A Terceira Margem – Parte CDXVII

DESCENDO O RIO BRANCO

O Canoeiro Hiram Reis e Silva

Apresentação
(Descendo o Rio Branco)  

No final da década de sessenta, o então aluno Reis, do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA), perambulava pelos sebos de Porto Alegre à procura de sua literatura teosófica preferida: ‒ Helena Petrovna Blavatsky, Éliphas Lévi, Papus (Gérard Anaclet Vincent Encausse); de romances iniciáticos: Edward Bulwer-Lytton, Jorge Enrique Adoum e obras literárias: Herman Karl Hesse, Lobsang Rampa (Cyril Hoskins), Gibran Khalil Gibran, dentre outros. Nessas leituras um tema, em especial, despertou a atenção daquele jovem inquisitivo ‒ o Registro Akáshico, a Memória Ancestral da Humanidade.

Foi então que tomei conhecimento, também, da teoria de Carl Gustav Jung denominada “Inconsciente Coletivo” ‒ um reservatório de imagens latentes, primordiais, ou melhor, arquétipos, que cada ser humano herda de seus antepassados. Entusiasmado com Jung e reconhecendo na sua teoria, apartada apenas de uma sutil semântica, os mesmos fundamen­tos do Registro Akáshico tibetano continuei pesquisan­do até chegar à teoria da “Sincronicidade”. Na “Sincro­nicidade” de Jung o significado dos eventos deve ser profundo, não apenas meras coincidências, algo que amplie nossa consciência mostrando-nos um novo caminho a ser percorrido, um novo objetivo a ser alcançado. Descrevamos a “Sincronicidade”.

Fui iniciado Aprendiz maçom, na loja Caridade Rosariense (GORGS), em 1976, e elevado ao Grau de Companheiro em 1977, permanecendo “adormecido” por 41 anos. Incitado pelos caríssimos Irmãos Mário Scherer e Orci Paulino Bretanha Teixeira a voltar à Ordem fui convi­dado pelo amigo e Irmão Carlos Athanasio a fazer parte de sua loja, a Venerável Mestre Marcelo Moreira Tostes (GORGS).

Presenteei alguns Irmãos, mais antigos da Loja com meu livro “Descendo o Negro” e, um deles, o Poeta e Ir\ Thales Bastos Chaves, ao ler o título da obra começou a declamar a poesia “Encontro das águas” de Quintino Cunha, seu conterrâneo, de Itapajé (Ceará), que reproduzo na página 191 do mesmo livro. Como se não bastasse a feliz coincidência o Poeta contou um dos famosos “causos” de Quintino, intitulado “A Paciência do Juiz”, que igualmente reproduzo na página 194 do mesmo livro. Embalado pela simpatia do querido Irmão Thales e estimulado pela sua paixão por minhas amazô­nicas jornadas narrei minha rotina matinal:

Acordo cedo e fico aguardando a penumbra lenta­mente se dissipar, partindo bem antes de o Sol nas­cer. Gosto de navegar solitariamente usufruindo das belezas naturais que me cercam e enfrentar todo tipo de obstáculos acompanhado de longe pelo Gran­de Arquiteto. Saindo antes do amanhecer tenho a rara oportunidade de me entranhar nos sutis mean­dros aquáticos, de imergir literalmente no momento mágico que é o despertar de um novo dia.

A uniformidade da flora vai ganhando novos contrastes, novas cores, novas luzes, numa invulgar explosão que apresenta progressivamente a pujança extrema da biodiversidade tropical.

A fauna preguiçosa acorda e entoa uma ode maravilhosa sob a batuta do Astro Rei ‒ tons diversificados, emitidos pelas mais diver­sas gargantas, irmanadas numa sinfonia única acom­panhada de longe pelo som melancólico dos bugios. Meu coração e minha mente seguem a par e passo as estrofes da “Litania das Horas Mortas” de Antônio Francisco da Costa e Silva, o Príncipe dos Poetas Piauienses e autor da letra do Hino do Piauí.

Ato contínuo o Poeta declama a poesia “Litania das Horas Mortas” de “Da Costa e Silva”, que ele home­nageia no seu belo livro “Noturno” ‒ coincidências?

Prefiro crer na teoria de Jung.

Nos meus livros, como adoro poesia, reproduzo várias delas em cada livro de autores os mais variados, mas neste que reportará minha próxima descida pelos Rios Tacutu, Branco e Negro, desde a cidade de Bonfim (Roraima), na fronteira com a República Cooperativa da Guiana, até Manaus (Amazonas) vou repercutir, também, as poesias de meu jovem amigo de quem faço uma breve apresentação, prólogo de seu livro Noturno:

Thales Bastos Chaves  

O poeta nasceu em Itapajé, Ceará, filho de Augusto de Araújo Chaves e Judith Bastos de Araújo Chaves [ambos falecidos]. Ocupava, então, Augusto o cargo de Tabelião. Teve Itapajé, na figura dele um dos ho­mens mais raros. Para evidenciar melhor, tivemos a oportunidade de ler, há poucos meses, num jornal de Fortaleza, uma reportagem completa sobre Itapajé, a qual referindo-se ao pai do poeta, frisava bem: “Itapajé se lembrará, sempre, deste filho ilustre”.

Passou o poeta sua Infância, ali. Cidade curiosa, co­mo se sabe, principalmente por isto é uma ilha, com a diferença de que, em lugar de água por todos os lados, a gente vê somente montanhas. É lá que exis­tem, entre outros caprichos da natureza, uma pedra enorme, na forma exata de um Monge; outra que recebeu o nome de “Caveira de Adão e Eva”, e a famosa “Noiva de Pedra”. Em virtude dessas escultu­ras singulares foi que mudaram o nome da cidade de São Francisco de Uruburetama para Itapajé.

O poeta, com a perda dos “velhos”, ficou nos “cueiros”, Encontrou, no entanto, no desvelo de Raimundo Avelino Freitas [falecido no ano passado] e Florência Bastos Freitas, que o criaram como a um verdadeiro filho, o carinho que não teve de seus pais, tão cedo arrebatados pela morte. O poeta tem-lhes por isso, verdadeira loucura. Fez o primário no Grupo Escolar São Francisco de Uruburetama ‒ hoje Grupo Escolar Itapajé. Depois seguiu para Fortaleza, Capital do Estado, onde ingressou no Colégio Cearense, dos Irmãos Maristas. Ali fez até o quarto ginasial, não o terminando, porém.

Em outubro de 1948, volve à terra natal, onde pas­sou umas férias muito prolongadas, escravo dócil das musas locais: o céu de turquesa imaculado, os hori­zontes longínquos, a destilar-lhe n’alma uma suave melancolia; as silhuetas das montanhas; a cidadezi­nha, enfim, e nela, muitos pássaros e borboletas, borboletas humanas, também, leves, graciosas, mas tiranas que sempre fascinaram o jovem bardo, tendo sobre o seu coração um irresistível domínio. Em 1951, o poeta chega ao Rio de Janeiro, ingres­sando no conhecido e conceituado estabelecimento de ensino do Largo de São Francisco ‒ Instituto San­ta Rosa. Aí reiniciou seus estudos. Atualmente faz O terceiro ano científico. Pretende estudar Direito.

Foi sócio e colaborador, por longo tempo, da revista RONDA, propriedade e direção do inteligente moço cearense Francisco de Magalhães Portela. Em RONDA, entre outras publicações, tivemos “A Casa Abandonada” ‒ poema de profundo realismo e notá­vel beleza.

Colaborou, também na Gazeta de Notícias, fundada por Ferreira de Araújo, contemporâneo e amigo particular de Rui Barbosa. Lá gozou da estima do ilustre Professor Astério de Campos, outro da velha guarda, também amigo e colega de Rui quando este colaborava na Gazeta.

Hoje trabalha na “Cruzeiro do Sul” – Companhia de aviação comercial, na parte de aerofoto, ocupando o cargo de fotogrametrista Estão admirados? Pois não é para menos. Talvez o poeta acabe como o Van Jafa: burilando poemas sobre aviação, meteoros, o Diabo! Aliás, o poeta, já gosta muito das coisas do céu: veja-se:

Há penumbra no céu. E a treva embaça
Dos astros nus as pulverizações.
…………………………

E assim me vou, fugindo aos próprios rastros,
Rondando solitário à luz dos astros,
Embuçado no pranto das estrelas. 

…………………………

A noite é turva. A Lua já não nasce…
As estrelas não brilham, se apagaram… 

Há tanta ânsia de amplidão, de movimento livre, de voos infinitos, neste seu primeiro livro; há, nele, tantos rasgos felizes de inspiração, tantas imagens fascinantes, que temos de proclamar Thales Chaves um ardoroso apaixonado da liberdade e um poeta de real mérito. (CHAVES)

Correio da Manhã, n° 19.640, 05.04.1957

O escritor, jornalista, doutor em Direito e diretor da SBAT (Sociedade Brasileira de Autores Teatrais) Paulo Magalhães escreveu na sua coluna “Bate Papo”, do Correio da Manhã:

Correio da Manhã, n° 19.640
Rio de Janeiro, RJ ‒ Sexta-feira, 05.04.1957
Bate Papo
Paulo Magalhães

Eu tenho sincera ternura pelos “novos”.

A vida tem sido boa comigo e eu estou envelhecendo alegre e feliz porque vivo entre os moços rejuve­nescendo, todo dia, pela simples ação de presença de cada um deles… Todos os dias, na “Praça 11 da A.B.I. ([1])” eles me procuram, vindos, alguns, dos Estados mais longínquos, trazendo-me seus livros de estreia, suas peças de teatro, seus projetos, suas esperanças…

O arruído permanente em torno do meu nome, por esse Brasil em fora, dá-lhes a impressão, aumentada pela repercussão da distância, de que eu sou alguém muito importante…

Recebo-os com este meu “jeitão” cordial, de blusão e calças esportivas; abro-lhes os braços e o coração, apresento-os a todo o mundo, ambiento-os com sim­plicidade e eles sentem-se “importantes” também…

E comovo-me, sinceramente, quando eles me apare­cem, anos depois do nosso primeiro encontro, dizen­do que a minha palavra boa ajudou-os na sua carreira…

Thales Bastos Chaves – aspecto de colegial ‒ apare­ceu na “Praça 11 da A.B.I.”, trazido pelo meu colega Maurício Dias da “Tevê”, com um livro de versos: “Noturno”.

Abri uma página, ao acaso, e senti logo o grande poeta que ele é. Disse-me que tem 23, apesar de aparentar 18, que é cearense e que “precisava” da minha palavra sobre o seu livro… Li outras páginas, em voz alta, para os colegas presentes e todos cercaram o poeta nortista com ar de compunção e de respeito.

Aquele rapazola tímido, através da espontaneidade do seu estro, da musicalidade do seu verso, da correnteza da sua inspiração, foi um impacto emo­cional para todos nós!

Noturno”, de Thales Bastos Chaves, tem verdadeira poesia em cada página, essa poesia que é eterna porque é um relâmpago de beleza pura! (CORREIO DA MANHÃ, N° 19.640)

A Voz
(Thales Bastos Chaves) 

“Voz de ferro! Desperta as almas grandes
Do Sul ao Norte… Do Oceano aos Andes” Castro Alves)

‒ Chamaram-me? Quem foi? Não viste porventura,
Sombra amiga, essa voz tão cheia de ternura,
Que comigo falou?

“E a estranha severa, altipotente ([2]) e pura, Misturada de amor, de tédio e de candura, Sibilante passou…

‒ Conhece-a, amigo ‒ Não. Ouço-a falar, contudo,
Permaneço inativo, esquerdamente ([3]) mudo
Só falatório dela.

E em toda a parte onde eu procuro a calma,
Sinto-a viva e latente entranhada em minh’alma,
Extremamente bela.

E não sabes quem seja, não conheces ainda?!
Apenas pela voz tão penetrante e linda,
Apenas pelo olhar,

Que eu nunca vi igual, tão puro e tão sensível,
Por quem meu coração sente um desejo incrível,
De sentir e de amar.

Dize-me sombra amiga, em que lugar do mundo
Pode existir tal voz de timbre tão profundo,
Com solfejos de amor;

Imperativa e bela, uníssona, fecunda,
Que nas ondas do som, todo o meu ser inunda
De mágico esplendor?!

Oh dize-me quem é?! Vamos! Fala! Responde!
Onde mora essa voz, onde essa voz se esconde
Esteja onde estiver… […]

Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 11.04.2022 –  um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.

Bibliografia  

PAULO MAGALHÃES. Bate Papo – Brasil – Rio de Janeiro, RJ ‒ Correio da Manhã, n° 19.640, Sexta-feira, 05.04.1957.

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;

  • Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
  • Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
  • Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
  • Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
  • Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
  • Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
  • Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
  • Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
  • Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
  • Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
  • Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
  • Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
  • Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
  • E-mail: hiramrsilva@gmail.com.

[1]   ABI: Associação Brasileira de Imprensa.

[2]   Altipotente: muito poderosa.

[3]   Esquerdamente: esquivamente.    

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