A Terceira Margem – Parte CDXII

EPOPEIA ACREANA

Brasileia – Xapuri.

Xapuri I    

Os primeiros habitantes da região foram os índios das tribos dos xapurys [mais numerosa e que deu origem ao nome da cidade], catianas e moneteris. A excursão de Manuel Urbano da Encarnação à foz do Rio Xapuri, em 1861, foi o início da colonização da região. As terras, onde atualmente se localiza a cidade, eram de propriedade do cearense Manuel Raimundo, seringa­lista que chegou à região durante o Ciclo da Borracha. Os seringais da região do atual município de Xapuri eram os mais produtivos do planeta, fazendo com que a região se tornasse a principal referência [em termos sociais, culturais e econômicos] do Acre em outras regiões do país e também do mundo.

Toda essa importância fez com que a região fosse palco de intensos conflitos com a Bolívia e os moradores que ali habitavam, sendo grande parte composta por brasileiros oriundos do Nordeste. O povoado surgiu logo depois de Volta da Empreza [Rio Branco], no ano de 1883, em um local estratégico na confluência do Rio Xapuri com o Rio Acre. A localidade tornou-se um dos principais entrepostos comerciais do Acre no Ciclo da Borracha. Durante o período da Revolução Acreana, Xapuri foi ocupada por autoridades bolivianas que passaram a chamá-la de Mariscal Sucre. Em 06.08.1903, as tropas do Coronel Plácido de Castro tomaram o povoado marcando o início da última vitoriosa etapa da Revolução Acreana, que culminou com a Anexação do Acre ao Brasil. Na década de 1980 a cidade também foi palco do movimento de resistência dos seringueiros em defesa dos seringais nativos da região. O principal líder desse movimento, cuja luta culminou na criação das reservas extrativistas, foi o sindicalista xapuriense Francisco Alves Mendes Filho. (www.xapuri.ac.gov.br)

O patrulhamento ideológico dos sites oficiais acreanos eliminou da história do Acre e de Xapuri, em especial, a carismática figura do ilustre militar e político brasileiro Jarbas Gonçalves Passarinho, nascido em Xapuri, nos idos de 11.01.1920. Passarinho foi Governa­dor do Estado do Pará, Ministro do Trabalho, da Educação, da Previdência Social, da Justiça e Presidente do Senado Federal.

Amigos da 1ª Cia do 5° BEPCIF.

11.09.2017 – Conhecendo Xapuri  

Na segunda-feira de manhã, a Diretora de Cultura da Prefeitura Municipal de Xapuri Sr.ª Alarice Botelho Nunes e o seu Secretário de Esporte e Cultura Sr. Jorge Alves Ferreira vieram até o Quartel da 1ª Cia do 5ª BEPCIF para nos acompanhar em um tour cultural pela cidade em que fomos gentilmente conduzidos, na viatura dos bombeiros, pelo Ten BM Marcelo Melo de Andrade.

Museu Casa Branca  

Ainda em reforma, consta ter sido sede da antiga intendência boliviana e abriga no seu acervo pinturas, documentos, armas, máquinas e livros históricos. Foi tombada como patrimônio histórico em 17.01.1985.

Igreja de São Sebastião  

A construção da igreja teve início em 1910. Foi projetada pelos Padres Felipe Gallerane e Carlos Zucchini.

Seu acervo mais importante é a imagem de São Sebastião manufaturada na Itália e doada à igreja pelo Dr. Epaminondas Jácome em 1915. Depois de passar por uma grande reforma foi reinaugurada em 1953. Anos depois, recebeu os sinos da torre e as estátuas Santa Inês e de São Sebastião, que guarnecem a Igreja.

Casa de Chico Mendes

Museu Chico Mendes 

Instalado na casa onde viveu e foi assassinado Chico Mendes.

Rua do Comércio (06 de agosto) 

Região mais antiga da cidade e recentemente restaurada. Nesta rua localizavam-se as grandes casas comerciais do Alto Acre. No apogeu da borracha foi importante palco comercial de produtos provenientes de Belém, Manaus e do exterior. Aqui ancoravam as embarcações abarrotadas de mercadorias destinadas aos seringais da região.

Museu Particular Cezar Zaine  

O Ten BM Marcelo notou minha relutância em adentrar ao Museu cujo cadeado aberto permitia sem maiores empecilhos o acesso. A Sr.ª Alarice tranquilizou-me afirmando que a família franqueava a entrada ao Museu a todos interessados.

Princípios Éticos  

Minha relutância em adentrar ao Museu Cezar Zaine me fez engarupar na memória e lembrar da última Fase da Expedição Centenária Roosevelt-Rondon percorrendo as águas do Rio Paraguai há um mês atrás.

Ao percorrermos, de madrugada, as instalações históricas dos Descalvados, nas proximidades de Cáceres, sentimos uma compulsão quase incontrolável de adentrar nas históricas instalações.

Nelas tinham pernoitado há cem anos o ex-Presidente Theodore Roosevelt e o então Coronel Rondon, que mais tarde seria conhecido internacionalmente como o Marechal da Paz, mas como não tínhamos conseguido autorização isto caracterizaria invasão de propriedade privada. Minha educação familiar não me permitia adotar tal procedimento. A formação recebida na caserna apenas reforçara aquilo que aprendera de meus saudosos pais.

Em 1972, o Capitão Wantuil Ferreira de Camargo, Comandante da 2ª Companhia do Curso Básico da Academia militar das Agulhas Negras, afirmava:

Aqui não corrigimos “Defeitos”, apenas aprimoramos “Virtudes”.

Aqueles que tiveram o privilégio de dar os primeiros passos no caminho da honra e do dever com seus progenitores sabem do que estou falando. Sou do tempo, graças a Deus, em que a palavra de um Homem valia mais do que qualquer documento oficial ‒ um compromisso assumido era cumprido a qualquer custo.

Temos a obrigação de nortear nossas ações de maneira a respeitar, acima de tudo, os direitos do nosso próximo em qualquer circunstância, principalmente quando não estamos sendo vigiados ou observados, sendo assim, só adentramos nas Centenárias instalações depois que o caseiro Jeferson acordou e nos acompanhou na visita.

Antônio Teixeira Mendes (Duda Mendes).

12.09.2017 – Entrevista com Duda Mendes  

O Ten BM Marcelo agendou uma entrevista com o Sr. Antônio Teixeira Mendes, primo de Chico Mendes no Seringal Cachoeira:

Antônio Teixeira Mendes 

Eu sou Antônio Teixeira Mendes, conhecido como “Duda”, nasci no dia 19.04.1960, no Seringal Santa Fé, onde hoje é uma fazenda, numa colocação ([1]) chamada “Cachorra Magra”, de lá fui para outra colocação, do mesmo Seringal, mais próxima daqui, chamada “Jubaia”, mais tarde vim para cá quando tinha nove anos de idade. Meu pai é cearense e minha acreana, descendente dos Colhas, minha vó era da etnia Colha, de La Paz, Bolívia. Meu pai sempre procurava um patrão bom, porque naquela época a maioria deles tratava mal os seringueiros. Ele teve notícia, então, de que o patrão do Seringal Cachoeira era bom e resolveu vir para cá e comprou a colocação. Este local onde moro hoje era a sede do Seringal. Aqui nos criamos eu e meus irmãos, eu cortava seringa desde os nove anos de idade. O patrão realmente era o melhor que ele tinha encontrado até então, pagava salário, aviava bem seus seringueiros e a mercadoria era em conta.

Este Seringal é chamado hoje de “Pai Chico Mendes”, um Projeto, criado em 1990, que, através das lutas, a gente conseguiu tirar da mão dos fazendeiros. O Governo Federal desapropriou a terra e deixou a gente morando, sem delimitar as áreas de cada um.

Na época eram 55 famílias e hoje são 88 porque a gente vai casando formando família, e ao lado de uma colocação grande vai abrindo outra. É um projeto com 24.000 hectares, um Seringal chapadão, não é muito acidentado, tem dois Igarapés, Chora Menino e Grande que o cruzam e deságuam em um terceiro que faz a extrema da Bolívia que é o Rio Xipamano.

Extrativismo e Manejo  

A principal renda do Projeto continua sendo o extrativismo, aqui todo mundo sobrevive do látex, da seringa e da castanha, só que hoje a gente cria um pouco de gado, planta também um milho, arroz que vai vendendo além do manejo florestal. No manejo só se retorna à mesma área após 25 anos, e se todo mundo trabalhar conscientemente pra mim é a coisa mais importante que tem porque a gente vende legalmente. A minha casa de Xapuri foi comprada praticamente com os recursos advindos do manejo florestal.

No manejo florestal, a floresta tem mais vida, você vai retirando as árvores mais velhas deixando as mais novas e com isso você vai ganhando dinheiro com a sua sabedoria. Só que lidar com gente é complicado, alguns no meio do caminho começam a achar que estão ganhando pouco e resolvem vender ilegalmen­te. O manejo florestal que nós implantamos aqui não foi para deixar ninguém rico, mas apenas para complementar a renda familiar, mas muitos não veem as coisas dessa maneira e resolvem ganhar dinheiro.

Eu gosto muito de morar aqui, tenho casa na cidade, mas só vou até lá para buscar algo e volto para cá. Eu e minha esposa temos sete filhas, ela nasceu no Seringal Cachoeira e o resto da minha família mora aqui no Seringal, em Rio Branco e Xapuri.

Minha propriedade produz muita castanha, umas 1.000 latas de castanha por safra e hoje a castanha está com um preço muito bom. Nosso Seringal é talvez o que apresenta a melhor qualidade de vida de todo o estado do Acre, isso significa dizer que o nosso Projeto deu certo. Atualmente estamos pensando em reflorestar mais, porque a terra não cresce, mas a população sim, por exemplo, a minha família é de sete filhos e alguns vão querer vir morar com a gente, mas como eu tenho só três estradas de seringa isso só dá para sustentar uma família, mas se eu plantar cinco ou seis hectares de seringa e de castanha, estarei dando condições de sustento para mais umas três famílias. Embora a propriedade permaneça do mesmo tamanho eu consigo com a minha sabedoria tornar aquela área mais produtiva e, com certeza, com isto eu estou contribuindo para com o meio ambiente porque em vez de derrubar a floresta eu estou plantando.

Queimadas  

O que a gente vê muito nesse período é queimada, tem dias que até para abrir os olhos de tardezinha é difícil, Vai chegar a hora de morrermos todos sufocados com fumaça – acho isso um absurdo. Nosso povo não tem consciência, ele não sabe que queimando está prejudicando a saúde de todo mundo, mas eu espero que os jovens cresçam com certa consciência. Porque se vacilarmos vamos ter seca no Acre, porque se você só abre e não planta nada, primeiro vão secar os igarapés e vai virar um sertão. A solução pra mim é o manejo, a palavra manejo para mim significa muito.

Tenho discutido com doutores que falam mal do manejo e eu peço para eles apontarem qual o manejo que eles condenam. O manejo a gente emprega na própria casa, para não ter muitos filhos, na criação de galinhas – sacrificando aquela que não bota ovos, de gado – quando uma vaca não é boa de leite ou de cria, tudo é manejo. Então não se pode de antemão dizer que se tem raiva de manejo. Todo mundo precisa de madeira, porque então ter raiva do manejo florestal? A maioria das casas da região são de madeira que não foram retiradas através do manejo. O nosso manejo é certificado pelo Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola [Imaflora] e orientado pela Cooperafloresta. […]

Chico Mendes  

Chico Mendes era meu primo, uma pessoa muito humilde, nasceu no Seringal Equador, cortava seringa numa colocação aqui ao lado. Na década de 70, ele começou a participar do movimento sindical e fundaram, entre 1970 e 1977, o Sindicato de Brasileia e depois Xapuri. Estes Sindicatos foram fundados porque os patrões tinham vendido suas propriedades para os fazendeiros e eles não queriam trabalhar com extrativismo, queriam derrubar a mata para botar o boi e isso desencadeou um movimento pra garantir o futuro dos moradores das colocações.

Graças a isso conseguimos a demarcação de uma reserva livre dos fazendeiros lá do outro lado e o Seringal Cachoeira foi criado na base da união, dos “empates” ([2]) porque os fazendeiros queriam derrubar o Seringal todinho.

Eram cinco proprietários, cada um com sua parte, cada um querendo derribar a mata da sua parte e nós resolvemos, através do sindicato, dar um basta a isso, para poder assegurar um meio de sobrevivência para esse povo.

Podemos dizer que o Chico Mendes morreu para dar uma vida digna para todos nós, porque só depois da morte dele que o Governo Federal se viu obrigado a regularizar a questão fundiária dos extrativistas, criando a Reserva Chico Mendes com um milhão de hectares para 1.500 famílias.

Darcy A. da Silva – Assassino de Chico Mendes  

Eles vão me matar. O nome deles eu digo: Darly e Alvarino Alves da Silva. Eles já mandaram matar mais de trinta trabalhadores e a Polícia Federal não fez nada. Se descesse um enviado dos céus e me garantisse que minha morte iria fortalecer nossa luta, até que valeria a pena. Mas a experiência nos ensina o contrário. Então eu quero viver. Ato público e enterro numeroso não salvarão a Amazônia. Quero viver. (Chico Mendes)

O Darly, pai do Darcy, não tinha comprado nenhuma colocação aqui dentro. Os fazendeiros tinham medo de enfrentar os extrativistas e resolveram usar o Darly para tirar o povo à força. Na época contrariamos até Ordens Judiciais, veio um oficial de justiça com a Ordem para deixar o pessoal passar e nós impedimos. Até que um Decreto criou o Projeto, e, logo em seguida, assassinaram o Chico e aí sim as coisas começaram a melhorar para nós.

Chico sempre dizia não vamos atirar nem bater em ninguém vamos apenas impedir a derribada, tomar a foice dos peões e tentar explicar pra eles.

Eles também não tinham culpa porque estavam ganhando o dinheirinho deles. Mas graças a Deus, depois que tiraram a vida do Chico eles começaram a entender.

Raimundo Mendes de Barros (Raimundão)

Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 28.03.2022 –  um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;

  • Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
  • Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
  • Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
  • Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
  • Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
  • Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
  • Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
  • Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
  • Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
  • Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
  • Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
  • Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
  • Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
  • E-mail: hiramrsilva@gmail.com.

[1]   Colocação: trecho de seringal, constando de barraca e algumas estradas de seringa. Cada seringueiro trabalha em três estradas. Às vezes, na mesma colocação moram dois seringueiros, que trabalham de sociedade. (POTYGUARA)

[2]   Empates: estratégia de luta criada pelos seringueiros para evitar o desmatamento. Era uma manifestação pacífica – a comunidade, sob as ordens do sindicato, deslocava-se para a área onde os pecuaristas pretendiam desmatar, bloqueavam o acesso colocando-se à frente dos peões com suas famílias e, logo em seguida, as lideranças do movimento tentavam mostrar a eles como o desmatamento da floresta, colocaria a vida de todos em risco. Chico Mendes achava que o discurso dissuadiria os peões de cumprir as ordens dos seus patrões. (Hiram Reis)

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