A Terceira Margem – Parte CDXXII

Descendo o Rio Branco

Cel Hiram em seu caiaque

Ricardo Franco de A. Serra (1780/1)
Parte I   

O Coronel Ricardo Franco de Almeida Serra, nascido na cidade do Porto ‒ Portugal em 03.08.1748, formou-se em Engenharia e Infantaria e em 1780, ainda como Capitão foi indicado por D. Maria I, Rainha de Portugal, para viajar ao Brasil e chefiar a Terceira Partida de Demarcação de Limites, em cumprimento às determinações do Tratado de Santo Ildefonso, para resolver as disputas territoriais resultantes da expansão das fronteiras do Brasil, nos tempos da União das Coroas Portuguesa e Espanhola [1580-1640], integran­do o Real Corpo de Engenheiros Português.

Ricardo Franco de Almeida Serra

Na Colônia, que ainda se encontrava em forma­ção, suas contribuições foram incontáveis nos campos da construção de Fortes e de levantamentos topográ­ficos, cumprindo a Missão de desbravar e proporcionar melhores condições de defesa das fronteiras Norte e Centro-oeste.

Ricardo Franco desempenhou papel decisivo na consolidação do espaço territorial brasileiro. Tornou-se responsável pelo levantamento de extensas regiões fronteiriças explorando mais de 50 Rios das Bacias do Amazonas, do Prata e mapeando as Capitanias do Grão-Pará, de São José do Rio Negro [atual Amazonas] e de Mato Grosso. Construiu obras estrategicamente situadas como o Forte Príncipe da Beira, o Quartel dos Dragões, em Vila Bela, e o Forte de Coimbra.

Durante 9 dias, de 16-24 de setembro de 1801, sob a proteção do incompleto Forte, Ricardo Franco, liderando 49 soldados e 60 civis apoiados em 110 fuzis e 6 canhões, conseguiu repelir violento e potente ataque da Flotilha de D. Lázaro de Ribera, Governador de Assunção, composta de 4 galeotas armadas com 12 canhões e guarnecidas por cerca de 900 homens.

Após prolongado reconhecimento da posição, D. Lázaro de Ribera, ex-governador da Província de Moxos [atual Bolívia], onde atuara contra o Forte Príncipe da Beira, convicto de sua superioridade numérica, cerca de 8×1, enviou um “Ultimatum” a Ricardo Franco dando-lhe uma hora para render-se e entregar Coimbra. Essa inferioridade numérica foi um estímulo que sempre animou os luso-brasileiros a não abandonarem seus postos e a defendê-los até ás últimas consequências:

Ou repelir o inimigo ou sepultarem-se debaixo das ruínas dos fortes cuja defesa lhes confiaram.  

A uma intimação do Comandante espanhol para depor suas armas, Ricardo Franco respondeu negativa­mente, com altivez, mantendo-se firme na defesa do aquartelamento. Sua atitude corajosa inspirou os su­bordinados a combaterem com inquestionável coragem. Ao final de uma sangrenta batalha, os soldados luso-brasileiros frustraram a ação inimiga, preservando o domínio sobre a fortificação.

O sul mato-grossense, conservado livre, seria mais tarde incorporado ao Brasil independente. Em 1802, a Coroa Portuguesa, reconhecida, promoveu Ricardo Franco ao posto de Coronel e o agraciou com o hábito de São Francisco de Assis, mantendo-o no Comando do Forte de Coimbra e da Fronteira Sul.

Preocupado com a defesa dos limites com os es­panhóis, implantou destacamentos, reconstruiu fortes e executou outras obras militares e civis. Combalido por doenças tropicais, faleceu em 21.01.1809, aos 61 anos. Português de nascimento conheceu o Brasil como pou­cos e aprendeu a amá-lo a defendê-lo. (www.dec.eb.mil.br)

Revista Trimestral de História e Geografia ‒ Volume 06, 1844

Documento Oficial (1781) 

Ilm° e Exm° Sr. – Pela muito respeitável ordem de V. Exª datada em 26.12.1780, V. Exª nos ordenara que subíssemos o Rio Branco, ou Parimé, e dele fossemos sucessivamente entrando nos Rios Mau, Tacutu e Pirara, e nas suas cabeceiras respectivas, e que examinássemos as comunicações, que por aquela parte poderíamos ter com a Colônia holandesa de Suriname, como também que serras poderiam haver, ou outras marcas naturais, que pu­dessem para sempre servir de raia entre os domínios portugueses e os da sobredita Colônia, assim como também pela parte de Leste do dito Rio Branco, nos ordenou V. Exª que buscássemos as fontes dos Rio das Trombetas, e do Rio Urubu, que deságuam sobre o Amazonas, para, pelo alto das suas vertentes, se conhecer a linha divisória, que a natureza do País por ali oferece. Acrescentando V. Exª que as mesmas ordens, com as mesmas circunstâncias deviam dirigir as nossas diligências sobre outras fontes do Rio Branco, da parte do Poente e do Norte, em que procurássemos do mesmo modo as serras ou cordilheira que pudes­se por ali determinar os limites da Colônia portugue­sa e espanhola, alcançando o conhecimento da Latitude e Longitude, a que demoram as serras, que fazem para o Norte as vertentes do Orenoco, e para o Sul as do Rio Negro.

Tendo concluído com o cumprimento de grande parte destes artigos do plano, que nos dirigia, e a que obedecemos, vamos expor na presença do V. Exª, na mesma ordem com que os fomos praticando, os exames determinados. Tendo nós partido desta capital de Barcelos no primeiro de janeiro ([1]), chegamos à Fortaleza de S. Joaquim do Rio Branco em trinta e um do mesmo, tendo-nos demorado na Cachoeira Grande deste Rio seis dias, esperando canoas menores em que nos devíamos transportar, sendo já dali para cima difícil a navegação para barco maior de cinco remos por banda por espraiar muito o Rio. Nele, pelas derrotas que sem inter­rupção fomos fazendo, e observações astronômicas, achamos bastante que emendar no mapa do Estado, observando muito mais para o Norte, e para o Poente os lugares notáveis, como bem se vê da presente carta, que oferecemos com esta partici­pação.

No dia 06.02.1781, nos pusemos em viagem pelos Rios Tacutu e Mau acima, que por serem menos caudais de águas estes Rios da parte de Leste, era necessário começarmos por eles antes que a maior seca nos impossibilitasse a navegação. Com três dias desta chegamos à Foz do Rio Tacutu onde ele da parte de nascente entra no Rio Mau, a quem dá o seu nome dali para baixo até a Fortaleza, não obs­tante ser ele braço do Mau, o qual vai continuando o mesmo rumo em que navegamos dia e meio até chegar à Boca do Rio Pirara, dentro do qual pouco mais de légua aportamos, e nos pusemos em marcha de terra para irmos reconhecer para a parte do Nascente aquele terreno.

Achamos doze léguas em linha reta à direita da Boca do Pirara à margem do Rio Rupununi, que deságua para o Oceano sobre a costa de Suriname, e depois que recebe em si o Rio Cipó ou Cibu, toma o nome de Essequibo. Este intervalo do Pirara ao Rupununi é de campinas alagadas, que em tempo das cheias formam um Lago contínuo, que por meio de três pequenos varadouros fazem a comunicação por águas entre o Rio Branco e o dito Essequibo, ou Rupununi, e quase no meio das ditas campinas está o ponto mais elevado delas, junto do Lago Amacu, que vai notado com asterisco de carmim na mesma carta que oferecermos, e do qual principiam as vertentes daqueles pequenos declives para a parte do nascente a cair sobre o Rupununi, e para poente formam a fonte do Rio Pirara, que deságua como temos dito para o Mau por ele para o Rio Branco.

Estão estas campinas como fechadas pela parte do Sul com uma alta cordilheira, que se estende Leste-Oeste coisa de dez léguas, e vai terminar pela ponta do Poente sobre o Rio Tacutu, e pela região do Norte se veem cinco cadeias de montes elevados, que vão correndo em grandíssima extensão; e pela parte do Nascente, ficam também as ditas campinas valadas pelas águas do Rupununi; o que oferece um sítio, que achamos muito notável para nele segundo nos adverte o mesmo plano, e ordens de V. Exª se deve estabelecer uma atalaia, que naquela fronteira vigie sobre as inovações ou pretensões que houverem da parte dos colonos de Suriname, a qual, com não menor comodidade, se poderá situar sobre a margem do Rupununi na vizinhança do Igarapé, ou pequeno Rio Tauarixuru.

Se acaso isto não for contra as pretensões dos ditos holandeses havendo de atender-se às vertentes, e não à margem Ocidental do Rio Rupununi para os limites; e no caso de se ali não fazer estabelecimento da mesma Fortaleza de S. Joaquim se poderão lançar patrulhas sobre as mencionadas campinas de inverno por águas, e de verão por terra, as quais com grande utilidade do real serviço e segurança perpétua da­quele posto se fariam, introduzindo-se cavalgaduras para o uso da tropa, vistas as férteis pastagens que oferecem todos os adjacentes do Rio Branco para a criação e sustento destes amimais, e de todas as espécies de gado que em poucos anos servirão de grandes recursos para a capital do Pará, e de total fundo de subsistência para esta do Rio Negro, onde é tão notória a falta de carnes. (Continua…) (SERRA)

Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 25.04.2022 – um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.

Bibliografia  

SERRA, Ricardo Franco de Almeida. Documento Oficial – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Revista Trimestral de História e Geografia ‒ Volume 06 – Kraus Reprint, 1844.  

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;

  • Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
  • Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
  • Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
  • Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
  • Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
  • Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
  • Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
  • Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
  • Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
  • Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
  • Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
  • Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
  • Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
  • E-mail: hiramrsilva@gmail.com.   

[1]   Primeiro de janeiro: 01.01.1781.

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