, considerado terreno neutro e que pagou sempre im­postos em Boa Vista e bem assim tem feito todos os moradores da margem do Tacutu; que no dia pri­meiro do corrente ano um comissionado inglês de nome Michael Mac Turck foi até à margem do Tacutu nas casas dos fazendeiros aí estabelecidos e declarou que daquele dia em diante tinham de obedecer à lei britânica e hasteou no lugar o pavilhão de bandeira civil colonial; que o referido comissionado da Ingla­terra prometeu mandar demarcar e dar direitos so­bre as terras que ele declarante ocupa, bem como os outros fazendeiros do lugar, e declarou mais, que assim procedia o Governo afim de dar proteção aos referidos moradores; que ele declarante, que tem pago até hoje impostos às autoridades Brasileiras, vê-se agora obrigado a pagar ao Governo Inglês, em vista da intimação feita pelo seu comissionado.

Que no dia primeiro deste ano recebeu ele declarante a nomeação do Governo Inglês de Post-Holder, que lhe foi entregue pelo comissionado inglês; que o vice-cônsul do Brasil, Ernesto Mattoso, pode melhor dar esclarecimentos sobre o assunto; que ele decla­rante é fazendeiro no lugar há cinco anos e só no dia primeiro do corrente ano foi que viu flutuar no lugar a bandeira inglesa, a qual se acha colocada em um grande mastro mandado ali fincar pelo comissionado Michael Mac Turck. Nada mais disse e nem lhe foi perguntado, pelo que deu-se por findo este depoimento, que assigna com a autoridade e as testemunhas. Eu Gentil Augusto Bittencourt, Secretario, o escrevi. Guido Gomes de Souza. ‒ H. Melville. ‒ Manoel J. Alves, como teste­munha que assistiu às declarações. ‒ M. R. de Almeida Braga. (IMPRENSA NACIONAL, 12.07.1898)

Subprefeitura de Segurança Pública de Tacutu 

Amazonas – Terça-Feira, 12.12.1899  

Do Subprefeito do Tacutu ao Comandante da Fronteira, 12 de dezembro de 1899

Subprefeitura de Segurança Pública, 12 de dezembro de 1899.

Eu lhe informo que o nosso território acabou de ser invadido por sujeitos ingleses encabeçados por Michael Mac Turck, o qual, numa embarcação com bandeira inglesa hasteada, penetrou até o Rio Surumu, dizendo que este terreno pertencia à sua nação.

Manoel Vieira Accioly Cavalcante.

Ao cidadão Subtenente Paulo Cordeiro da Cruz Saldanha,

Comandante da fronteira do Rio Branco

Depoimento do Tenente Honorário do Exército, José Amâncio de Lima.

Aos vinte e cinco dias do mês de dezembro do ano de Mil e Oitocentos e Noventa e Nove, no Forte S. Joaquim do Rio Branco, na presença do cidadão Paulo Cordeiro da Cruz Saldanha, Sub – Tenente Comandante do Forte, compareceu José Amâncio de Lima, Brasileiro, com cinquenta e três anos de idade, fazendeiro na embocadura do Rio Mau e na margem direita do Tacutu, onde ele reside.

Interrogado, ele falou que, dia doze do mês corrente, ele se encontrava na sua fazenda de Conceição do Mau, localizada nas margens dos rios Mau e Tacutu, quando seus empregados Antônio de Almeida e o Índio Justino, ou seja Menandro, lhe disseram que um inglês e três soldados da mesma nacionalidade tinham descido pelo Rio Tacutu numa pequena canoa portando hasteada na sua proa a bandeira de Demerara, que pouco depois apareceu um índio, remador da canoa, que lhe pediu, em nome do inglês Michael Mac Turck, para lhe vender um pouco de leite; que ele deu o leite sem exigir o pagamento.

Que aos quatorze dias do mesmo mês, os mesmos Ingleses, já de volta, passaram a noite num dos terrenos de sua fazenda, perto de sua casa de habitação, e que, de novo, os Ingleses mandaram o mesmo índio, que diz se chamar Herculano, e ofereceu uma moeda de quatro pences que ele, depoente, se recusou a receber dizendo: “eu não vendo leite”, que o dito índio, tendo voltado de novo, lhe disse ainda que o Sr. Michael Mac Turck mandava dizer que sendo funcionário da aduana por conta do Governo de Demerara nas Repúblicas limítrofes de Venezuela e do Brasil, ele não podia aceitar nenhum favor dos Brasileiros; que a isto, ele, depoente, respondeu:

Diga ao inglês que se o leite não lhe convém grátis, que ele o jogue no Rio” ele falou ainda que o mesmo inglês tinha mandado dizer que se encontrava em missão especial por seu Governo para verificar se o vilarejo agrícola de Manoa era localizado ou não em território Brasileiro e que então ele, depoente, teve que receber o pagamento do leite; ao que, ele, depo­ente, respondeu: “Não aceito absolutamente nenhum pagamento e Turck é, assim como já falei, livre de jogar o leite no Rio”, que ele sabe ainda que este mesmo Turck já foi preso na Venezuela por ter inva­dido da mesma maneira as fronteiras daquele país; e que este senhor, tendo se encontrado com o Índio Justino Furtado, o ameaçou de morte, se ele Justino, empregado dele, depoente, retornasse ao Manari on­de era administrador de uma pequena fazenda locali­zada na margem direita do Rio Tacutu onde o Manari se joga, todas estas bandas estando em território Brasileiro, jamais contestado antes; que ainda sabe, que neste mesmo dia, 11, assim que ele teve conhe­cimento da invasão militar pelos sujeitos ingleses, ele mandou um mensageiro a cavalo avisar expres­samente o Senhor Subtenente, Paulo Cordeiro da Cruz Saldanha, Comandante da Fronteira do Rio Branco, lhe expondo tudo que tinha se passado, isto tudo verbalmente, por falta de papel.

Ele ainda sabe que a mesma comissão tinha chegado até o Rio Surumu, onde ela procedeu a verificações e que na fazenda de Marcos Vieira onde ela passou a noite, ela instalou diversos instrumentos e fez obser­vações ou estudos. Ele ainda sabe que a mesma missão ameaçou o Tuchaua Magalhães, dizendo-lhe que o mataria se ele obedecesse aos Brasileiros; e que uma bandeira Brasileira estando hasteada na casa do mesmo Tuchaua a comissão a levou. Ele não falou mais nada, e nada mais tendo sido perguntado a ele, o que pôs fim ao seu depoimento que foi lido e achado conforme foi assinado por ele e pelo Comandante da Fronteira e do Forte S. Joaquim do Rio Branco. Eu, Manoel Pedro Virgolino Freire, na função de escrivão, o escrevi.

Paulo Cordeiro da Cruz Saldanha

José Amâncio de Lima.

Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 27.06.2022 – um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.

Bibliografia

IMPRENSA NACIONAL, 12.07.1898. Relatório Apresentado ao Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil ‒ Brasil ‒ Rio de Janeiro, RJ ‒ Imprensa Nacional, Rio de Janeiro, 1898.  

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;  

  • Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
  • Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
  • Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
  • Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
  • Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
  • Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
  • Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
  • Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
  • Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
  • Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
  • Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
  • Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
  • Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
  • E-mail: hiramrsilva@gmail.com.  

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