O nome da cacique Miriam Kazaizokairo, da Aldeia Bakaval, é unanimidade entre os indígenas da Terra Indígena Utiariti (MT): na comunidade, ela é apontada como uma das principais lideranças da história da etnia Haliti-Paresi no Mato Grosso. Aos 68 anos, a professora aposentada é exemplo de força, trabalho, sabedoria e protagonismo, influenciando homens e mulheres indígenas de diferentes gerações.
“Hoje eu fico mais na minha casa, mas quando precisa eu ainda gosto de estar presente nas atividades culturais da nossa comunidade, como as oferendas. Quando os jovens precisam de alguma orientação ou tem algum problema eu ajudo também, eles vêm para perguntar a minha opinião, têm essa consideração, reconhecem e respeitam quando falo alguma coisa, isso é importante para mim”, afirma a cacique.
A cada discussão para melhorar as condições de vida dos indígenas da etnia, a cacique estava presente. Duas lembranças marcam sua vida, como referências entre as principais lutas vencidas pela comunidade: a abertura da estrada entre as Terras Indígenas, agora conhecida como a Rodovia MT-235; e o início dos trabalhos com a lavoura mecanizada, atualmente com o plantio de soja, milho e feijão em 19,6 mil hectares, menos de 2% da área indígena total.
“Lutei pela nossa terra e pela criação dessa estrada que permitiu o acesso da aldeia à cidade e às escolas. Foi uma época muito difícil, de luta de índio contra índio, ‘índio contra os brancos’. Eu sabia que ia ser importante ter esse acesso e briguei por isso. Também enfrentamos muita gente para começar o trabalho das lavouras. Depois de muita discussão e negociação, deu certo, a maioria sempre vence. Nossa etnia é conhecida por ser negociadora, não aceitamos qualquer coisa”, pontua.
Miriam ressalta a importância do apoio da Fundação Nacional do Índio (Funai) nessa trajetória, especialmente nos últimos 3 anos, quando a agricultura familiar e os projetos nas lavouras ganharam destaque. “Foi fundamental ter a Funai presente, incentivando e apoiando o trabalho agrícola, fornecendo material e maquinário quando necessário. Hoje nós temos uma estrutura de trabalho independente, que é exemplo. Mas não podemos esquecer da ajuda que tivemos. Agora, o meu sonho é implantar uma escola profissionalizante dentro das aldeias, para capacitar nossos índios e para que, futuramente, eles possam capacitar outros índios também. Acho que com o estudo e gerando renda nas aldeias vamos ser independentes e livres”, afirma.
A vida antes desses projetos era marcada por limitações. Miriam conta que, antigamente, a comunidade vivia na miséria. Os homens trabalhavam na extração de borracha, mas só conseguiam comercializar a cada 2 meses. Sem comida, esperavam o padre retornar para dividir o pouco que tinha e ver o que ia acontecer na semana seguinte. Anos depois, com o início da construção da estrada e o fim da borracha, os indígenas saíram da aldeia e foram trabalhar nas fazendas vizinhas, muitos deles em condições precárias.
“As mulheres ficavam nas aldeias porque os filhos estavam na escola, enquanto os homens passavam 30, 60 dias nas fazendas sem voltar. Anos depois, decidimos começar o trabalho que eles faziam nas fazendas, nas nossas próprias terras, plantar as nossas lavouras. A Funai nos deu um trator, pois tinham um posto indígena aqui na região. Começamos com o plantio de 8 hectares, corremos atrás de adubo, de material de trabalho. Quase todo mundo era contra, mas a gente viu que isso era necessário para garantir a nossa sobrevivência. A lavoura foi construída em um lugar que não prejudica nada. Nós temos o lugar da flauta sagrada, ninguém mexe lá. Temos o lugar onde a gente pega a palha para fazer a casa tradicional, ninguém mexe lá. A lavoura tem o seu lugar certo”, explica Miriam.
A cacique Miriam celebra o sucesso atual do projeto iniciado por ela e por outras lideranças da região que já morreram, mas que deixaram um importante legado. “Me sinto feliz e realizada de ver que os mais jovens compraram essa briga e deram continuidade ao trabalho que a gente começou lá atrás. Hoje, vejo eles trabalhando, viraram adultos andando com as próprias pernas, estudando para poder seguir nas aldeias”, acrescenta.
Apoio da Funai
O uso econômico sustentável de Terras Indígenas como ferramenta para a geração de renda nas aldeias tem sido um dos principais focos da Nova Funai. Nos últimos 3 anos, os investimentos em etnodesenvolvimento foram de aproximadamente R$ 40 milhões. Os recursos foram destinados a diversas ações que visam à autossuficiência dessas comunidades, como a aquisição de materiais de pesca, sementes, mudas, insumos, ferramentas, maquinário agrícola, apoio para o escoamento da produção e realização de cursos de capacitação para os indígenas.
Ao impulsionar a produção nas aldeias, a fundação colabora para que os indígenas ampliem o cultivo, conquistem novos mercados e se tornem cada vez mais autossuficientes. Em 2021, em uma iniciativa inédita, a Funai adquiriu e entregou 40 tratores para fornecer apoio a essas atividades produtivas. Ao todo, a fundação investiu de mais de R$ 5 milhões na aquisição do maquinário. A intenção é garantir a segurança alimentar das diferentes etnias e possibilitar que elas aumentem a produção, investindo em processos de ampliação de renda.
Abril Indígena 2022
Na Campanha Abril Indígena de 2022, ano em que o Brasil celebra o Bicentenário da Independência, a Funai mostrará exemplos de protagonismo indígena que contribuem para a autonomia e independência das comunidades. A história de vida da cacique Miriam abre a série de reportagens especiais, publicadas nos canais oficiais da Funai, apresentando o perfil de quatro lideranças que buscam mudar a realidade de suas aldeias.
Bicentenário da Independência
Em 2022, também celebramos o Bicentenário da Independência do Brasil, comemorado em 7 de setembro. Para festejar a marca histórica, o Governo Federal realiza uma série de atividades para rememorar a trajetória do país ao longo dos 200 anos. Com o mote Liberdade, Independência e Soberania, há ações como o lançamento de publicações, incentivo à produção de arte sobre a temática, reforma de museu e mobilização da diplomacia brasileira para celebrar a data também no exterior.
Assessoria de Comunicação / FUNAI