Nota sobre predação de terras indígenas e o PL191/2020

MUSEU PARAENSE EMÍLIO GOELDI
NOTA SOBRE PREDAÇÃO DE TERRAS INDÍGENAS E O PL191/2020

O corpo técnico-científico do Museu Paraense Emílio Goeldi vem a público manifestar posição contrária ao Projeto de Lei (PL) 191/2020, tramitando em regime de urgência na Câmara dos Deputados. O PL 191/2020 fere a Constituição do Brasil, a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho e os direitos de povos indígenas, compromete o presente e ameaça o futuro da população brasileira.

Sem consultar e possibilitar direito a voz e veto aos povos indígenas, o PL 191/2020 libera a mineração, a geração hidrelétrica, a exploração de petróleo e gás em Terras Indígenas. O Projeto de Lei e o conjunto de atividades propostas para serem liberadas anulam na prática as Terras Indígenas, pois ameaçam gravemente a existência de povos, línguas e culturas ao degradar e poluir o ambiente, alterar modos de viver, restringir o acesso aos recursos naturais que estão na base de seu processo produtivo, fomentar conflitos violentos pela posse da terra, abrir espaço a doenças para as quais os povos indígenas não tem resistência imunológica, etc.

O teor do projeto ignora que diferentes campos da Ciência vêm demonstrando a importância da permanência de conhecimentos milenares, que garantiram a diversidade encontrada no território nacional. Conhecimentos e territórios são importantes para a manutenção do capital natural, prestador de serviços essenciais que afetam a qualidade de vida da população brasileira.

A riqueza brasileira advém de milênios de conhecimentos complexos que foram se constituindo também pelas sagas dos povos indígenas em seus aprendizados de como enriquecer as áreas onde vivem e transitam, como abordou a exposição do Museu Goeldi “Origens: Amazônia Cultivada”. Hoje temos no Brasil aproximadamente 305 povos indígenas e 165 línguas indígenas diferentes (IBGE Censo 2010). A Amazônia brasileira abriga a maior concentração de povos indígenas do mundo. Esses povos são fazedores de florestas, colecionadores de diversidade biológica e mantenedores de nascentes de água. Recursos essenciais em um mundo ameaçado por escassez. Escassez que impacta toda humanidade, mas que é sentida imediatamente pelas populações mais vulneráveis, que dependem diretamente dos recursos naturais.

As Terras Indígenas são áreas protegidas onde os indígenas vivenciam sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições. Nessas áreas devem encontrar os recursos ambientais necessários para produzir e ter bem-estar. Esse direito está salvaguardado na Constituição do Brasil. Integram o conjunto de áreas protegidas do Brasil, funcionando como bancos genéticos, tampões aos processos de desmatamento, criando corredores ecológicos para as espécies circularem, e cuja manutenção é essencial para a regulação do clima, como por décadas têm demonstrado estudos do Museu Goeldi e parceiros.

Em nota publicada na revista Nature (volume 594), cientista do Museu Goeldi alerta que até o momento a atividade de extração mineral não trouxe para o Brasil melhorias duradouras a indicadores socioeconômicos, e que a concessão dos pedidos de mineração em Terras Indígenas afetaria amplamente as mesmas. A análise é reforçada pelo estudo do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, publicado na Environmental Research Letters, volume 15, número 10, que expõe como os indígenas da Amazônia brasileira estão ameaçados pela liberação do garimpo e mineração nas Terras Indígenas. Etnias como Yudjá, Kayapó, Apalaí, Wayana e Katuena podem ter entre 47% e 87% de suas terras impactadas. O garimpo de ouro, que traz riqueza para quem comercializa, deixa no local da extração cursos d’água contaminados por mercúrio, rastros de morte por doenças e violência rural, desorganização social, além de degradação da biodiversidade.

O ganho pelo avanço na destruição das áreas protegidas de povos originários inexiste. O pretexto apresentado para a urgência na aprovação do Congresso Nacional – explorar as reservas de fosfato e potássio em função da guerra na Ucrânia – não se sustenta frente as pesquisas científicas . Segundo estudos da Universidade Federal de Minas Gerais, sem avançar em Terras Indígenas, as reservas brasileiras de potássio são suficientes até o ano de 2100.

Se o ganho inexiste, as perdas são muitas, em vários aspectos. Perdas socializadas para toda a coletividade. Além dos impactos sociais, culturais, ecológicos e na produção agrícola, o Brasil terá sua credibilidade no mercado internacional afetada negativamente, podendo ser alvo de protestos e boicotes aos produtos nacionais, o que afetará, por exemplo, a economia e a oferta de empregos.

Senhores parlamentares, a Ciência tem apresentando ao Brasil opções econômicas inteligentes e socioambientais justas para se posicionar no mundo contemporâneo, onde a diversidade é um valor chave para processos criativos. Ser um país megadiverso, tanto do ponto de vista ambiental quanto sociocultural, é uma riqueza e uma vantagem. Ser um país que sanciona políticas de extermínio, não.

Corpo técnico-científico do Museu Paraense Emílio Goeldi
155 anos de Ciência na Amazônia

Referências Citadas:

PUBLICADO POR:    MUSEU GOELDI    

NOTA – A equipe do EcoAmazônia esclarece que o conteúdo e as opiniões expressas nas postagens são de responsabilidade do (s) autor (es) e não refletem, necessariamente, a opinião deste ‘site”, são postados em respeito a pluralidade de ideias.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *