A Terceira Margem – Parte CDXXVI

Descendo o Rio Branco 

O Canoeiro Hiram Reis e Silva

Francisco J. R. Barata (1798/9)
Parte I  

Consta-me que nasceu na Província, hoje Estado do Pará, depois do meado do século XVIII. Foi militar e faleceu no posto de Sargento-mor.

Sendo Alferes Porta-bandeira da Sétima Companhia do Regimento de cavalaria da cidade de Belém e nomeado pelo Governador e Capitão-general D. Francisco de Souza Coutinho para ir à Colônia Holandesa de Suriname a fim de entregar uma Carta do Real Ministério ao Dr. David Nassi, residente nessa Colônia, escreveu:

‒  Diário da viagem que fez à Colônia Holandesa do Suriname o Alferes Porta-bandeira, etc. ‒ Foi enviado ao governo em data de 29.04.1799 e saiu na RIHGB, Tomo 8°. A Biblioteca Nacional possui o original de 75 folhas assinado pelo autor.

Revista Trimestral de História e Geografia, 1846

Depois, já Sargento-mor, escreveu:

‒  Memória em que se mostram algumas providên­cias tendentes ao melhoramento da agricultura e comércio da Capitania de Goiás escrita e dedicada ao Conde de Linhares ‒ É datada de 1804 e saiu na mesma Revista, Tomo 11°. Acompanha este escrito um grande mapa dos rendimentos da Real Fazenda da Capitania de Goiás e sua despesa, calculada desde 1762 até 1802, pelo qual se mostra a sobra que houve nos rendimentos dos primeiros anos, e depois o excesso da despesa.

‒  Memória sobre a Província de Goiás, seu descobrimento e população. Lisboa, 1806 ‒ Esta, assim como a memória anterior, existia, em 1848, no Arquivo Militar. (BLAKE)

Da Viagem que fez à Colônia Holandesa de Suriname o Porta Bandeira da Sétima Companhia do Regimento da Cidade do Pará, pelos Sertões e Rios Deste Estado, em Diligência do Real Serviço [1798]  

OFERECIDO 

Ao Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor D. Francisco de Sousa Coutinho, cavaleiro professo da Sagrada Religião de Malta, do conselho de Sua Majestade Fidelíssima, chefe d’Esquadra da Sua Real Armada, Governador e Capitão General das Capitanias do Pará e Rio Negro, etc, etc, etc.

Ilm° e Exm° Sr. ‒ A distinta honra de ser nomeado por V. Exª para ir ao Suriname, em diligência do Real Serviço, é mais um motivo que me obriga, além de outros muitos, a oferecer ou apresentar a V. Exª, como parte da mesma diligência, o breve e sucinto Diário, que fiz desta viagem, ainda que trabalhosa, felizmente concluída debaixo das acertadas ordens, instruções e auspícios de V. Exª, e a primeira que daqui se empreendeu e executou por este caminho, ou navegação. No decurso do mesmo Diário, e com mais extensão no fim dele, achará também V. Exª os motivos, em que me fundo, para esperar desculpa aos seus defeitos, especialmente pela moléstia que tenho padecido, e pela brevidade com que me foi necessário escreve-lo, para obedecer em tudo e prontamente às respeitáveis ordens de V. Exª.

Sobretudo porém a benignidade de V. Exª é o maior fundamento das minhas esperanças, não só para as ditas faltas, mas para todas as mais, em que possa ter caído contra as minhas intenções, bem patentes a V. Exª, cuja grandeza também é só quem pode melhorar, e dar algum valor à minha apoucada fortuna, e ao meu demérito.

Com esta consideração, e com o respeito, e todas as mais ideias, que dela nascem, eu invoco, e inteiramente me entrego à poderosa proteção de V. Exª, cuja preclaríssima pessoa e preciosa vida dilate Deus muitos anos para bem dos seus súditos.

Pará, 29 de abril de 1799. De V. Exª reverente súdito, e o menor criado

– Francisco José Rodrigues Barata –

DIÁRIO DA VIAGEM FEITA À COLÔNIA HOLANDESA DE SURINAME

Encarregando-me o Ilm° e Exm° Sr. D. Francisco de Sousa Coutinho, Governador, e Capitão-General do Estado do Pará e Rio Negro, a entrega de uma carta dirigida pelo Real Ministério ao Doutor David Nassí, residente na Colônia Holandesa do Suriname, e recebendo do dito Sr. as ordens, instruções e passaportes necessários, dei princípio a esta diligência, da qual seguindo a ordem dos dias farei uma breve e tosca, porém exata narração, tocando de passagem as coisas mais notáveis que encontrei na minha viagem, e nos Rios, lugares, Vilas e cidades por onde transitei, assim dos domínios portugueses, como da Guiana.

Ano de 1798 

Março 30 

Parti da cidade do Pará, capital do Estado do mesmo nome, no dia 30.03.1798, às 09h00, e seguindo viagem com a enchente fui entrar no Rio Moju, e esperar maré no engenho de Jequeriassu, pertencente a José Ferreira. […]

Julho 21 

De madrugada atravessamos o dito Rio para a parte de Norte, e entramos pela Boca superior do Rio Branco [digo Boca superior, porque lança as suas águas no Negro por mais Bocas ou canais, que se formam por diferences e dilatadíssimas ilhas], e cheguei, pelas 20h00, à Boca superior do canal chamado Majau.

Boca do Rio Branco (DNIT)

22

De manhã entrei no Rio Branco, isto é aonde ele traz todas as suas águas, de que é riquíssimo, porque outros muitos, e assim mesmo alguns Lagos deságuam nele. É abundante de peixe e de tartarugas, de que fazem os seus habitantes o seu ordinário sustento, e dos seus ovos fabricam manteiga. Algumas das terras que ele banha com as suas águas são férteis e próprias para a cultura do cacau e café. Tem vastas campinas, que dizem ser próprias para gado vacum e cavalar, pela propriedade e bondade dos seus pastos, e com efeito já nelas tem três pequenas fazendas, das quais uma pertence a Sua Majestade, e todas juntas poderão ter novecentas a mil cabeças de gado. Pelas 10h00, chegamos ao Pesqueiro, que fica próximo ao lugar de Santa Maria, e no restante do dia mandei os índios buscar cipó para fazer as competentes cordas para passar as cachoeiras.

Chama-se a esse lugar Pesqueiro porque em outro tempo estava nele a Feitoria de peixe e tartarugas para os empregados nas reais demarcações. Hoje porém existe nele um soldado com alguns índios e índias, que cultivam mandioca para farinhas, com as quais são municiadas as Praças militares destacadas na Fortaleza de São Joaquim, e algumas outras que por ali passam, bem como eu fui.

O dito lugar de Santa Maria se acha situado na margem direita do dito Rio, e a sua população é muito pequena, pois não excederá a trinta pessoas, e não tem comércio ou agricultura de qualidade alguma.

23  

Antes de romper o dia partimos do dito Pesqueiro, e juntamente o Reverendo Padre João Duarte, vigário das freguesias deste Rio, e Capelão da Fortaleza dele, e seguindo pela mesma margem chegamos ao anoitecer a uma praia onde não consta que pessoa alguma chegasse em um dia, vindo do dito lugar, o que nós fizemos, porque as equipagens das canoas remaram à porfia de qual iria adiante, conservando-se desta sorte por todo o dia com admiração nossa.

24 

Partimos de madrugada, e costeando pela margem esquerda fomos chegar, pelas 09h00, ao lugar do Carmo, o qual se acha em terreno alto e agradável.

A sua população é pouco numerosa. Não tem comércio nem agricultura. Aqui ficamos o resto deste dia, não só para se aprontarem alguns índios, que me deviam acompanhar, mas também para se fazerem as cordas do cipó que havia trazido do Pesqueiro; o que tudo ficou concluído pelas 19h00.

25 

Depois de ouvirmos missa partimos [deixando o Padre com sentimento nosso], e continuando pela mesma margem fomos pernoitar no Surumu, às 20h00.

26 

Seguimos viagem, e pernoitamos no lugar onde em outro tempo esteve uma Feitoria de peixe.

27 

De madrugada continuamos pela mesma Costa, e, às 19h00, chegamos a Caranapatuba, onde ficamos.

28 

Antes de romper o dia largamos do dito lugar, e pernoitamos no sítio chamado Maguari.

29 

De manhã continuamos a nossa viagem pela margem direita, e anoiteceu-nos pouco acima do lugar onde em outro tempo esteve a Povoação de Santa Maria Velha, a qual hoje não tem ninguém.

30 

Partimos de madrugada, e chegamos ao Rabo da Cachoeira, às 07h00 [chamam Rabo da Cachoeira onde acabam e principiam as grandes correntezas], e, às 08h00, chegamos à pancada da mesma. Descarregamos os mantimentos e o mais em terra, e depois tratou-se de passar as canoas, para o que mandei atravessar a nado parte dos índios para uma pequena ilha, e a outra parte ficou em terra, e fazendo passar por meio de uma linha de pescar uma das cordas de cipó para a dita, e a outra para a terra, me meti à cachoeira, que assim se chamam aqui vulgarmente as catadupas, que se encontram na maior parte dos grandes Rios deste continente, bem como em alguns da África, da Ásia, e também da Europa, posto que muito menores. Foi então a primeira vez que vi estas espantosas serras aquáticas cujo horroroso estrondo, medonha vista e iminentes perigos com que ameaçam, não deixam nas primeiras impressões de fazer acudir o sangue, ainda aos corações mais resolutos.

Entrei, pois, pelo pequeno Canal, que fica entre a dita ilha e a terra, e puxando-se por uma e outra parte pelas cordas, fomos com muito trabalho subindo: e assim que a canoa chegou a ficar elevada quase perpendicularmente sobre uma das pedras que formam a pancada ou salto, é que eu vi as cordas estiradas, e os índios assaz repelidos pela grande correnteza que pouca força lhe deixava para poderem puxar e suster a canoa, então julguei que esta se perdia, e os que estávamos dentro pereceríamos; porém o índio piloto era bom; pois que animando aos mais índios, e prometendo-lhes que eu, logo que concluíssem e pusessem fora da cachoeira a canoa, lhes daria aguardente, eles se esforçaram de tal modo que em menos de um quarto de hora nos puseram fora de todo o perigo. Mandei logo dar-lhes a aguardente prometida, e tratamos de passar a outra canoa, o que se conseguiu em menos tempo, o que feito tornamos a embarcar os mantimentos e o mais. Como porém depois deste trabalho era já mais de meio-dia, aqui se jantou e descansou, e pelas 14h00 continuamos a nossa viagem assaz trabalhosa neste dia por causa das grandes correntezas, das quais algumas não puderam os índios vencer a remos, sendo portanto preciso saltar em terra e puxar à corda.

As 20h00 pernoitamos encostados a uma grande pedra, que se acha no meio do Rio pouco abaixo do sítio chamado Matapi.

31  

Continuamos por entre algumas ilhas, e às 16h00 fomos passar por defronte do lugar onde esteve a povoação denominada Conceição, onde hoje não habita pessoa alguma, e às 21h00 chegamos ao lugar de S. Filipe, que está em terra alta na margem esquerda do Rio. A sua população será de dez até quinze pessoas, e portanto não tem Diretor, nem comércio, ou agricultura. (Continua…) (BARATA)

Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 04.05.2022 – um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.

Bibliografia  

BARATA, Francisco José Rodrigues. Da Viagem que fez à Colônia Holandesa de Suriname o Porta Bandeira da Sétima Companhia do Regimento da Cidade do Pará, pelos Sertões e Rios Deste Estado, em Diligência do Real Serviço – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Revista Trimestral de História e Geografia ‒ Volume 08 – Tipografia de João Inácio da Silva, 1846.

BLAKE, Augusto Victorino Alves Sacramento. Dicionário Bibliográfico Brasileiro ‒ Terceiro Volume ‒ Brasil ‒ Rio de Janeiro, RJ ‒ Imprensa, 1895. 

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;

  • Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
  • Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
  • Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
  • Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
  • Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
  • Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
  • Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
  • Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
  • Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
  • Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
  • Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
  • Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
  • Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
  • E-mail: hiramrsilva@gmail.com.   

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